Memórias - Parte 8
No meu afã de aprender devo confessar que não tinha dinheiro para comprar livros, então desde cedo aprendi a estudar assiduamente na Biblioteca Pública Municipal. Ali ler “Os grandes benfeitores da humanidade”, “Tesouros da Juventude”, “Os Sertões” de Euclides da Cunha, enfim, lia e decorava poesias de Olavo Bilac e Castro Alves. Lia bastante Machado de Assis, Rui Barbosa, Monteiro Lobato, enfim tudo quanto era instrutivo eu devorava avidamente. Mas a minha leitura preferida e diária era a Bíblia Sagrada. Aos vinte anos eu já havia lido-a toda. Ali na Biblioteca, eu tinha oportunidade de palestrar com autoridades, mestres, estudantes, o que me fazia progredir em conhecimentos gerais. Ia tanto à Biblioteca que podia ver a minha assinatura no livro de presença como a maior freqüentadora ali!
Mas a nossa luta continuava no sentido de obtermos um ginásio para a nossa cidade, por isto quando recebíamos visitas de políticos lá estava eu integrando as comissões pró-ginásio. Neste fato um político que tinha sido juiz de direito em nossa cidade e sendo na época Deputado Federal, resolve nos ajudar a obter o ginásio, pois este era o sonho daquela juventude! Conseguimos finalmente e eu tive a oportunidade de proferir o discurso de agradecimento em praça pública. Era uma grande vitória para nossa cidade, pois era grande o número dos que tinham sede de saber! Felizmente que este tem ampliado os seus trabalhos e hoje já temos o Curso Colegial e um Ginásio Industrial. Mas para mim a oportunidade havia passado, apesar de saber que nunca é tarde para se adquirir cultura... Eu, porém já tinha outro propósito. Ei-lo:
Em 1950, no convívio da Igreja e sã camaradagem que eu tinha com os rapazes, eu com 18 anos, quando tudo no adolescente clama por amor, eu tinha rejeitado propostas de casamento de alguns, por vários motivos. Ora por causa do meu ideal, ora por não confiar na sinceridade deles, ora por medo de voltar a enfrentar as lutas cotidianas das quais havia enfrentado. Mas nesta ocasião eu sentia um grande vazio dentro de mim, queria ter alguém com quem partilhar das minhas alegrias ou tristezas! Escolhi então o que hoje é meu esposo. Era um jovem de virtudes, com o mesmo grau de instrução, religião, ideais, compreensivo, etc. Então com este compromisso e porque nos amávamos já não podia romper o noivado e ir estudar. Contratamos que nos casaríamos dentro em breve, isto é, no ano em que surgiu o ginásio, 1953. Outro motivo que me impossibilitou ingressar no novo ginásio é que em 1953 fui acometida de doença pulmonar, que me absorveu todos os recursos e atenções. Graças a Deus consegui sarar! Mas o desejo de estudar teve que ir sendo adiado... Felizmente durante esta doença eu tinha um emprego garantido, um bom médico e muita vontade de viver! Mas a história é longa: Em fevereiro de 1952, aquele jovem termina de servir o Exército e viaja da Bahia para o Rio de Janeiro e vem juntar aos seus pais e irmãos agora residentes ali. Para mim foi deveras horrível suportar aquela separação, mas as cartas e as atenções constantes faziam com que eu esperasse.
Enquanto aguardava, trabalhava com afinco, preparava o enxoval e freqüentava bastante os trabalhos da igreja e estudava música. Ele em setembro de 1953 muda de residência com a família para São Paulo.
Somente em 17 de dezembro de 1954 é que ele consegue voltar à nossa cidade e realizar o sonho que acalentamos durante quatro anos, três desses de ausência. Mas para quem ama não há distância! Casamo-nos no sobrado em que residia a titia e que eu já havia me habituado e afeiçoado ali junto aos primos. Numerosa multidão compareceu. Na cerimônia religiosa houve oportunidade de mostrar aos assistentes algo do Evangelho de Cristo.
No dia 20 de dezembro, depois das manifestações de carinho por parte dos irmãos e amigos (nos dedicando até mesmo uma composição cantada em nossa homenagem), deixávamos aquela cidade que nos dava tantas experiências, cheios de saudades, mas olhando para um futuro quem sabe melhor! Partimos em avião para São Paulo com escala no Rio de Janeiro. Fiquei deslumbrada com a Cidade Maravilhosa! Eu que só conhecia Salvador achei a então Capital Federal muito movimentada! Mas o destino era São Paulo. Aqui chegamos às vésperas do Natal onde tudo é festa! Gostei bastante, achei tudo muito progressivo! Apesar de frio e da “frieza” do povo consegui me adaptar.
Mas tem curso uma nova história. Com 40 dias que estávamos ali meu marido é escolhido para ir trabalhar por seis meses no Estado de Minas Gerais. Acompanhei-o e lá enfrentamos as dificuldades de lugares atrasados, onde mesmo tendo dinheiro não tínhamos o que comprar. Ali adquirimos experiência e descobrimos que a nossa cidade não era tão atrasada!
Depois de seis meses regressamos a São Paulo, numa viagem de trem que durou 50 horas de percurso. Aí pudemos ver o quão grande é este Brasil, quanta beleza e riqueza encerra! Gostei de Belo Horizonte.