Prévia do livro: Um dia de cada vez memórias de uma família ( Sobre Madalena mãe do autor)
Sobre Madalena, mãe do autor
A família de José Leandro Borges e Maria do Carmo Boaventura começou assim:
José Leandro Borges, conhecido por Juca Sertório, é filho de Maria Clotilde Borges e Sertório da Silva Pinto. Ambos foram pais jovens. Naquela época, havia menos agrotóxico, os leitos de águas eram mais límpidos; nas fazendas havia muitas árvores de madeira de lei, peroba rosa, mogno, cedro, angico, pau-ferro, bálsamo, jacarandá, pau-brasil, etc. Esse bioma, propiciavam um macroclima para a população viver com qualidade e de maneira salutar, em tempos em que os quintais eram um “habitat” harmonioso para árvores frutíferas, café e canela.
Juca Sertório ficou órfão de pai aos nove anos, fato que marcou muito sua vida. Seu pai foi vítima da gripe espanhola quando tinha apenas 32 anos. Sertório da Silva Pinto tinha um amor profundo pela vida e pelos filhos, gostava de cantarolar ao amanhecer e ao entardecer para seus filhos, vivia uma vida prazerosa com sua família. A morte foi uma tragédia e um trauma sem explicação; todos sabem que a experiência de perder um familiar é horrível, principalmente um pai tão jovem. Deixou minha bisavó Maria Clotilde com 4 filhos (3 mulheres e 1 homem). Essa tragédia mudou a vida de José Leandro Borges e de toda a família. Ele e a irmã Donana foram morar com o avô materno, Joaquim Sebastião Borges, num casarão de 10 quartos, e 5 banheiros. Nestes havia azulejos em toda a parede; no chão, era cerâmica, e em todos havia bidês e torneiras de cobre. Era uma casa conservada, as portas e janelas de madeira pintadas de azul e as paredes de branco em cores primárias. O pé direito da casa era muito alto, uma varanda suspensa que dava vista para as matas. Minha bisavó ficou com as outras duas filhas e, em seguida, casou-se com Antônio Frazão, padrasto de Juca Sertório.
Maria Clotilde Borges teve mais 3 filhos com Antônio Frazão: Palminda, Osvaldo Antônio e Epaminondas. José Leandro Borges morava em Lagoa Formosa e resolveu mudar-se para Patos de Minas em 1959. A iniciativa da mudança surgiu quando percebeu que os irmãos e parentes estavam mudando-se para Patos de Minas, uma cidade bonita, crescendo muito, na década de 30, graças ao político presidente de Minas Gerais Olegário Maciel. Em seu governo, construíram-se a sede da Escola Normal (hoje, Escola Estadual Professor Antônio Dias Maciel), o Hospital Regional Antônio Dias Maciel, o Fórum Olympio Borges e o Grupo Escolar Marcolino de Barros. Essas obras ampliaram muito as influências do Município na região. Olegário Maciel, que morou em Patos de Minas na Avenida Getúlio Vargas, fez com que Patos de Minas fosse reconhecida nacionalmente e, com isso, foi surgindo um grande desenvolvimento na cidade. Criou-se a primeira Festa do Milho no ano em que vieram morar aqui. Com isso, a cidade começou a ser vista pelos brasileiros como uma cidade-polo em que muitos artistas, políticos, escritores, compositores e músicos começaram sua história de vida, como Renato Manfredine Júnior, da Legião Urbana, que abriu o festival “Rock no Parque”. Foi em 5 de setembro de 1982 que a banda subiu em um palco pela primeira vez e só desceu para ser preso; era ano de ditadura, e uma música cantada era considerada muito ousada: “Música urbana”. A dupla Di Paulo e Paulino, o cantor Jessé e o escritor Autran Dourado também moraram aqui em Patos de Minas.
Com a idade de 52 anos, meu avô vendeu sua fazenda na localidade de Perobas para investir na pequena cidade, uma cidade-polo habitada por japoneses, libaneses e italianos.
Aos 17 anos, meu avô teve um relacionamento com Luíza Queiroz, do qual nasceu Sebastião José de Queiroz, na localidade de Aragão.
Depois, casou-se com Maria do Carmo Boaventura e teve mais 4 filhos: Maria Borges, Eva Borges, Pedro Leandro de Castro e Madalena Borges, sem contar os abortos espontâneos que houve.
Meu avô foi à localidade de Aragão buscar seu filho Sebastião. Naquela época, a lei beneficiava quem tinha coragem e mais força, tempo dos bravos. Chegou à casa de Luíza e procurou o filho, que tinha 4 anos. Este percebeu que seria retirado à força da mãe, que ele amava muito, e se escondeu debaixo da cama. Meu avô levou Sebastião para Lagoa Formosa. Esse fato se repetia constantemente com as famílias. Sebastião foi crescendo e, com 19 anos, montou um salão em Lagoa Formosa, lá ficando por pouco tempo, exercendo a profissão de cabeleireiro. Em um determinado momento, quando minha família morava em Patos de Minas, na Rua Farnese Maciel, antiga Rua dos Crentes, esquina com a Rua Cônego Getúlio, Sebastião resolveu morar na pensão da dona Zuleica, no quarteirão atrás da Lagoa dos Japoneses. Aos 19 anos, gostava de bebidas alcoólicas. Buscando independência, mudou-se para um pensionato em frente ao Mercado Municipal. Quando saía para beber, levava consigo uma lâmina, um estilete e um punhal com cabo banhado a ouro, para se defender dos agressores, mas, graças a Deus, nunca foi preciso usar essas armas. Era um rapaz dócil e não tinha coragem de fazer mal a ninguém, sendo querido por todo mundo. Ele ficou pouco tempo nessa vida de independência e resolveu voltar a morar com a família, na Rua dos Crentes. Mal de saúde, sofreu uma complicação cardíaca, e os médicos lhe implantaram uma ponte de safena. Essa cirurgia foi indicada porque surgiram lesões nas artérias, e ele sentia dor ao fazer qualquer categoria de esforço. Ele teve apoio dos sobrinhos, filhos de Maria Borges, que moravam em Brasília, por isso não ficou desamparado após a cirurgia. Netinho (nome fictício) e Baltazar, que são militares, ficaram de plantão até o dia da alta médica, revezando-se diariamente. Noventa dias depois, Sebastião voltou à rotina diária, parando de frequentar bares e tendo uma disciplina rígida. Após a mudança para o bairro Lagoa dos Japoneses, não mais havia subidas íngremes; às 21 horas já estava dormindo, tomava remédio na hora certa, tratava os sobrinhos como se fossem filhos e diariamente dava dinheiro para eles.
O pai de minha mãe, Juca Sertório, tinha um viveiro de mudas de café e eucalipto no quintal de sua residência, no bairro Lagoa dos Japoneses, atual bairro Lagoa Grande, onde é o Sindicato dos Rodoviários hoje em dia. Gostava de garimpar e fazer catira de fazenda. Trabalhou como cabeleireiro em Lagoa Formosa também; teve outro empreendimento que era uma panificadora e, naquela época, o meio de transporte mais viável era a carroça; o cavalo que pertencia à família era bem-tratado, tinha pelo muito liso, crina bem-feita, marchador, um cavalo muito bonito. Dois amigos, Antônio Cavaco e Pedro Leandro de Castro, faziam entregas de biscoitos caseiros em toda a cidade, de porta em porta, os quais eram feitos por meus avós em um forno de barro construído pelo melhor pedreiro de Lagoa Formosa.
A presença de um pai na vida é essência do bom viver. A ausência ou perda de um pai é o antônimo de essência.
Fábio Alves Borges