CARTA ABERTA A DEUS
Hoje acordei com espasmos de medo no estômago
Meus velhos e antigos conhecidos
Malvados, debochados, não param, não diminuem
Até parece aquela gastrite de volta
Ferida profunda, agora cicatrizada
Que só à terra cabe apagar
Mas membrana sensível, ainda
E aí me pergunto: porque isso, Senhor?
Não te atendo correndo, quando me chamas?
Nem sei o que faço, só vou obedecendo ao chamado
Homens, mulheres, crianças, mendigos, gente pobre ou rica,
Como tanto os bichos, os loucos e os que se fazem de loucos
Aqueles que cantam e dançam em plena avenida Paulista
Em um palco improvisado, só um muro de concreto
Ao teu pedido ou ordem, não me recuso
Pois, de pronto, me pus ao serviço, fosse qual fosse
Agora, faz bem pouco tempo
Em uma briga contigo, pedi demissão
Não que quisesse paga, me conheces
Mas, quem sabe, assim de mim te esquecias
Só peço que me deixes, não me lembres para o bem
Não me deixes fazer o mal
Assim, simples, indolor
E agora tu vens, com um desgosto tão grande
Arriscada que estou a cruzar com aquele
Que, por pouco, tão pouco, a vida não me ceifou
Não tenho, porquanto, preparo
Para encontrar meu antigo algoz, carcereiro
Que sem piedade, por um bom tempo, fez-me escrava de mim
De todos meus medos, tristezas e mágoas
Uma dor tão grande que, um dia, em buscas no Aurélio
Não encontrei um adjetivo sequer, que a definisse
Pois, então, que o ponha longe de mim
Pois qual torturado quer cruzar com seu temido carrasco?
Que foi que te fiz, que bárbaro crime cometi?
O de amar no meu todo, em um desnudar tão completo?
Me deixa, Senhor, te afastas de mim
Já disse, não quero o bem, tampouco o mal
Só que te esqueças de mim!
Eis que chego a sentir muito medo de TI!