BIOGRAFIA RICARDO FONTOURA - VOCAÇÃO PARA SER MENTOR

Ricardo Fontoura nunca foi chefe de nada na vida. Costuma abominar este título, às vezes cobiçado por muitos em posição de comando nas empresas. Sempre, desde jovem, foi mais atraído pela posição de líder. Não só pela modernidade que o nome representa. Nunca foi questão de nomenclatura. Ricardo acreditava cegamente que ser líder era melhor do que ser chefe.

Todas as características dissecadas atualmente pelos manuais sobre as qualidades de um líder em detrimento de um chefe Ricardo incorporou desde o início de sua trajetória. Às vez deslizava e tinha atitudes de chefe, mas fez parte do aprendizado. Errava, naturalmente, mas tinha um norte a seguir: ser um líder que pudesse inspirar outras pessoas.

Como líder Ricardo tinha alguns mandamentos: exigia o máximo de resultados dos colaboradores, agia como justiça, gostava de incentivá-los a buscar mais conhecimento e fazia questão de compartilhar suas habilidades e experiência, como um mentor. Mas isso não era algo que valia para todos. Só em quem ele enxergava vontade de crescer. Não insistia muito com quem ele considerava que não buscava novos horizontes.

Ao longo da carreira, Ricardo foi mentor de dezenas de profissionais. Não só de quem realizava funções parecidas com a sua. Valia para todas as áreas, desde que houvesse algumas afinidades.

Ricardo nunca foi de acreditar que o bom profissional tinha que ser especialista na sua área, saber tudo sobre seu departamento e não manter conexões com outros organismo da empresa. Ele entendia que a empresa era como um corpo, algo vivo. Todos os órgãos e setores tinham que estar em perfeita sintonia, se comunicando e em harmonia. Só dava resultados se todos estivessem comprometidos e entendessem que trabalhavam pelo todo e não apenas para seu departamento.

Esse foi um ensinamento que, como mentor, ele sempre tentou passar para seus pupilos. Na maioria das vezes ele conseguiu com sucesso. Não gostava de ser tão explícito, não achava que tinha que desenhar a situação ao colaborador. Gostava de fornecer as ferramentas, sugerir, propor e esperava que ele captasse, assimilasse que aquela ação era parte de uma etapa de mentoria.

Um exemplo aconteceu com a gerente de Recursos Humanos Fabiana Brasileiro, que no início da década de 00, estava dando os primeiros passos na Vera Cruz. Psicóloga e nova na empresa, ela ainda estava desbravando o ambiente, quando Ricardo ligou na sua sala:

- Fabiana, gostaria que participasse de uma reunião aqui na minha sala agora!

Fabiana estava cuidando dos seus afazeres de praxe, como sempre fazia, se preparando para entrevistar um candidato a vaga de emprego na empresa. Era aquilo que ela fazia bem, era para aquilo que fora contratada.

Ricardo, na sala de reuniões, estava com uma comitiva do BNDES, para uma reunião muito importante. Ele buscava um financiamento de grandes somas para implantar novos projetos na empresa. De um lado da mesa, Ricardo. Do outro, burocratas treinados, de Brasília, habituados a participar daquele tipo de situação.

- Que reunião é, Ricardo?

- É sobre um financiamento que estamos negociando com o pessoal do BNDES. Eles estão aqui e gostaria que você participasse da reunião. Estou de aguardando.

- O que vou fazer nessa reunião, Ricardo? Eu trabalho no RH. O senhor quer que eu apresente alguns dados, do trabalho de gestão de pessoas? – Questionou Fabiana.

- Não. Só quero que participe – disse Ricardo, desligando o telefone.

E assim foi. Fabiana, ainda aflita e ansiosa, recolheu sua agenda, uma caneta e se sentou ao lado de Ricardo. Não teve nenhuma fala durante a reunião. Seu papel foi estar presente e observar como as duas partes interagiam, o jogo de palavras, o duelo de versões, as quedas de braço. Como psicóloga, tudo aquilo era material farto de aprendizagem. Mas ela sabia que não fora chamada à sala por causa do seu diploma.

Após a exaustiva reunião, com os técnicos do BNDES já de volta à Brasília, Ricardo vira para Fabiana e pergunta:

- Viu como foi a reunião?

- Vi.

- Viu quando eu falei para o cara como tinha que ser e ele cedeu?

Aí ficaram conversando por mais de uma hora sobre o conteúdo da reunião. Naquele momento, Fabiana percebeu o que ele queria. Era uma lição preciosa: que ele gostaria que ela entendesse a alma da empresa. Que por mais que ela gerenciasse pessoas, havia outros aspectos a serem compreendidos, que há muita psicologia também nas negociações. Que para a área dela estar bem, era preciso que alguém fizesse bons negócios dentro daquela sala. E alguém fizesse bem o seu trabalho no campo. E assim por diante.

Ricardo ficou bastante satisfeito ao perceber que a colaboradora compreendeu o que ele queria passar. Notou que ela saiu da reunião com seu horizonte expandido, que não iria olhar seu ofício mais com os mesmos olhos. Que teria novas visões e curiosidades a serem exploradas. Tudo isso iria gerar resultados, iria melhorar o time. Tinha sido um mentor competente.

Era algo que fazia parte de sua rotina. Às vezes saía do escritório, passava em uma das fazendas e convidava um dos colaboradores a ir com ele em uma reunião. Pegos de surpresa, com a roupa suja, eles relutavam, questionavam de início. Ricardo os tranquilizava. Uma negociação de gado, de terra, de maquinário. O colaborador ficava só olhando tudo aquilo.

Na volta, percebiam que Ricardo estava mostrando como se faz uma negociação, como é o jogo. Alguns conseguem enxergar aí uma oportunidade de ouro, já que aprender ou pelo menos compreender aquele outro estágio já é em si um primeiro passo para se estar naquela posição. Para sonhar com algo maior. Se Ricardo estava mostrando como se faz, certamente estava sugerindo uma oportunidade futura.

E Ricardo voltava para o escritório com a sensação de ter plantado uma semente, de ter despertado algo em alguém. Essa crença bastava para ele seguir em frente. Sabia que era preciso mostrar outras oportunidades aos colaboradores. Os mais dedicados iriam compreender e iriam buscar a chance, mesmo quando não havia uma ainda. Fariam com que ela surgisse.

Normalmente o expediente aos sábados funcionavam como experiências de mentorias. Como era um dia mais informal, sem toda aquela pressão do meio de semana, Ricardo aproveitava para chamar à sua sala alguns colaboradores. Entre conversas leves sobre a vida, sobre banalidades, sempre observava o crescimento do colaborador, media suas ambições, seus limites.

Perguntava sobre os estudos, sobre os aprendizados, sobre o que queria da vida, o que pensava do futuro. O que parecia uma simples troca de gentilezas – o que era -, tinha também algo maior: tinha um líder analisando o potencial do seu liderado, avaliando novos caminhos a serem trilhados. Isso acontecia sem burocracia, sem formalidade. Era natural que não parecia o que realmente era. Era uma habilidade que Ricardo tinha: de ser discreto, de não ser espalhafatoso em suas empreitadas. Era mestre na arte da sutileza.

Esse trabalho de mentoria era constante. Não apenas aos sábados ou quando convidada alguém para o acompanhar em reuniões. No dia a dia, nas reuniões de trabalho, nas ações ordinárias, Ricardo sempre mantinha os olhos bem atentos para quem o cercava. Conseguia ver talento a milhas de distância. Tinha faro apurado para descobrir gente competente. Às vezes nem os próprios colaboradores sabiam das habilidades que tinham ainda. Havia apenas uma tímida faísca, mas Ricardo já conseguia ver ali um fogo torrencial, que queimaria muita lenha.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 07/05/2022
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