Rosilei de Barros Ferreira: ela foi doméstica e cortadora de cana, hoje é dona de um negócio de jantinha que emprega 8 pessoas

Rosilei de Barros Ferreira, carinhosamente chamada de Rose, tem 42 anos, mora em Goianésia e é uma mulher que venceu na vida. Venceu completamente não, está vencendo a cada dia. Sua história é a história de uma brasileira, de uma mulher negra, de uma mãe, de uma trabalhadora que não teve oportunidade de se sentar no banco de uma faculdade, não teve pai rico, não herdou herança e nem ganhou na loteria.

É a história de uma mulher que teve que começar a trabalhar cedo, aos 9 anos de idade, como empregada doméstica. Em vez de estar brincando de boneca com outras crianças, estava “brincando” com rodos e lavando louça na casa dos outros para ganhar alguns trocados para ajudar na sua casa.

É a história de uma mulher que chegou a ter apenas bolacha em casa para dar para os filhos. Uma mulher que não se conformou, foi à luta e hoje tem seu próprio negócio e emprega oito pessoas. É a história de uma mulher vencedora.

Rose ficou na rotina de empregada doméstica até os 23 anos de idade. Não tinha muito tempo para estudar, para se divertir, para conhecer outros mundos. Seu mundo era o trabalho duro, intermitente e sem glórias. Um mundo de pouco dinheiro e muito trabalho. De pouca diversão e muita labuta.

DE EMPREGADA DOMÉSTICA A CORTADORA DE CANA

Rose casou nova e teve três filhos. Duas meninas e um menino. Karolayne, Kemily e Kevili. Eram três bocas a mais para comer. Ela precisava ganhar mais dinheiro para ajudar a colocar o pão na mesa. Decidiu que queria cortar cana. Tinha o sonho de vestir o uniforme da Jalles Machado. Era o máximo de glamour profissional que conseguia desejar na época.

Rose sequer sabia como segurar um podão. Era um serviço mais pesado do que ela imaginava. Cortou dez metros de cana crua e desmaiou no canavial. Foi parar no ambulatório da empresa, esgotada. Ficou quatro dias internada. O momento da alta médica seria aquele que qualquer pessoa desistiria.

Deixaria o crachá no RH da empresa e voltaria a trabalhar de limpar chão na casa de estranhos.

Mas Rose não é qualquer pessoa. Nunca foi. Ela estava acostumada a enfrentar o pior da vida. Encarou como aprendizado e voltou ao campo de batalha com sua espada em forma de podão afiado. E cortou tanta cana que se transformou em uma das melhores mulheres de sua equipe.

Cortou tanta cana que começou a ganhar um bom dinheiro. Começou a comprar coisas que antes nem ousava sonhar em ter. Começou a comprar coisas gostosas para seus filhos comerem. Passou a ter uma vida melhor.

Rose cortou tanta cana que chegou a ser reconhecida pela Câmara de Vereadores. Em 2019, recebeu das mãos do então vereador Cabo Jota Carlos e do empresário Emerson Autovip a homenagem “Podão de Ouro”, um reconhecimento da comunidade aos seus trabalhos como rurícola.

O INÍCIO DO SONHO

Rose cortou tanta cana que um dia cansou e quis fazer outra coisa da vida. Foram dez anos cortando cana todos os dias. Conseguiu organizar sua demissão e pegou uma bolada de R$ 9 mil como direitos trabalhistas e indenização. A mulher que nunca tinha pegado nem R$ 1 mil nas mãos agora estava com 9 vezes aquele valor depositado em sua conta. A mulher que, antes nem conseguia sonhar com uma vida melhor, ousou que não só iria sonhar, iria mudar de vida realmente. Iria ser dona da sua própria história.

Rose morava – e ainda mora – na Vila Vera Cruz, com o marido Ricardo, os filhos e o irmão Lindomar, que requer cuidados especiais. Uma noite saiu com a família para comer um espetinho próximo à sua casa. Lá teve o estalo: iria montar um carrinho com espetinho e jantinha. Teria um ponto e iria tentar esse negócio.

Decidiu que o ponto seria na praça do bairro Santa Luzia. Mas acabou mudando de ideia por dois motivos: pela burocracia que enfrentou para instalar o ponto lá e porque o amigo Jarbas – dono de uma panificadora na região – lhe instruiu que deveria montar na Vila Vera Cruz, próximo à sua casa, por causa da logística de estar perto de casa e da família. O movimento era tão grande que tinha espaço para todo mundo.

De cada dez pessoas a quem falava sobre o seu sonho, nove a colocavam para baixo. Ouvia todo dia que: não iria dar certo porque ela não tinha vocação para o comércio, que não sabia cozinhar, que iria jogar dinheiro fora, que já tinha espetinhos demais na cidade, que o mais seguro era voltar a cortar cana. Resumindo: que ela ficasse no seu lugar, que segundo eles, era na roça, cortando cana. Que ser comerciante, autônoma, não era coisa para ela. Em outras palavras, mas essa era a mensagem.

Rose chorou, pensou em não levar adiante o projeto. Mas havia outras pessoas, as que incentivavam. Eram poucas. Ela resolveu ouvir a voz da minoria, a voz dos que queriam seu sucesso.

JANTINHA VITÓRIA, A REALIZAÇÃO DO SONHO

E um belo dia ela foi para a praça e estacionou lá seu carrinho. Uns poucos bancos pretos espalhados. Espetinhos, jantinha, refrigerante, cerveja. O nome? Pensou em Jantinha da Rose, Jantinha da Morena, mas decidiu por Jantinha Vitória. Viu um programa religioso na TV e optou pelo nome que simboliza sua vitória como pessoa, como mulher trabalhadora.

Na primeira noite nada de clientes. Um ou outro gato pingado. Na primeira semana não vendeu quase. E assim foram passando os dias.

Mas ela notou uma coisa: os clientes que vinham acabavam voltando. E às vezes voltavam com outras pessoas. Ou seja: quem comia lá virava cliente e ainda fazia propaganda para os amigos. Com fé, paciência e muita persistência, o negócio foi prosperando e atraindo cada dia mais gente.

A REALIZAÇÃO PROFISSIONAL

Dez anos depois, Rose celebra o sucesso. A jantinha cresceu tanto que ela sozinha não consegue atender a todos. Ao lado do marido, tem oito funcionários para ajudar na demanda. Atende mais de cem pessoas todos os dias.

Do espetinho e da jantinha, tirou dinheiro para realizar muitos dos seus sonhos. Hoje tem sua casa com piso de porcelanato, confortável. Tem seu carro novo. Paga faculdade para uma das filhas e tem uma vida confortável.

Trabalha muito, trabalha todo dia, é fato. Mas é a própria patroa e hoje consegue desfrutar do suor do seu trabalho. Tem um negócio consolidado, que lhe garante uma vida com mais segurança. E ainda gera empregos e renda para outras famílias.

O segredo disso tudo? Não há um apenas. É uma combinação de vários fatores, mas com certeza entre eles estão: disposição para enfrentar qualquer trabalho e desafio e fazer isso sempre com um sorriso no rosto. Não qualquer sorriso. O sorriso puro das mulheres que nasceram para vencer uma montanha de adversidade e, contra todas as estatísticas, conquistar seu lugar ao sol.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 03/09/2021
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