Meus anos de fábrica
A fábrica era a Companhia de Tecidos Pitanguiense, estabelecida originalmente no distrito do Brumado ainda quando Rui Barbosa não passava de um jovem bacharel, e que algumas décadas depois criou a sua unidade central, pujante e briosa, na sede municipal, Pitangui. Seu acrônimo era CTPense, mas popularmente era referida como a Fapa...
Sua presença em Pitangui tirou a cidade do prolongado marasmo pós-ciclo do ouro, e a vez então, passou a ser do algodão...tornando-se viga e viagra-mestra da economia local.
Os meus anos lá foram 1965 e 1966. Dois, portanto? Menos: de novembro a fevereiro, totalizando três meses. Minha função, substituindo a jovem Zélia que trocava seus laços fabris pela indissolúvel aliança do matrimônio, foi a de colher e analisar cotidianamente a resistência das fibras e dos fios que eram produzidos pelas diversas seções do processo têxtil, da cardadeira aos filatórios. Parecia coisa de jardinagem, sem carecer regar. E leve até para carregar. E com todas aquelas amostras eu ia para minha saleta própria, adjunta à tecelagem, e começava a fazer as medições, numa série de balancinhas e extensores específicos.
Lá cheguei com meus 15 anos e pouco. Já havia me livrado da quarta e última série ginasial, sem o ônus das provas finais e, como regalo oportuno, a colocação pedida por papai e autorizada pelo Higino Barçante, o gerente. Trabalhava em dois turnos, divididos para a hora de almoço, das 7 às 16, com folga aos domingos. À época eu já tinha colegas de ginásio que haviam logrado um trabalho mais ameno e melhor remunerado no Escritório da empresa e desse grupo fazia parte também mana Vitória, lotada no Almoxarifado. Todos eles com direito a lanche preparado e servido pela zelosa Maria Ré. Mas a passagem da mana chegou a ser mais breve do que a minha: sua nomeação para reger classes no povoado vizinho de Campo Grande acabara de sair.
Sem a perspectiva imediata de fazer jus ao lanche, e até à gravata, continuei fiel ao algodão de cada dia, pensando quem sabe, algum dia algo dão...
Ainda imberbe, fui tratado com muito carinho pela companheirada que já pegava no mais pesado, composta de alguns novatos mas bastantes veteranos que regulavam com papai e mamãe em tempo de serviço. A conversa, quase sempre breve, nas entradas e nas saídas, era o futebol. E o do Rio, que predominava. Lembro-me do também tricolor Paródi, que me recitava escalações de nosso Flu, ainda de Castilho, Altair e Telê..., e do Zézé, que chegou a batizar um filho de Samarone...
Nilso, dito Nirzo, era Botafogo de raiz, e Duduca também da Garrocharia, e o Fábio, cruzmaltino ainda feliz... De Flamenguista empedernido não tenho lembrança, mas então, o super Zico era criança...
Meu ordenado, por de menor, era de meio salário. Trinta dinheiros, literalmente, trinta Cabrais, amarelinhas, ou já então alaranjadas, que recebia no balcão de atendimento do Escritório das mãos do zeloso e já graduado Marcinho Bilico. Pedro Xavier era o Chefe do Escritório e o respeito de todos era então mandatório...
Duma feita, ao receber o meu segundo salário, já de saída do Escritório, fui chamado de volta pelo Marcinho para receber um Cabral a mais, por ordem do Senhor Chefe Xavier. Ao embolsar aquele bônus, fui pilheriar com o Marcinho sobre o sacrifício que ele me impusera de já de saída, ter que dar a volta para receber aquele pro-rata, dei-me mal: ele me passou, ainda que a sotto-voce uma compostura daquelas...dizendo que se o Pedro viesse a saber de meu gracejo de mau gosto, a rua seria a solução única.
Mas a solução veio por outro meio: pelo terço. Com mais um mês eu estava embarcando para o seminário em Divinópolis. Ainda endinheirado
tentei encurtar meu caminho para o céu. E deu no que deu.