O paraíso tem nome: Calama

BsB, 15/09/10

Grande amigo, andei sumido, mas foi por uma causa justa e nobre... estava pescando no rio Madeira. O rio estava muito baixo, com pouca água e raras corredeiras. Isto sem falar no trânsito caótico das embarcações de todos os tamanhos e tipos que, por lá, trafegam livremente: ora levando gado, ora levando gente e às vezes, mantimentos para as populações ribeirinhas. Devo confessar que a pescaria não foi lá essas coisas, os peixes, desta vez, deram um banho em mim, foi dez a um para eles.

O rio Madeira merece aplausos: é majestoso, elegante e rico em ouro. O vil metal é garimpado por pessoas que jamais irão usufruir das riquezas que dormem em seu leito a espera de mãos cuidadosas e ávidas. Suas margens estão engalfinhadas de árvores mortas que desprenderam das matas adjacentes devido a vendavais e enchentes. Olhando bem, elas parecem tranças de raiz, algo esculpido por mãos poderosas e firmes nos infinitos arremates. Vez por outra vemos vestígios de seres humanos através de pequenas casas de pau-a-pique que brotam de suas encostas poderosas e verdejantes.

Para chegar ao meu destino naveguei por quatro horas seguidas, saindo de Humaitá em direção a Porto Velho. Na mansidão do tempo, que parecia não ter pressa, pude apreciar as belezas naturais daquele rincão perdido da floresta amazônica. Calama é um povoado abençoado por Deus. Fica incrustrado à margem direita do rio, é cercado de árvores de todos os tamanhos e espécies. Visto de longe parece dormir em berço de ouro. Lá não existem carros, chuveiros elétricos e muito menos os malditos celulares. Sua população está estimada em três mil habitantes. São pessoas dóceis e acolhedoras que recebem os visitantes de braços abertos como se já os conhecessem há décadas.

O que mais me chamou a atenção foi o relato de moradores sobre a aventura que os alunos de primeiro e segundo grau que moram às margens do rio Maici enfrentam para irem à escola que fica em Calama. Segundo me disseram, na época das chuvas eles enfrentam temporais de todos os tipos, quando isto acontece, são obrigados a abandonarem o barco e fugirem para a mata em plena chuva para se protegem dos raios e das tempestades. Na época da seca o problema é, ainda pior, devido a pouca profundidade do rio o barco atola na areia obrigando os meninos a descerem e empurrarem o barco até que ele possa navegar novamente. Isto sem contar com o perigo que correm de serem ferroados por uma arraia traiçoeira. Esta aventura demora em média, cinco horas. Felizmente não presenciei nenhuma dessas situações, os vi cantarolando como se nada disso os assustassem. É incrível vê-los navegando, vão serpenteando o rio guiados por pedaços de paus que são enterrado no canal indicando os lugares mais profundos onde possam passar sem que sejam molestados pelos bancos de areia o que é quase impossível.

Grande amigo, lá conheci um cidadão que atende pelo carinhoso apelido “abelha”, ora é o dono da pousada, ora é o cozinheiro, ora é o professor de teatro do centro comunitário. Sempre com o sorriso estampado no rosto, parece ter a certeza de que um dia voará por cima de todas aquelas árvores como se fosse um zangão predestinado. Eh, talvez um dia eu volte lá para saber mais detalhes daquele vilarejo que me acolheu por alguns dias sem nada pedir em troca. Espero que esse dia não esteja tão longe e nem tão perto, mas que esteja na medida certa para que eu volte e mostre todas àquelas maravilhas à minha amada.

Um grande abraço,

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 15/09/2010
Reeditado em 05/12/2022
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