BIOGRAFIA RICARDO FONTOURA - A PERNA QUEBRADA
Ricardo Fontoura desenvolveu um talento extraordinário durante a vida: se adaptar às situações difíceis. Com a esclerose múltipla essa qualidade foi bastante útil a ele em todos os momentos. Ajudava principalmente a manter a mente forte, focada no que precisava fazer e não em se lamentar, em se entregar.
Ricardo fazia o que tinha que fazer. Agia de acordo com o que a vida lhe proporcionava. Não tinha ilusões grandes ou decepções que pudessem lhe tirarem o chão. Sabia que desde o início da doença sua vida seria outra. Que teria limitações. Cada dia mais e não havia nada que pudesse mudar isso. Então mudava ele: pelo menos o jeito de reagir. Iria se adaptar à realidade e tentar viver da melhor maneira possível.
Nos últimos anos de vida, a capacidade de se adaptar foi bastante exigida. A vida cobrou dele força mental exagerada. E ele conseguiu corresponder. A sua casa estava cheia de adaptações, de acessibilidade. Ricardo já não dirigia o próprio carro e dependia de ajuda física para quase todas as atividades.
Naturalmente era algo que o incomodava, que tirava sua independência, sua autonomia. Como faria a qualquer ser humano no planeta. Mas ele sabia que seria pior se reclamasse, se ficasse de cara fechada. A vida era assim e, paciência!
Um momento delicado foi quando quebrou a perna direita e teve que somar mais essa dificuldade à sua já extensa lista de limitações. Estava na sua residência de Goiânia. Foi ao banheiro, ao tentar descer da cadeira para o vaso sanitário, Ricardo se desequilibrou e caiu. Bateu a perna no chão com força o suficiente para fraturar.
Na hora, gritou de dor, foi socorrido pela esposa, mas não foi de imediato ao médico. Pensaram que pudesse ser uma luxação, uma lesão mais leve. Com o passar dos dias, viram que poderia ser algo mais sério. Foi ao hospital e constatou a fratura. Teria que ficar imobilizado por pelo menos dois meses. Não teve como engessar a perna. A solução foi fazer uso de uma bota ortopédica, que era algo que incomodava menos. Mesmo assim, a dificuldade foi grande. A capacidade de locomoção ficou bem comprometida.
Ricardo passou por momentos muito difíceis. Como não conseguia ficar longe do trabalho, teve que se desdobrar para conseguir realizar suas tarefas com mais esse obstáculo. Mas não desistiu: descia da scooter e, com ajuda de colaboradores, sentava em sua cadeira, com a perna imobilizada, esticada. E trabalhava como sempre fazia.
Com seu bom humor peculiar, se adiantava em fazer piadas e brincadeiras sobre a nova condição. Não permitia que o clima ficasse pesado, tenso por causa de mais uma limitação – que era momentânea, aliás. E ele fazia questão de reforçar isso, para não despertar nenhum olhar de pena dos colaboradores.
Foram dois meses diferentes, com perna esticada, dores mais constantes e, como sempre, muito trabalho a fazer. Nada de esticar a perna no sofá confortável de casa. Seria tentador para qualquer um. Para Ricardo seria assinar um atestado de incompetência. E isso era pior do que a morte para ele. Era um guerreiro, que enfrentava um monstro morando dentro do seu corpo. Todo santo dia. E não seria uma botinha de farmácia que iria deixa-lo incapacitado, pensava. E até dizia.
A perna estava quebrada. A saúde não estava boa. A capacidade de se locomover não estava das melhores. Mas a cabeça estava ótima. A vontade de mover o mundo com a força das suas ideias, do seu trabalho, essa estava melhor do que antes. Estava sempre um passo adiante. Talvez fosse daí que buscava a força para vencer os obstáculos. Uma força que parecia ser de outro tipo de ser humano, uma força impossível de ser quebrada.