Prévia do livro: Um dia de cada vez memórias de uma família (Habilidade com a Natureza)
Habilidade Com A Natureza
Ser filho de um marceneiro-artesão nos faz lembrar de São José. Não difere por ensinamento de um pai que ama seu filho. É perseverante, otimista com sua fé, abre as portas às 8h, esperando por seus fiéis clientes. Todo dia, com muita devoção, ele reza, agradece pelo trabalho, pela saúde, pela coragem de continuar colaborando com o Planeta, e creio que deve ser por esses fatores que, quando menos espera, surgem vários clientes para restaurar seus móveis, mudar de cor, impermeabilizar contra carunchos. Ou seja, aproveitar e mudar o estilo dos móveis, uma estratégia mais viável, decorativa, preservando a estima familiar, em mais um objetivo de defender as árvores. Como todos sabemos, para cada móvel fabricado, uma árvore foi derrubada.
Num momento educativo e de exemplo, meu pai aproveitava momentos em que eu ia à oficina e me ensinava os nomes das madeiras dos móveis que estava restaurando. Eu me lembro bem quando chegou uma mesa de bálsamo e outra de sassafrás. Ele começou a raspar e, antes de pedir que eu cheirasse as madeiras, exalou um perfume muito volátil. Abaixei a cabeça para sentir o cheiro profundo e maravilhoso, de encher boca a boca de água. Ao mesmo tempo, eu me encantei com o aroma delas, sentindo a presença de Deus. Como todo aprendiz faz perguntas inocentes ou sábias, perguntei-lhe: “Se fosse para fazer aquela mesa, você teria coragem de derrubar uma árvore, meu querido pai?”.
Ele dirigiu-me um olhar cheio de brilho e respondeu: “Meu filho, trabalhei muitos anos na marcenaria do Sr. Geraldo e Rodolfo, aonde chegavam caminhões de madeira certificada. Nunca fui a favor de extração de madeira clandestina, mas sim de um plano de manejo, tirando por fatia, para reservas particulares. Para cada árvore derrubada para se fazer um móvel, é importante repor duas mudas de árvores, fazendo com que as áreas de preservação permanente sempre se mantenham, garantindo a biodiversidade. Esse é um modo consciente, sustentável e inteligente. O interessante é fazer nossa parte”.
Dali em diante, comecei a apreciar o que pode ser transformado, criado e inovado. Um lixo pode se transformar em um luxo. As mesas opacas, gordurentas, sem vida útil, mas com madeira pura, resistente, viram umas mesas aconchegantes e, unindo-se o útil ao agradável, pode-se não só salvar as peças mas também trazer renda familiar para viver o básico da vida, o pão de cada dia. Saber dar valores nas coisas mais simples para cultivar a liberdade.
Os “bonsais” que cultivo são opções que trazem outra liberdade e não há preço para substituir a ocupação de tempo que me propiciam. O contato com à terra e as plantas me fazem bem. Sinto-me mais leve, um protetor da natureza, aonde meus maus pensamentos não podem ir. Encontrei nos “bonsais” a solução, uma distorção do mal para o bem. Quando estou com os meus olhos grandes, mostro o medo da solidão e não me entrego. Busco, nos poucos espaços que tenho, a distração com as plantas sobre os vasos ou bandejas. Pego retalhos de madeira e crio coisas com os mesmos, a minha poltrona para me sentar, bibliotecário, quadro porta-retrato, tudo foi aproveitado com os restos de madeira. No oculto do consciente, estão também os bons exemplos de meus familiares.