Histórias (Tristes!...) de Emigrantes e Retornados...

Histórias (Tristes!...) de Emigrantes e Retornados. Esta é a minha...

- Ao completar os meus 13 anos de idade e uma vez que não havia dinheiro em casa para me mandarem estudar, o Meu Pai me levou na “Carreira” até à Estação do Pocinho na Linha do Douro.
Comprou só um Bilhete de ida para Lisboa, e me mandou subir no Comboio enquanto ele ficou ali a enrolar o chapéu com lágrimas nos olhos. Talvez com vergonha de assim ele mesmo me tornar Emigrante sem Infância ou Adolescência e me entregar ao meu destino absolutamente só!
Ainda me acenou lá de longe, na plataforma de embarque,  depois de pedir a outro “Jovem Passageiro”,  que se disse ser Estudante de Coimbra,  e que estava sentado ao meu lado na mesma carruagem: – “voismecê faça favor de acompanhar o meu Garoto pelo menos até Coimbra, mas ... ele tem o Bilhete até Lisboa”!... Adeus.  
 ... O meu Pai, O Ti Zé Artur (Arturio...) assim se pronunciava o nome dele,  era o “Caseiro” que tomava conta das terras em Caravelas, mas que pertenciam aos “Regos” da Aldeia dos Vales no Concelho de Alfandega da Fé.   Isto o obrigava muitas vezes a subir e descer a Serra de Bornes que tem hoje boas estradas, inclusivamente já asfaltadas mas que, naquele tempo, eram de terra batida e cheias de pedras, tanto a que passava pelo caminho do Alto da Serra como pelo caminho das Bouças dos Colmeais até Alfandega da Fé.
Este  era o caminho mais perto mas amiudadas vezes se dava um trambolhão ladeira abaixo mas, mesmo assim, quase sempre se passava pela Aldeia dos Colmeais, onde a Minha Mãe nasceu lá no Alto da Serra.
Teóricamente, penso eu,  eles devem ter-se conhecido por essas andanças de subir e descer a serra, com todas as pedras do caminho que, eu mesmo,  galguei ainda em pequeno na subida e descida da Ladeira do Cansa Burros, que desce desde Caravelas até à Burga, e nos levava até à Aldeia dos Colmeais do outro lado.
Lá pelos idos de 1958 eu já andava na Quarta Classe da Escola Primária e,  os Donos das Terras vieram fazer um “magusto” numa das propriedades que era a mais importante situada no sitio conhecido por Sarnada.

-  E foi justamente nesse “magusto” que eles, o Meu Pai mais o Ti Abilio Rego e o Doutor Lima da Cardanha,  que era Cunhado dos Regos e também Director do Colégio Trindade Coelho em Macedo de Cavaleiros, ali eles resolveram que eu devia ir além da Quarta Classe!...
 E para tal, eu comecei a receber umas aulas especiais na Casa da Professora na Aldeia – a Dona Etelvina da Ressurreição e,  lá fui eu então fazer o Exame de Admissão aos Liceus em Bragança, e voltei de Comboio para Macedo de Cavaleiros.
Foram dois anos que eu frequentei o Colégio em Macedo de Cavaleiros, mas  após o exame do Segundo Ano, também feito no Liceu em Bragança,   a “Bolsa do Estudo” patrocinada pelos Patrões do Meu Pai acabou-se!...  E prontos,  lá fui eu de novo a  ajudar a guardar os Cordeiros, Ovelhas e Cabras, e as Vacas que iam para o Lameiro da Sarnada, geralmente pelo caminho do Lombinho porque era quase todo cercado por muros de pedra até quase à entrada do Lameiro.
Porém,  um certo dia de Primavera,  levei os Cordeiros  para a Sarnada e como estava um pouco cansado,  eu deitei-me numa giesta e não demorei a pegar no sono.
--- eram uns 20 ou 30 ainda pequenos que eram separados das Ovelhas para se tirar o leite delas antes de os misturar no curral à noite – Quando eu acordei,  os cordeiros já tinham subido o caminho até ao Lombinho e entraram no centeio  que estava ali plantado na Terra do meu Tio Mário onde hoje está a casa da Jacinta...
Alguém que passava no caminho os tirou de lá, pois eu não tinha tempo de lá chegar  a tempo de os recolher, mesmo subindo o caminho a correr, na agonia de evitar que eles comessem a plantação do pão centeio. Comeram uma boa leira de centeio e eu acabei com uma surra (a única que eu apanhei do meu Irmão mais velho). Acho que foi a única que apanhei em toda a vida aliás!... pois nem Pai nem Mãe nunca o fizeram.
- Era assim a vida na Aldeia dos anos 50 e 60 e talvez por isso, ou outra razão qualquer, que não vale a pena descrever aqui agora.
Assim, e  antes de eu completar os meus  13 anos de idade, a minha Mãe e o meu Pai, mais uma vez me mudaram o destino e me mandaram para Lisboa sózinho!...
Naquela Primavera de 1962, o Meu Pai me embarcou na Estação de Moncorvo, mas só foi comigo até ao Pocinho,  e foi essa a minha primeira viagem de comboio, como Emigrante.
Depois de muitos anos fora da Minha Terra, a minha primeira decepção foi em Abril de 1975 ao entrar na minha Aldeia e me deparar com alguns Soldados num Jipe das Forças Armadas, na Rua do Mourel… Eles estavam ali   a fazerem perguntas aos garotos numa atitude declaradamente “comunistoide”!,  pois queriam saber quem era emigrante, quem era da Aldeia, Fulano, Cicrano, estão todos, todos na Emigração, etc e tal e coisa, diziam os garotos... Foi quando eu cheguei mais perto, então eu falei aos soldados que eu era RETORNADO!...
- Dito e feito, o inquérito acabou de sopetão!, e eles seguiram Estrada acima na direção da Aldeia de Bornes.
Na verdade, no ano de 1975 eu voltei à Minha Aldeia em duas ocasiões totalmente diversas e conflictantes.  Na primeira vez, em Abril,  eu fui lá de Férias (pagas por mim e pelos meus Patrões de Angola, para os quais eu trabalhei por quase 11 anos) e eu me considerei ainda Emigrante.
Eu tinha algumas economias minhas no bolso, tinha carro, e uma máquina fotográfica para colher as minhas recordações e a liberdade de poder sair do País pois já tinha cumprido o Serviço Militar e nunca tive dificuldade em tirar o Passaporte.
Na segunda vez, eu voltei em Novembro, já na condição  de  RETORNADO,… Então eu voltei, mas já sem dinheiro e sem bolsos e apenas uma mão à frente e outra atrás!
A recepção pela Familia e alguns Amigos, desta vez, já foi bem mais diferente que da vez anterior pelos motivos óbvios que a maioria ainda deve estar lembrada.
Por incrível que pareça, ainda hoje – mais de 44 anos depois!... alguns membros da Familia me mostram má cara por pensarem que vou lá para pedir alguma coisa, mesmo aquilo a que eu tenha direito por herança. 
E eu escrevi: aos 25 anos de idade, a minha vida era um livro aberto com as folhas soltas ao vento. De repente, não mais que num repente veio uma ventania – um autêntico vendaval – um  “tsunâmi” chamado de DESCOLONIZAÇÃO DO ULTRAMAR PORTUGUÊS,  que desfez tudo no infinito dos meus pensamentos, que eu guardo até quando Deus quiser!...  
(continua)


 
Silvino Potêncio
Enviado por Silvino Potêncio em 18/07/2018
Reeditado em 18/07/2018
Código do texto: T6393509
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