Boa noite solidão

(Daniel Lellis Siqueira)

Não Solidão, hoje eu não te beijarei.

Nem te darei força para me acalantar

pois sempre te carreguei por refúgio intercostal

e velarei teu sono até o fim da tua vida.

Hoje achei alguém que te detesta.

Alguém que espera pela sua morte,

e eu, acho que ela está dizendo a verdade.

Não, Solidão... Pára com isso! Eu sei que você sim é fiel!

Sempre reconheci a sua lealdade

ainda que eu sofra com as suas malevolências

e a sua impertérrita alegria

de ver pessoas sucumbindo à sua presença.

-Sim, eu sei, venha cá! Me dá um abraço!

Não esquece que eu sempre te amarei,

afinal, serás a única que me acompanharás no túmulo.

A minha fiel e presente companhia.

Terei eu mais um dia sequer sem te chamar?

Lembra de quando a gente se sentava na calçada

e bebia uma garrafa inteirinha de vinho barato?

Quando a gente se deitava juntos

esperando algo que nem sabíamos o que era?

Quando falávamos telepáticamente

dos amores e agruras das minhas muitas mulheres?

E quando ríamos sozinhos delas? (Ainda que não fosse verdade, mas, só você sabia disso)

E quando a gente viajou para o desconhecido

com aquela sensação de que nos separaríamos para sempre?

Lembra das músicas que compus

enquanto você dormia calmamente ao meu lado?

Quantos beijos verdadeiros dávamos em minhas mulheres

mas você sabia que eu era só seu.

Hoje eu descobri, e não mais te beijarei.

Você foi falsa comigo!

Mentistes para mim.

Eu acreditei que com você seria feliz!

Sim, eu sei... Lógico que eu lembro!

Sim, eu me lembro que mulher nenhuma me deu esse prazer,

mas é tão bom a falsidade que eu sentia com elas...

Ah, você não gostava? Problema seu!

Quem disse que eu gostava?

Apenas me saciava, e isso você não pode fazer.

Pois já estás muito velha.

Já tens experiência para não sentir

prazer no sentir. Apenas existir já lhe vale.

Por favor princesa, pegue suas coisas e vá!

Não, não. Deixe aqui os meus escritos e minhas músicas.

Sim, eu sei que são seus também, mas fui eu que escrevi.

Na sua presença...

Bom, se é assim, leve tudo que eu me viro com o resto.

Tá aqui o violão. O papel e a caneta, os meus versos a minha roupa.

Não a cama você não vai levar!

Tá bom, eu sei que você dorme nela comigo.

Mas aonde eu vou dormir?

Então entraremos num acordo.

Essa noite

apenas essa noite dormiremos juntos.

Depois você vai embora porque eu não suporto mais!

Já me cansou esse negócio

de tê-la acorrentada em meus calcanhares,

Quero ao menos uma vez tentar algo novo.

Será que a alegria não gostaria de ser minha amante?

Bem, senta aqui no meu colo,

e beije-me como se fosse nossa última vez.

Vamos abrir um vinho bom, de fino e aguçado buquê.

Vamos celebrar a nossa amizade!

Deixe que o meu coração do amor aqueça a outro alguém,

ainda que você já tenha se apossado dele.

Depois dormiremos juntos, abraçados e mortalmente amantes

inevitavelmente sozinhos.

Obrigado Solidão, eu amo você.

Boa Noite Solidão.

Que de nossos beijos reluza o infinito sonhar dos maus amados.

O inconseqüente sopro do irmão,

do aconchegado paladar do comum.

A fantasia de que não estás aqui comigo, para mais uma noite sonhar. Avessamente, sonhar...