O TÚNEL DO TEMPO NOS DISPERSOU
Imaruí, SC, 04 de junho de 2008
Grande Amigo Júlio Stholfenn,
Tudo se passou como se fosse num passe de mágica, mas na verdade, o tempo é breve e, às vezes, cruel na sua passagem.
Digo isto porque, exatamente hoje faz 46 anos que nos bifurcamos dentro desse túnel invisível.
Quantas saudades foram reprimidas durante esse tempo, e que, hoje mais se parece como um lance da discutível eternidade que ficou enterrada em nossos passados.
Como eram boas as noites em que tu pegavas um bonde, o dito todo desengonçado, saia faiscando dentro dessa mesma noite em direção ao Colégio Júlio de Castilhos, e eu a pé ia para o Colégio Rosário, portanto, era sinal de que ficava mais perto e mais cômodo.
Lembro-me sempre dos guarda-chuvas esquecidos pelos velhinhos nos bondes e que tu os arrecadavas, deles, tu tinhas algumas dezenas, pelo menos não passávamos privação desses urubus quando chovia.
Depois com o aperto da ditadura, tu sumiste e eu não fiquei sabendo para aonde foste, assim também eu sumi sem te deixar endereço, é claro, pois o DOPS poderia ainda nos alcançar.
Entretanto, espero que não tenhas cometido a imprudência de ter te enfornado num convento qualquer, pois eu bem conhecia o assédio nesse sentido que fazia de forma insistente, o teu tio padre Victor Stholfenn.
Eu de minha parte, me afastei definitivamente dos padres, pois eles nos induziram para a subversão, mas quando éramos sistematicamente perseguidos, eles não nos reconheciam e se escondiam covardemente sob a batina.
Sei que ainda tu te Lembras do “coice de mula”, eu quero dizer, daquele pelotão da polícia de choque que, quando chegava para dispersar uma passeata ou uma agitação, nos dispensavam aqueles doces carinhos com os porretes?
Eles simplesmente chegavam batendo, quebrando, pisoteando e seriamente machucando, pois nada perguntavam; aqueles monstrengos foram e agiram como autômatos a serviço da violenta ditadura.
Mas quanto aos padres jesuítas, eles somente eram bons nos sermões, mas quando era para pegar a coisa pelas aspas, “pra capar”, eles se abraçavam à Santa Cruz e nos deixavam à mercê dos reacionários, os PMs, cafajestes a serviço dos milicos de verde.
Eu consegui escapar das garras dos gorilas, espero que tu tenhas conseguido o mesmo, entretanto a minha vida estudantil ficou completamente desorganizada.
Mesmo assim, eu consegui ingressar numa faculdade somente em 1975, com o endosso da minha conduta oferecido por um professor benevolente que, sempre foi o meu compreensivo amigo.
Prezado amigo, a minha vida particular (amorosa) foi um desastre e, para teres uma idéia, me casei três vezes e três vezes os casamentos afundaram.
O primeiro casamento foi por gratidão, outra hora eu te explico como foi, mas o segundo foi produto de uma louca e desenfreada paixão, esse também, como era de se esperar naufragou.
Quanto ao terceiro casamento, esse sim, foi por amor, entretanto meu amigo, eu não conhecia que mesmo dentro de um casamento por amor havia tanta hipocrisia, pois quando menos esperava fui friamente traído.
Agora já faz dez anos que me encontro só, apenas tenho alguns namoricos que não prosperam, na verdade, ainda espero encontrar alguém em quem possa realmente confiar.
Eu não vou falar mais nada a respeito da minha vida, pois o objetivo desta carta é te encontrar e não tecer uma elegia de lamúrias.
Estou endereçando esta carta para o Colégio Anchieta, aonde tu trabalhaste por algum tempo na revista “O Eco”, pode ser que alguém se lembre de ti e encaminhe essa correspondência até ao teu endereço atual.
Quanto ao teu tio padre Victor do Colégio Anchieta, eu acho que até já tenha morrido – se isso realmente aconteceu... Desculpe-me, mas que o diabo tenha se encarregado da sua alma!
Aguardo com ansiedade e espero que esta carta te encontre, se isso realmente acontecer, eu te garanto que teremos muitas aventuras para contar um para o outro.
Abraços do ex-Mariguela.
Eráclito.