3ª Carta a um  Poeta


Por que isso, poeta?
Odiava tanto assim o amor?  Foi medo? Era mentira?
Não conseguiu conviver com a sensação de falta, saudade, ciúme?
O amor necessita de coragem... não pode conviver com quem prefere a acomodação de anos, a preservação do modus faciendi... a segurança do seu status quo.
Cadê o beija-flor atrevido que amorosamente viria invadir minha casa?

Ah, meu amado poeta... Eu bem que tentei, não foi? Tentei trazê-lo para os desatinos encantadores da adolescência, com sonhos e planos, passeios à beira-mar de mãos dadas, namoro no banco da pracinha, sexo às escondidas, encontro de olhos nos olhos e cara lavada... poemas escritos nas palmas das mãos e no dorso nu... cartões postais com uma única frase: "eu te amo". Tudo muito antigo mas que pretendíamos ser só nosso. Jovens de novo.
Ao invés de um anel, um colar de sementes nativas.

Os olhos que você gostava de ver "apertadinhos", baixos, prometendo sedução e mistério, gozo esgazeado, hoje estão rasgadinhos por tanto pranto fustigados... A tez pálida de maçãs rosadas está com fendas finas, rachaduras na porcelana do rosto de boneca... Os lábios, doces e úmidos, que se ofereciam aos beijos, quedam tristes e ressequidos, sem graça, caídos nas laterais... A pele do corpo esqueceu de se nutrir e trocou a maciez de um pêssego pela aspereza das folhas de outono... farfalha ao toque... A voz, acorda e deita-se embargada, sentida... Os prazeres, todos, bateram em retirada... O coração anda fraco e sucumbe à saudade e às mágoas... Os cabelos carecem de cuidados...
E a poesia, ah... a poesia perdeu a importância... nada mais é que uma ladainha lamentosa... Emudeceu. Falta-lhe cor e energia.

Tudo parou. Envelheci pelas suas mãos, pela sua omissão, pelo seu silêncio, o que não envelheci pelo tempo decorrido.

Este é o saldo de um amor que não vingou mas do qual você vingou-se. Sem que ao menos eu saiba por quê...
Foram muito, muito bons esses meses em que me acordava e dormia pensando em você.

Ah, meu amado poeta... Sua menina se afasta de mim.
No lugar dela, novamente uma senhora. Comum.

KATHLEEN LESSA
Enviado por KATHLEEN LESSA em 19/05/2009
Reeditado em 26/06/2009
Código do texto: T1601983
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