Um dia na alameda do bosque

BsB, 27/07/10

Caro amigo, nem vou perguntar como você está, mas vou lhe dizer que ando mal, com uma dor na alma que não quer me deixar sossegado, às vezes ela me prende no colo e me aperta com tanta força que chego a perder a vontade de viver. É como se o fogo queimasse meus neurônios e me deixasse sem as rimas que mais gosto: amor e flor. Minha amada tenta me passar ânimo, me fazendo ver que Fernando Pessoa tinha razão quando falava que tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Aí respiro profundamente, arranco inspiração de onde não imagino ter, me vejo como uma árvore frondosa de galhos poderosos onde crianças e adultos, em balanços de cordas retorcidas riem e dão gargalhadas frenéticas – parecem voar de um lado a outro num vaivém delirante.

Você que é meu amigo, que convence as pessoas com suas palavras hábeis e poderosas, criaturas essas que mal sabem quem são, o que diz da minha dor? Será que ela tem fim? Será que ela tem cura? Será que mereço tudo isto? Será que os meus versos vão morrer no nascedouro?! Ao contrário de mim, que sou um homem comum, que acho complicado controlar o que não entendo, acredito que você possa me ajudar me fazendo ver que o céu é azul, que a borboleta é vermelha, que a luz é passageira, que o milagre da vida é o prodígio do amor e da poesia. Sei que alguns remédios não são amargos. Sei também que algumas flores não são para bicos de beija-flores desastrados e insolentes. Sei que é na leveza das asas que o Condor encontra as correntes de ar quente mais apropriadas para os seus magníficos voos: ora em circulo, ora em mortais rasantes. Sei que os verbos, as vírgulas, as exclamações e os pontos finais são por demais perigosos. Sei também que na maioria das vezes eles nos traem sem o menor constrangimento. Talvez eu seja um esquizofrênico, mas você que é um fingidor, um amante das palavras, que conhece as entrelinhas por onde devemos trilhar, pode me proporcionar a sustentação que procuro.

Grande amigo, ser poeta não é uma profissão, nem é um dever de ofício. Às vezes quando leio Augusto dos Anjos ou Florbela Espanca, nem sei ao certo quem estou lento. As palavras, as rimas, os sentimentos que eles dão à vida me colocam em xeque-mate, me fazem pensar que Fernando Pessoa não tinha razão. Nessa encruzilhada me lembro daquele general romano que disse aos seus comandados: "Navigare necesse; vivere non est necesse". Será que viver não é mesmo necessário? Será que os poetas buscam o belo através da morte prematura?! Ah, vou andar mais um pouco, quem sabe uns dez passos para o norte ou três e meio para o sul! Lá, talvez, encontre um banco de madeira carcomida onde possa sentar e sonhar livremente com minhas rimas mais-que-perfeitas.

Um abraço tristonho,

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 27/07/2010
Reeditado em 20/07/2013
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