Prezado amigo André

BsB, 26/04/10

Como vai? Acredito que melhor e mais bonito. Na última vez que nos vimos seus olhos brilhavam diferente, o que me deixou super contente. Eu vou indo de um lado ao outro, sempre na companhia de minha amada, que cuida de mim como se eu fosse o seu doce preferido. Quase sempre ela sussurra em meus ouvidos: meu Poeta! Confesso que fico lisonjeado com tamanho dengo.

Hoje amanheci preocupado com o texto que você me pediu. Motes não me faltam. Todos os detalhes de nossas vidas deveriam ser registrados. Para tanto, existem os poemas, as cartas, as crônicas e as prosas. Por mais singelos que sejam, guardam infinitos sentimentos e possibilidades. Diria que em tudo há poesia. Até na morte. Cada qual com suas características fundamentais. Essas narrativas exigem uma dose peculiar de criatividade. É fato que todas as histórias já foram contadas, mas cada um de nós, seres diferentes que somos, temos a nossa maneira de ser e de contar o que vimos e sentimos em cada etapa de nossas vidas. Por mais que os fatos sejam repetidos, jamais serão narrados com os mesmos sentimentos, pois cada um de nós guarda, em nossa memória, uma caixinha de palavras que podem ser sacadas ao nosso bel prazer. E, se isto não bastasse, poderíamos criar novos vocábulos ou até mesmo modificar os já existentes, uma vez que o nosso baú não tem fundo nem tampa. É importante lembrar que um único sinal pode mudar toda a trajetória do contexto. O curioso, e ao mesmo tempo encantador, é que todos os escritos, quer sejam, de Camões ou Shakespeare, falam da mesma coisa – amor/tragédia. Pensando em tudo isto estou lhe mandando um poema que foi inspirado em motes da nossa amiga Cláudia e de minha amada Gláucia, confira...

Pianíssimo

a

fina

dor

Cláudia Carneiro

Gláucia Braga “você: tão ácido............. e tão doce...............”

A fina dor

às vezes rasgo minhas carnes,

putrefatas exalam um cheiro amargo

entre os lençóis esbranquiçados do catre

é uma agonia sem razão,

um destempero desqualificado,

uma morte anunciada

na esquina da rua onde moro

me finco no chão.

ali, sou um morto-vivo

às vezes sou ácido,

às vezes sou doce,

às vezes choro... como faço agora

Aristóteles disse: “nada de novo sob o sol”. Até hoje esta máxima permanece viva, tudo se resume à mesma coisa. Assim sendo e, tendo como inspiração o Palavratrix pianíssimo da Cláudia, escrevi o poema A fina dor. Veja que o nosso pensamento é o mesmo. E, se fizermos um esforço musical, vamos constatar que um afinador de piano, por exemplo, pode torná-lo mais desafinado do que o que havia encontrado, daí a tragédia, mas se o afinar com esmero terá consagrada sua destreza. Portanto, a música que será tocada poderá nos encantar ou desapontar – amor/tragédia. Daí concluo que tanto eu como a Cláudia e o afinador, chegamos ao mesmo ponto.

Seguindo o mesmo raciocínio de minha amada que diz que às vezes sou ácido/às vezes sou doce... entendo que amor e ódio, andam juntos, de mãos dadas - de preferência. Logo, tudo se resume a um ciclo vicioso, ou seja, tudo volta ao mesmo ponto. Não vejo outra possibilidade quando falamos em Literatura. Tanto no meu poema quanto no da Cláudia ou no comentário da Gláucia a conclusão é a mesma. Mas o que me deixa maravilhado é que, apenas as falas mudam. A essência da coisa em si, é a mesma desde os tempos de Aristóteles. Portanto, o ato de escrever não passa de um modo diferente de contar as nossas histórias, sejam elas pessoais ou imaginárias. Para finalizar e bagunçar a sua cabeça, vou repetir o que disse Heráclito: “um homem não toma banho duas vezes no mesmo rio”.

Um grande abraço,

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 26/04/2010
Reeditado em 04/12/2022
Código do texto: T2220065
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