Desabafo

Hoje, peguei-me pensando em algumas coisas. Não sei ao certo se valem realmente à pena, para ser feito delas uma carta ou um poema. Muito menos um conto, ou crônica. Digamos que seja apenas um desabafo. É parece fácil para quem lê: desabafar. Quantas pessoas precisam escrever para desabafar? Basta ir ao psicólogo e pronto. Não é tão simples quanto parece desabafar. É maior. É mais. Seria como abrir seu peito de um golpe só: deixar o coração, não aquele bonitinho ou lindinho dos desenhos, mas o verdadeiro. O coração pulsante, com sangue, vermelho e feio. Ou talvez seja como ver todo o seu mundo cair. Tudo ir embora. E nada restar. É como se você ficasse sem fôlego, mas um fôlego que na verdade não existe, porque já se está morto.

Penso que talvez pensar na morte é interessante. Morrer nada mais é que um grande desabafo. Desabafamos de tudo: da vida, dos problemas, das mentiras. De tudo. Nada nos restaria – e que me desculpem os espiritualistas, mas o desabafo é meu. Nada exceto nós mesmos. E como seria? Conviver consigo mesmo? Conviver comigo, deve ser difícil. Sou um pouco irritante. Chato, às vezes. Legal, outras. Queria que o convívio se tornasse ao menos, suportável.

Desabafar pode parecer fácil. Legal, divertido. E é: quando se tem cinco ou seis anos. Admitimos, ou melhor, desabafamos que quebramos o vaso, sujamos o vestido da mamãe, riscamos o carro do papai. Quando ficamos mais velhos, desabafar fica mais difícil. Parece que tudo se resume ao que nos tornamos. Ao que demonstramos ser. As atitudes e escolhas que tomamos. Melhor dizendo, não parece. Torna-se isso. Desabafo aqui que sou humano. Erro. Tomo escolhas erradas, caminhos difíceis. Errei muito, eu sei. Mas quem nunca errou, e só notou seu erro no fim do túnel, que lance em mim a primeira lágrima de pena.

Desabafar é um erro também. Cresci aprendendo a ser forte, ser invencível. Não porque meu pai me ensinasse assim. Mas aprendi com mamãe. Mulher de fibra. Irresponsável e inconseqüente, mas com fibra. Não o fosse, hoje não estaria desabafando convosco. Papai: eu tive o prazer de não conhecer. Prazer porque pude crescer sozinho. Sem um modelo de homem. Sabendo, exatamente, que poderia ser o homem que quisesse. Espero que ainda possa ser. Minhas atitudes, hoje, mostram-me que meu destino está mais certo que o relógio de Deus.

Deus. Talvez ele precisasse ser humano por um dia. Não como castigo, não. De modo algum – tenho-o com muito respeito. Mas para entender que dádivas são traiçoeiras, como Shakespeare. Pois nos impendem de conquistar os bens que poderíamos ter, não fosse o medo de tentar. Percebo, hoje, que eu tenho medo. Sempre tive. Posso dizer que não: mas tenho medo do escuro. Dos monstros que ficam debaixo da cama. Dos barulhos estranhos que vem de fora da casa. Tenho medo de tantas outras, e supérfluas coisas. Mas minto. Nego até a morte, se é que assim posso e devo dizer. Eu não tenho medo. Nunca tive. Nunca terei. Quiçá, quando o medo deixar de ser medo, eu o admita. Por enquanto, mantenho o que disse: sou corajoso. E gostaria de saber, Deus você tem medo?

Desabafar não é tão difícil, dizem meus amigos. Desabafar é apenas expressar o que se sentem, dizem os poetas. Desabafar é aceitar sua missão, dizem os espiritualistas. Desabafar é assumir o que está errado e arrumar, dizem os livros de auto-ajuda. E quanto ao que eu acho? Será que eu – por mais ignorante ser que sou – não posso dizer? Para mim, desabafar é se abrir. Não por bem, mas por mal. É mostrar ao mundo, a miséria que somos. O mundo pode querer nos ignorar: ao menos tentamos.

Desabafar não é como ir ao psicólogo. Mesmo porque, o último, mais me complicou que ajudou. Não por maldade, mas por amor. Amei tanto, que desabafei. Contei quem era o que era e tudo o que fiz. O amor acabou. E eu fiquei: desabafado e sozinho. Cansei de amar. Desabafei para Cupido, e ele me disse – se é que não foi efeito do álcool – que era impossível. Então eu fiz como David Jones: tirei meu coração e tranquei. Deixei de sentir, de amar. Treinei-me assim, e assim fiquei. Todos os dias, como um repugnante ato, eu me puno por este ato insólito. Por não aprender a sofrer, a perder, eu vendi a alma e fiquei assim.

Vivo em um eterno dueto: desabafar ou abafar. Ser ou talvez. Sim ou não. Dueto entre eu e eu mesmo. Não como em duelos épicos ou de bem contra o mal. Mas apenas eu. Que de um lado quero desabafar. E que de outro, ninguém me ouve. Tentei gritar. Morrer. Viver. Rir. Chorar. Mentir. Usar. Nada funcionou. Tentei, também, falar, cantar e todos os outros verbos de atitude. Mas como eu disse: talvez o mundo não esteja pronto. Talvez as pessoas, simplesmente não queiram ouvir...

Le Vay
Enviado por Le Vay em 15/07/2010
Reeditado em 21/01/2012
Código do texto: T2380215
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