BIOGRAFIA RICARDO FONTOURA - GOSTAVA DE CALOR HUMANO, MAS SEU CORPO NÃO SUPORTAVA O CALOR

Ricardo Fontoura era um homem que fazia questão de estar rodeado por pessoas. Não todas as pessoas. As pessoas que ele gostava, confiava. Isso valia para o trabalho, para sua casa, para qualquer instância que estivesse. Não tolerava estar só.

Suas opiniões eram bem conhecidas por todos que tinham contato próximo a ele. Não fazia muita cerimônia quando tinha que se expressar. Quando era para deixar claro o que queria, o que precisava. Se a sua opinião entrava em choque com alguma outra, fazia questão de defender seu ponto de vista. Mas não como um debatedor. Gostava de pensar que era mais justo se seu interlocutor tivesse acesso a todos os pormenores do seu pensamento. Com o máximo de informação era mais fácil formar um juízo mais correto sobre qualquer questão.

O calor humano era algo que ele fazia muito gosto de ter por perto. O problema é que quanto mais campo a doença ganhava, mais exigia do seu corpo. O calor passou a ser algo que lhe causava muito sono e mal estar. Era uma luta injusta, já que Goianésia é uma cidade quente em pelo menos dez meses do ano. Ricardo sofria no corpo os efeitos da alta temperatura.

Para amenizar o impacto foi montada na empresa uma nova regra: sua sala de trabalha ficava sempre em baixa temperatura. O ar condicionado era ligado bem antes de ele chegar. Ligado na rotação mais baixa, quase gelado. Ficar dentro da sala com Ricardo e sair para os outros ambientes correspondia quase a um choque térmico. Às vezes a temperatura ambiente estava a uns 30 graus, mas dentro da sua sala o termômetro marcava 12, 13 graus. Era como sair do Norte para o Sul do país ao apenas adentrar uma porta.

A ojeriza do seu corpo às altas temperaturas tirou dele uma função que julgava fundamental no seu trabalho: andar pelas fazendas, olhar de perto o gado, conversar com as pessoas e saber todos os detalhes do funcionamento da empresa. Isso era algo sagrado para ele. Ele era um homem que se entendia bem com planilhas, mas se entendia ainda melhor com gente, com a prática. A doença foi tirando o prazer que essa parte do trabalho lhe dava.

Como ninguém é de ferro, Ricardo às vezes tentava driblar a doença e saía pelas fazendas em suas vistorias. Nada escapava de seus olhos atentos. Perguntava o que não entendia. Conversava, queria saber todos os detalhes que pudesse saber. Enquanto não se dava por satisfeito, não deixava de questionar. Corrigia eventuais falhas na condução de algum trabalho. Fazia ligações. Chamava quem precisava chamar. Enfim, resolvia o máximo de problema que tinha que ser resolvido.

Ficava feliz em fazer isso, em estar ao ar livre, no campo. O problema vinha depois. Se fazia a peregrinação às fazendas pela manhã, já era esperado que à tarde seu corpo cobraria a fatura. Passaria a tarde toda com sono, lento, letárgico. Era como se tivesse tomado um coquetel de soníferos e fosse trabalhar.

Já aconteceu de estar no meio de uma reunião e começar a cochilar na cadeira. Ele tentava lutar contra o sono, bebia café forte várias vezes, mas mesmo assim o efeito era devastador. Tinha sérias dificuldades para se manter atento, alerta. Por vezes o interlocutor poderia sair da sua sala com a sensação que tinha sido ignorado ou causado tédio em Ricardo. Mas era apenas uma reação motora do seu corpo ao calor, o verdadeiro vilão da história.

Em casa todas as adaptações foram feitas para que Ricardo não sofresse os efeitos do calor. A ampla sala de estar foi toda refrigerada. A sala de televisão passou a ser um dos seus lugares favoritos, por conta da combinação de espaço pequeno e ar condicionado potente. Conseguia manter lá uma temperatura que lhe deixava confortável. O sono, quando vinha, era o natural, na hora de dormir.

As confraternizações à beira da piscina, com churrasco e cerveja, passaram a ficar mais raras. Ou aconteciam, mas não tinham mais Ricardo no comando dos espetos. Ele adorava assar picanhas e servir aos seus convidados. Era um prazer que ele tinha, inclusive para se gabar de ser um ótimo churrasqueiro. Era um prazer imenso que lhe causava.

Mas o calor, tanto do ambiente externo, como das brasas da churrasqueira, começou a tomar formas maiores, começou a se tornar um monstro e lhe ameaçar. Não era nada elegante, receber amigos e familiares para um momento de churrasco e de, repente, começar a cochilar na frente dos convidados. Isso era algo que Ricardo detestava com todas as suas forças.

O que antes acontecia quase todos os finais de semana, passou a ser uma vez ao mês. Ou com menor frequência. Ricardo foi mudando suas funções dentro da confraternização. Antes, se revezava entre mergulhos na piscina e o comando da churrasqueira. Depois, já mais debilitado, ficava mais na sala com amigos, beliscando uma picanha mal passada e bebendo cerveja ou vinho. Foi se adaptando, mas não deixava de receber as pessoas em sua casa. Era algo que tinha um tom sagrado para ele.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 10/05/2022
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