O Espírito, a carne e O Amor
A madrugada já vagava ao longe pela estrada do tempo, dando lugar ao dia entrado cuja luz já se anunciava pelos primeiros clarões da aurora que a luz do sol derramava por detrás dos montes enquanto eu fumava um delicioso tabaco natural legalizado. Sedinha de guardanapo, cinzeiro, uma pequena canoa de madeira. Refletia sobre a liturgia cristã e o fato de os Apóstolos não chamarem o Reino de YHWH de Reino de YHWH, mas de Reino Dos Céus, dado o hercúleo respeito que os mesmos tinham para com o nome de YHWH, sequer o citando mesmo em Epístolas Sagradas. Refletia sobre os locais do Novo Testamento em que o termo Reino Dos Céus foi utilizado para compor uma epístola de estudo e troca mútua de bençãos e dádivas espirituais com uma teóloga a qual muito considero pela vasta erudição concernente a assuntos canônicos bíblicos cristãos quando, entre um trago e outro, lembrava das palavras de Yeshua: "O que mata não é o que entra e sim o que sai da boca do homem". Contemplava a sublime madrugada que se despedia de meus sublimes olhos quando ouço uma voz feminina e de veras familiar pura e simplesmente berrar meu nome para além das grades do portão da pousada em que me hospedava. Berrava meu nome sem parar, num grito de desespero que imediatamente me lembrou a mãe com teu filho morto em os braços de Guernica. Eu sabia quem era. Caminhei lentamente até o portão. Antes de perguntar a que a bela moça veio me visitar as raízes do amanhecer, traguei uma vez mais meu tabaco e soltei a fumaça em direção ao já não mais tão negro céu enquanto balançava o pescoço tal qual um naja. A naja é anos-luz distante o animal mais belo que existe. Não as comparo as mulheres. As najas são mais belas. Quem dera eu fosse uma... Ah, quem dera... Mas, como dizia Charlie Brown Jr., "a gente se diverte com o que tem". Fitei a guria bem no fundo dos olhos e perguntei: "Veio me convidar para contemplar o nascer do sol. Lestes Le Petit Prince e chapou nas ideia?". Ela me olhou com a típica cara de quem não entendeu o que eu falei e disse em uma voz baixa, quase inaudível: "Eu preciso te beijar!". Ah... Pra que ela disse aquilo, cara, na boa. Esculachei: "Vem cá. Eu te amo. Eu te amo desde 2017. Já te escrevi mais de 4 centenas de Sonetos de Amor: 477, pra ser exato. Só parei porque você começou a namorar aquele magnata. Talarico nunca fui e é o seguinte... Fazem 6 meses que você começou a namorar aquele maluco que te trai até com defunto. E agora você vem até a minha goma desesperada atrás de um beijo. Ele terminou contigo, né?". Ela balançou a cabeça afirmativamente. "Eu tenho cara de palhaço? Não, na boa, olha no fundo dos meus olhos." Ela olhava para o chão neste instante. "Olha nos meus olhos, cara!", falei tranquilamente e dei um belíssimo trago no meu tabaco. Eu também falava em um tom de voz baixo, mais 47 duodecilhões de vezes mais baixo do que o dela. Então, ela me olhou. Das ist que soltei a real: "Eu não quero um beijo teu: Eu quero o teu amor!". Quando eu falei isso, ela arregalou os olhos de uma tal forma que se a equipe averiguadora do Guinness visse a daria o título de maior esbugalhada ocular de todas as eras. Então, meteu o pé. Virou-se e foi embora correndo. Um detalhe importante é que fazia muito frio, mas um frio colossal, e ela usava um vestido colado marrom e amarelo sem mangas. Um mal-gosto abominável. Eu compro a Vogue todo mês e nem a Vogue derrama suor para me agradar. Nevermind. O que nela amo é o Espírito. O péssimo gosto para vestuário é um detalhe vulgar. Durante a corrida fitei um gesto do braço direito dela que se assemelhava a um enxugar de lágrimas. Voltei para minha cadeira e pensei na Canção para uma valsa triste e assimilei a complexidade poética de Mario Quintana com a simplicidade de tuas palavras. Claro, ele peca: Se amo, digo que amo. Como amar e não dizer? O Amor é luz. E como disse Yeshua, "é impossível esconder uma cidade edificada sobre um monte", das ist que o amor deve ser cantado. Essa é a lei. Mais alguns tragos. Recolhi-me ao meu quarto de dormir após o último trago, ouvi meu Noturno favorito de Chopin, Opus 9,2, escovei os dentes, namorei minha beleza ao espelho, principalmente meus dentes que nunca foram visitados por cáries e me cobri com meus 4 cobertores, deitadão na cama, bem vagabundo. Não tive tempo para fechar os olhos: A gritaria recomeçou para além das grades do portão da pousada. Pensei no desenho Pica-Pau e na famosa frase "E lá vamos nós...". Fui-me. Levei o tabaco, a seda e o maçarico no bolso da blusa de tecido sintético. "Uau! Quanto tempo! Já é dia! Veio me convidar para contemplar o canto das aves que ecoam alegrias pelas doces manhãs de Inverno?", perguntei a moça recém-solteira. "Por que você é assim, hein?", me perguntou a garota, com cara de estranheza, como quem nunca viu um espelho e se vê refletido nele pela primeira vez. "Assim? Você não sabe porque eu sou assim? Você leu pelo menos um dos sonetos que te fiz? Eu falo de mim lá, e bastante. E quando eu falo, é sempre verdade, contrário a isso eu seria hipócrita, e hipócrita não sou. Você sabe muito bem que meu coração é puro e encharcado de Agape". "Meu, você é diferente dos outros caras, eu não te entendo. Todo mundo quer ficar comigo, e você que é o cara que mais se declarou pra mim me nega um beijo. Você sabe que eu não te amo. Por que você pede de mim algo que eu não posso dar?". "Você definitivamente não leu Le Petit Prince. Eu nunca pedi pra você me amar, se enxerga, eu tenho cara de mendigo? O Amor é uma dádiva. Os sonetos que te fiz são a expressão do sentimento de Amor que eu sinto por você. Se você não me ama, isso não me interessa. Você é livre pra fazer o que quiser da tua vida. Agora, você levar um pé na bunda e correr pra minha house de madrugada, desesperada, querendo um beijo, até porque não é só um beijo o que você quer né? Saca só: Eu não sou um pedacinho de carne. Eu sei que sou lindo, mas mesmo que ficasse, não me sentiria nada bem na tua estante, das ist que não vem com esse papinho de curar sofrência nos meus braços". Nessa hora a mina fico brava, cara, sério. Daí ela partiu pro fight intelectual, cousa que adoro. Perguntou-me, em tom irônico, sarcástico, iníquo, enfim...: "Vem cá, faz quanto tempo que você não transa, hein?". Nessa hora eu ri alto, mas muito alto. Até o sol sorriu. "Quatro anos", respondi. Ela arregalou uns olhos 7 vezes maiores do que da mão anterior. Daí soltei o Fatality: "O fato é que fazem 4 anos que eu não faço AMOR! E tu? Quanto tempo faz que tu não fazes amor?". Nossa, mano... Essa mina ficou vermelha, tio... Mas vermelha... Ela sacou a pegada. Olhei pra ela e disse: "27 anos, né? Você nunca fez amor, só fez sexo e mais sexo. Eu tenho pena de você. Wilde já dizia que "o mistério do amor é maior do que o mistério da morte", das ist o fato de eu não ligar pro fato de amar uma mina fútil tipo tu. Você tem convicção de que se eu pudesse escolher entre te amar e amar qualquer outra garota eu não amaria? Eu te amo e já era. É Espiritual. Você só pensa em grana, grana, likes no Instagram, roupas caras, se fossem belas, mas você torra 5 mil num vestido abominavelmente ridículo, não troca uma ideia, tem nude teu no celular de mais da metade da galera que eu conheço. Lembra aquela mão em que tu me enviou uma foto só de calcinha e sutiã e eu te bloqueei? Eu não curto isso. Se for pra ver porno eu colo no XVideos. A Silvia Saint é um trilhão de vezes mais gata do que você. Say to me: Que graça tem essa tua vidinha fútil? A melhor parte de você sou eu. Você tem 7 mil seguidores no Instagram que só te seguem pra ver teus peitos, o bairro inteiro quer fazer essa merda de sexo sem amor que você tanto quer fazer comigo. Vamos, solta as ideia, por que você veio atrás de mim, logo eu, depois que levou um pé na bunda? Tu nem ama aquele cara, tu gosta da grana dele e das bolsas da Dolce & Gabbana que ele te paga. Sabe o que é o Amor? Eu sei que não, por isso, te explicarei contando um história. Dante Alighieri amava uma moça chamada Beatriz. Dante tinha aquela concepção medieval e cavalheiresca do culto à mulher, a qual era exaltada, num plano de idealidade e sublimação, como se se tratasse não de uma criatura física, mas de uma abstração, um símbolo dos sentimentos e aspirações a poesia derramava uma expressão peculiar, de extrema delicadeza e reverência. Dante associou a imagem de Beatriz a uma ideia específica de amor; em sua obra, beleza e amor caminham juntos, pois são originários de Deus. Beatriz não apenas está próxima dessa divindade também imaginada, como também se confunde, bela e bondosa, com esse Amor. Segundo a Liturgia Cristã, João, O Apóstolo, afirma que "Deus é amor". Ou seja, prezada, o meu amor pelas mulheres é Sagrado, Espiritual. E você sabe disso. A questão é: Por que você veio me procurar com tanto marmanjo por aí que faz mais o teu tipo? Eu sou romântico e vagabundo. Você só fica com caras otários e magnatas. O que te fez brotar aqui na minha goma nesse frio congelante?". "É que todos os outros caras só falam coisas que me agradam. Você é o único que joga a real na minha cara. É tudo verdade isso que você falou. Me perdoa por eu ser assim?". Então, ela desatou a chorar. E chorou, chorou... Abracei a gatinha até ela se acalmar e enquanto eu secava as lágrimas do rostinho dela, recitava o Soneto de fidelidade. Ela disse que nunca viu um cara tal qual a mim. "Óbvio que não. Nem em sonho, filha. Acorda. Eu sou único. O melhor. Você quer dormir comigo? Mas sem sexo, sem beijo na boca. Eu te faço uma massagem e te levo café na cama". Ela topou. Acendi um incenso ao entrarmos no quarto e liguei um som do Bach. Fiz uma bela massagem no pescoço e na cabeça dela, nas mãos e nos pés. Ela bocejou. Diminui o som da música, liguei o abajur e nos deitamos. Ela fitou meus olhos por instantes tão longínquos quanto são os quasares. Então beijou minha mão direita e dormiu. Depois que ela dormiu, acendi mais um incenso para a perfumar os sonhos e fui para a área fumar um tabaco curtindo um Red Hot nos fones de ouvido. Finalizei o tabaco e dormi ao lado dela. O mover do colchão a acordou e ela me abraçou. Quando acordei, havia um bilhete ao lado do meu travesseiro com uma marca de batom. Nele estava escrito: "Eu quero te amar! Eu nunca tive vergonha pra fazer sexo, mas quando você disse que só faz Amor, eu senti vontade de fazer Amor com você enquanto te olhava nos olhos. Mas eu não sei amar. Eu não sei o que é o amor. Por favor, me ensina!". Essa história é real. Isso tudo rolou ontem. Agora, me digam, como se ensina alguém a amar se o Amor é uma substância Espiritual e eu não sei quais Leis regem o Espírito em direção ao Amor?