BIOGRAFIA RICARDO FONTOURA - UMA HISTÓRIA DE MUITO AMOR VERDADEIRO
A história de amor de Ricardo e Myrinha é uma daquelas que parecem ter nascido da ficção, daquelas que ganharam vida nas mãos de um escritor ou cineasta muito talentoso e inspirado. Era difícil falar só de um. Pareciam funcionar melhor como dupla. E isso valia para tudo. Era algo que todos em volta notavam. Um amor que inspirou muita gente.
Começo dos anos 70 em Belo Horizonte. Ricardo morava na cidade, com os irmãos Jalles e Otavinho, para estudar. Estava lá desde o ensino médio. Quando ingressou na faculdade de engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais, a UFMG, com apenas 18 anos, ficou numa turma de alunos em que os nomes começavam com a letra R. Do R em diante. Lá estava seu amigo Renato. E também estava Raul Penna, que logo de cara se transformou em um grande amigo.
Ricardo, Raul, Renato se tornaram inseparáveis. Estudam juntos. Saíam para se divertir juntos. Eram uma espécie de irmandade. Gustavo, irmão de Raul – que cursava Arquitetura também se uniu à turma. Mirynha – irmã dos dois – era uma adolescente de 14 para 15 anos. Moça bonita, inteligente, tímida e muito boa aluna na escola. Uma vez ou outra Ricardo a viu por conta de visita aos amigos.
No seu aniversário de 15 anos, Myrinha convidou alguns dos amigos dos irmãos. Ricardo foi. Mas até então os olhares não se cruzavam, ainda não tinham chamado a atenção um do outro. Descolado, Ricardo apareceu e conversou com todos na festa. O fato de ter uma sobrinha excepcional (Flávia, filha de sua irmã Silvinha) acabou criando um assunto em comum com Maria Peixoto, amiga de Myrinha, que também tinha uma sobrinha excepcional. A conversa sobre o assunto rendeu e a amiga de Myrinha ficou encantada com o rapaz, de cabelos quase longos – que era a moda da época. Resultado: ela colocou como missão de Myrinha arranjar um encontro entre eles. A tentativa não avançou. Ricardo não se mostrou muito interessado.
O roteiro do destino não previu para Myrinha o papel secundário de cupido. A ela cabia o papel principal, o da princesa, que iria viver feliz para sempre com seu príncipe encantado. Uma felicidade forjada no fogo das dificuldades, acrescente-se.
O tempo passou, nada aconteceu. Em julho, por obra do acaso, uma muito próxima de Myrinha e sua prima, Maria Clara, do Rio de Janeiro, estavam em Belo Horizonte e queriam sair, se divertir. Myrinha tratou de cuidar da logística. Ligou para os amigos, os companheiros de sempre dos rolês. Eles não estavam na cidade. Parece que todo mundo viajou naquele final de semana.
Só aí ela se lembrou de Ricardo e do amigo Renato. Ligou para eles e eles estavam na cidade e, interessados em sair, dar uma volta pela cidade. Foram a uma lanchonete, comeram, conversaram e riram de coisas fúteis. Ricardo, pela primeira vez, passou a notar Myrinha. Ficou encantado com a descoberta daquela menina, de olhar tímido e curioso, de traços delicados. Ficou surpreso por não ter percebido isso das outras vezes que a via. Gostou do som das palavras que saía da boca dela. Do jeito que mexia os cabelos. Do jeito que sorria, sem culpa. O coração começou a bater em ritmo diferente. Ricardo sabia que algo começaria a mudar a partir daquele momento.
Todos foram para suas casas após essa noite. Nada além das conversas e olhares aconteceu. Dias depois, do nada, Ricardo pega o telefone e liga para a casa do amigo Raul, mas desta vez não era para falar com ele. Queria falar com a mocinha que o havia encantado. Ela, sem jeito, sem saber como reagir, atendeu. Aquele telefonema tenso, sem muita intimidade, sem muita fluência. Nervosismo dos dois lados da linha. Ao final, ele pede autorização dela para ir até lá para vê-la. “Pode vir, uai”, como boa menina mineira, ela disse.
Ricardo foi e conversaram sobre coisas como estudos, a cidade, o futuro que queriam profissionalmente, mas nada muito romântico. Mesmo assim Myrinha começou a se sentir atraída pelo rapaz. Ele era totalmente diferente dela: era desinibido, confiante, bem falante, não parecia ter medo algum dentro dele. Os olhos dela começaram a encher de coraçõezinhos. As pernas tremiam. O coração trepidava dentro do peito. O que seria aquilo? Ela se perguntava. Não queria entender, queria sentir e foi deixando acontecer.
Alguns dias depois, Ricardo, Myrinha e uma turma de amigos combinaram de ir a uma boate no sábado à noite. Era num clube, uma espécie de baile. Myrinha já estava interessada e aguardava essa festa com muita ansiedade. Seria o início oficial do namoro, idealizava ela. Colocou o melhor vestido, caprichou na maquiagem, arrumou o cabelo e foi, pisando nas nuvens.
Para seu desencanto, Ricardo estava demorando a chegar. Era um mundo ainda sem a onipresença dos aparelhos celulares. Coube a ela esperar mais pela chegada do paquera. O ponteiro do relógio cumpriu seu destino, passando. Ricardo não surgiu na porta, como ela sonhou. Myrinha se sentiu desapontada. Abandonada no que seria uma espécie de primeiro encontro. Ele não gostava dela, ela fora enganada. Só pensava nessas opções.
Ricardo tinha um ótimo álibi: foi barrado no baile porque não era sócio do clube. A festa era exclusiva para sócios. Esse pequeno e decisivo detalhe tirou dele o que parceria um bom plano. Iria lá, tiraria a moça para dançar. Quando a música ficasse lenta, poderia dizer palavras doces e convidá-la para namorar. Não tinha como dar errado. Era a noite perfeita. Mas deu errado. Ficou do lado de fora, pensando na decepção dela por não vê-lo no salão. E com a sua própria decepção por não estar lá. Por ter fracassado no primeiro encontro.
Myrinha não dançou nenhuma valsa, não voltou exatamente feliz para casa. Antes de dormir, meio que amaldiçoou Ricardo e todos os homens e prometeu a si mesma que não iria dar moral para ninguém mais, não iria ser iludida por homem nenhum. Era isso, estava decidida. Dormiu e não sonhou naquela noite.
No outro dia cedo o telefone toca. Ela atende. Do outro lado da linha, Ricardo. “Alô, quer falar com o Raul?”, perguntou ela, fria. “Não, liguei para falar com você!”. Ela não cedeu. “Sobre o que quer falar? A gente combinou de ir ao baile e você me deu o bolo”. Ele só pediu para ir até lá. “Para que? Pode falar por telefone, uai”. Ele insistiu que o assunto era para ser discutido pessoalmente. Sem entusiasmo, ela assentiu.
Ricardo chegou. Como em toda casa mineira, o visitante é bem recebido. Isso independe de sentimentos recentes aflorados. Após os cumprimentos protocolares, Ricardo se acomodou na poltrona. Myrinha, no sofá, um pouco distante. Ficaram se olhando sem dizer palavra. “Senta aqui, pertinho de mim”, ele pediu, com autoridade de noivo que volta da guerra. Ela, sem dizer nada, se levantou e se sentou perto dele. Não sabiam o que fazer a partir daí. Não surgiu nenhum assunto urgente ou casual. Ele pegou a mão dela e ficou segurando, como se aquele gesto fosse o único possível no mundo naquele momento. O gesto pareceu tão puro, tão justo que ela gostou de ter sua mão na dele. Já nem se lembrava do bolo no baile.
Aquele gesto marcou o início do namoro. Era 2 de setembro de 1972, um sábado. Ao pedido de Ricardo, ela disse sim, com aquele sorriso algo tímido algo malicioso. Um amor grande, imune à tempestades de todos os níveis, nascia ali naquele sofá. Os dois de mãos dadas talvez fosse a metáfora perfeita do que veio a ser o relacionamento de meio século deles: em todos os fogos eles não desgrudaram as mãos, durante os mais severos castigos e provações, suas mãos se apertavam mais, colavam uma à outra, que quando foram ver era uma só mão. Uma mão mais forte e maior que todo o mundo.