Caminhos distintos
A noite está nublada. Um vento frio e úmido passa por aqui, por ali, um pouco mais adiante. Não tarda muito e a chuva começa a cair, vinda do céu como música... música suave...
Estou sentado, parado, pensando, olhando... olhando da sala de minha casa. Sinto-me como se estivesse em sonho. Com imagens. Um teatro onde minha janela é o palco, as plantas de meu jardim a orquestra e a chuva, a sinfonia que por mim é ouvida, quando seus pingos tocam nas pétalas das rosas, nas folhas da terra e internamente em meu coração.
No céu não há estrelas. No céu, a lua está escondida por uma massa cinzenta de pesadas nuvens. E nesse melancólico cenário, findou-se a festa. Sinto-me só. A saudade aumenta. Meus pensamentos se confundem. Só tenho a nitidez de uma imagem. Penso em você e pensativo paro. Paro e busco-lhe. Busco-lhe e não encontro. Onde você estará?
Levanto-me, caminho até a janela, olho para o meu triste jardim e vejo pequenos animais abrigados. E eu me vejo totalmente desabrigado sem a sua companhia, sem o seu afago. Totalmente solitário com o seu adeus.
Lágrimas brotam em meus olhos, misturam-se com a chuva que parece chorar comigo nessa noite. E esse choro, esse choro de lamento e de saudade faz-me curvar diante da realidade que não mais lhe tenho junto a mim.
Juro que não mais foi, não porque eu não quisesse, pois eu ainda lhe afeiçôo profundamente, apesar de sentir em você tanta arrenegação, tanta frieza, tanto desamor. Penso e não creio que você seja capaz de fazer isso comigo. E o pior, que seja capaz de fazer isso com a gente...
Responda-me como ficará a nossa estrela? Aquela mesma que brilhava no final de sua rua... Como ficará a nossa lua, que nos iluminava nas noites frias, quentes, ardentes em que nos amávamos? Como? Como ficará nosso sol que só fazia aumentar, brilhante, intenso, o calor do nosso amor? Como ficará nossa chuva? Chuva que nos molhava, excitava, envolvia, molhando nossas almas... Como ficarão nossas alianças que eram o símbolo, o círculo, a viagem... a imagem de nossa união? Como ficarão nossos corpos que uniam-se e choravam-se para o nosso êxtase? Como nós ficaremos, sem eu, sem você?... Como ficaremos?
Sabe, é difícil crer que você não mais me ame. É difícil crer que você tenha me esquecido, depois de tudo o que aconteceu, que vivemos e sentimos. É difícil crer que você usou de deslealdade comigo. Não... não... Não posso acreditar que nosso amor, tão lindamente vivido, sentido, a coisas mais forte de tudo que poderia haver sobre a face da terra, dos seres, dos homens, tenha se extinguido. Tento fugir dessa extinção, mas não consigo. Pois essa é a pura, cruel e incisiva verdade. Você extraiu nossos sonhos. Depredou os nossos valores. Anarquizou os nossos sentimentos, extirpou o meu ser.
Deixou-me perdido no tempo, ao relento. E no tempo seu amor também se foi, deixando-me insólito e incapaz de outro qualquer relacionamento sentimentalista com outra pessoa, uma mulher, um ser ou um outro amor. Deixou a saudade torturando e dilacerando o meu coração. Deixou lágrimas de alienação por você. Deixou sorrisos irônicos como respostas ou como um talvez de não mais poder ter você, pois se hoje a tenho, é como despedida para sempre. É como ferida que não sangra, como sonho irrealizável de todo. Como pesadelo presente, que não me deixa mais dormir. Como, como promessas de vida não cumpridas. Como dor perene, decretada, incômoda. É como eu sem você.
Mas não se incomode comigo, menina. Desculpe minha pretensão. Não se incomode, não se importe. Por favor, vá! Vá, siga, que a sua vida continua, persiste e insiste. O mundo também é seu...
Vá, menina! Pois eu irei também. Nós iremos. Apesar de irmos por caminhos distintos, fingindo, iludindo, eu seguirei minha vida, indeterminada agora, por hora... irei conhecer pessoas, outras pessoas... pessoas que talvez possam amar-me mais do que você. Com mais intensidade, mais afeto e dedicação, com mais fervor, ardor... com mais compreensão. Enfim, com mais sinceridade.
A chuva cessou. Vamos, menina. As estradas nos esperam molhadas, ainda úmidas. Mas já estão trilhadas. Sigamos os nossos destinos tentando, sentindo, fingindo ou sorrindo, agora que a nossa festa apagou, secou, adormeceu. Ficou, acabou em um rastro do tempo, no pingo de uma chuva, como uma sinfonia inacabada.
Agora que o calendário apagou mais um dia, agora que a vida e você nos separaram e o elo se quebrou, chegou o momento. Vamos! Vamos, menina! Não percamos tempo. Os minutos sucedem os minutos, assim como nós nos sucedemos. Vamos, pois a festa acabou. Mas antes de irmos, quero que você, nessa nossa despedida, grave o que eu tenho a lhe dizer... sabe, menina... eu ainda amo muito você! E como amo! Amo mesmo, demais!
29 de agosto de 1984.