BIOGRAFIA RICARDO FONTOURA - "PERDI MEU MARIDO NA PARADA GAY"
Ricardo, Myrinha, Tereza e Henrique foram, no verão de 2001, visitar Julia, que estava fazendo intercâmbio na Alemanha. Rodrigo, por questões de trabalho, não pôde acompanhar a família na viagem.
Esse tipo de viagem era sempre um pretexto para uma aventura turística pelo país. Myrinha era oficialmente a coordenadora de logística e por vezes guia. Sempre atenta às pesquisas, elaborava os roteiros e apresentava à trupe as sugestões. Sempre com o cuidado de observar questões de acessibilidade para Ricardo.
Um dia, quando estavam em Berlim, Myrinha descobriu que estava acontecendo na cidade a Love Parade, que é uma festa de música eletrônica aberta ao público, que reunia até 1 milhão de pessoas em um dos cartões postais mais famosos da Alemanha, o Tiergarten Park no centro da cidade. Não era oficialmente a Parada Gay, mas era como se fosse, já que era bastante pregado o amor livre, a diversidade e a liberdade e era frequentado por grupos LGBT de todo o mundo.
No Brasil, parada gay ainda era algo que estava engatinhando. Havia começado há pouco e não ganhava muita mídia nem apelo popular. Era algo ainda apenas exótico. Curiosa por natureza, Myrinha teve um estalo: “Estou aqui no dia da parada gay e não vou ver?”. Estava decidida, mas tinha um Ricardo no meio do caminho. Como convencê-lo?
“De jeito nenhum. Você está louca? Como que eu vou à parada gay de cadeira de rodas? Essa multidão de gente, isso não vai dar certo, e não tem a menor condição de ir. Myrinha, não inventa”, essa foi a resposta de Ricardo, que já se locomovia com a ajuda da sua famosa cadeira motorizada.
“Então tá, Ricardo, você tem razão”, consentiu Myrinha. De um lado do ombro o anjinho dizia: “Realmente é uma logística ruim para o Ricardo. Multidão enorme, calor, dificuldade para se locomover no meio da aglomeração, melhor deixar pra lá”. Mas no outro ombro, o diabinho dizia: “Está em Berlim no dia da festa, vai perder a oportunidade?”.
Foram fazer um passeio pela cidade. De metrô. Aí Myrinha traçou uma estratégia: em vez de descer na estação mais próxima do hotel, se fez de desentendida e desceu uma antes, o suficiente para ver a Love Parade de longe e matar um pouco a curiosidade. Na hora de descer na estação, havia uma espécie de bifurcação e Ricardo – como era cadeirante – foi mandado sair em outra porta. Ele estava com Henrique. De um lado ficou Myrinha e as filhas Julia e Tereza e do outro Ricardo e Henrique.
O problema é que já estava no meio da muvuca do evento e não dava para ver mais ninguém, só aquela imensa massa humana, numa animação mil decibéis acima do normal. E o pior: naquela época aparelho celular não era tão comum e ninguém da turma tinha um.
Minutos se passaram e um grupo não encontrava o outro. Ricardo e Henrique se movimentava em direção às três mulheres e elas faziam outro caminho em busca deles e o desencontro parecia cada vez maior. Tudo isso com uma trilha sonora altíssima de música eletrônica, pessoas alcoolizadas, com cabelos exóticos, roupas estravagantes e em alguns casos ausência total de vestes. Era como se estivessem brincando de pique esconde em Woodstock.
Myrinha só pensava numa coisa: “O Ricardo vai me cozinhar viva, o tanto que ele falou que não queria vir e eu acabo armando uma dessas para ele!”. E puxava as meninas pelo braço tentando o milagre do reencontro.
Como já estava entrando em desespero, Myrinha resolveu pedir ajuda a um dos policiais que fazia a segurança do evento. Ela o puxou pelo braço e em inglês, suplicou: “Moço, eu estou desesperada, o que eu faço? Me ajuda, eu perdi meu marido na parada gay!”.
O policial, talvez já acostumado àquele tipo de situação, olhou fixamente para ela e, com sorriso maroto, soltou a seguinte pérola: “Ah, fica preocupada não, dona. Todo mundo perde o marido na parada gay!”.
Na hora, isso só aumentou o desespero, mas esse episódio acabou se tornando uma piada familiar. Principalmente para Julia e Tereza, que até na hora do aperto, em Berlim, conseguiram soltar gargalhadas do diálogo pitoresco.
Myrinha só aumentava o desespero, principalmente pensando o sermão que iria receber do marido. Já havia até se conformado que merecia um castigo por ter sido teimosa. Depois de andar, sem nem saber mais para onde, eis que se reencontram. Todos se abraçam e a bronca de Ricardo acaba se tornando apenas numa pequena advertência, sem muito rancor. O caso foi tratado mais como um mal entendido, que já estaca resolvido.
E já que estavam ali, no meio da parada gay, ficaram um pouco mais, todos meio escandalizados com aqueles cabelos coloridos, aquelas roupas que pareciam sair de filmes futuristas, toda aquela animação, algo que não era comum ver nem pela televisão no Brasil.
Voltaram para o hotel e durante muito tempo a aventura daquela tarde em Berlim monopolizou o assunto da família.