Os velhos
Meu caro,
De tempos em tempos lembro-me de como fomos sido felizes em nossa ingenuidade. Nestes momentos as lágrimas assomam aos meus olhos e, se não caem, não é por minha culpa; estas lágrimas tão tímidas tem pudor de cair, de molhar o chão do mundo onde fui condenado a viver.
Nestes tempos - sempre o tempo - recordo-me de como éramos livres, de como entrávamos triunfantes nas cidadelas, em como derrubávamos muros e portões. Nossos gritos enchiam o ar que cheirava a flores esmagadas e sangue.
Gloriosas conquistas, a salva ilegítima dos vencidos, o reconhecimento imediato dos inimigos. Vivíamos embriagados de morte, de sangue, de vinho... tantas recordações dos faustos tempos.
O que nos traiu? O que nos conduziu e nos reduziu às cinzas frias de nós mesmos e às sombras gélidas de nossas canções de guerra, que de quando em quando murmuro?
Éramos tão ingênuos! Críamos que tudo fosse para sempre, que as emoções perduravam, que matar era uma contingência e que as vitórias bastariam. Apenas hoje olhei-me seriamente no espelho e vi-me velho, irreconhecível para mim mesmo.
Minhas mãos estão travadas, já não tem força para elevar a espada. Meus olhos não enxergam mais as bocas trêmulas do medo de meus inimigos à distância.
Minhas pernas já não me levam a onde quero, vacilam diante do caminho que se abre diante da minha porta. Meus ouvidos não distinguem mais a voz sussurrada dos que tramavam.
Perdi a guerra contra o tempo, velho amigo, esse inimigo tranquilo, sorrateiro, que não se apressa, nem mesmo para nos apresentar a morte.
Essa sobra de mim mesmo, que hoje traça nestes papéis a epopéia de sua decrepitude, confessa sua ingenuidade e seu desapontamento...éramos, velho amigo, já não somos. Passamos, fomos e nos tornamos apenas a conjectura da nossa própria existência.
Despeço-me, velho companheiro. Encontraremo-nos ainda? Quem sabe? Chegarão a você essas palavras? Talvez.
Desejo que você bata ainda muitos anos, embora, velho amigo, eu ache sinceramente que não vale a pena.
Teu sincero amigo e companheiro.