Memórias - Parte 6
Mas como a vida continua tinha de perseguir o meu ideal. Já tinha 15 anos e já podia arrumar um emprego. Trabalhei no comércio em duas casas. Mas o que eu desejava era me preparar para ser professora. Infelizmente nenhuma porta se abre. Estava sempre me preparando com o programa de Admissão ao Ginásio, mas enquanto aguardava surge a Campanha Nacional de Alfabetização, alguns leigos seriam nomeados como mestres. Então me inscrevi, mas ao entrevistar-me com as autoridades o meu pedido é indeferido, pois não tinha 18 anos. Fiquei muito triste. Sentia que era uma oportunidade para eu fazer aquilo que gostava. Resolvi alfabetizar particularmente e tive alguns alunos. Porém as professoras locais sabiam do meu desejo e confiavam-me suas classes interinamente quando adoeciam ou viajavam. Assim fui adquirindo experiência e gosto cada vez maior. Mas enquanto aguardava a minha oportunidade almejada fui aprendendo economia doméstica. Naquele tempo não havia tantos cursos organizados e gratuitos, por isto tinha que ser pago o curso de Corte e Costura, Florista, Bordado à Máquina e a mão, Tricô, Crochê, Arte Culinária e Decoração de Bolos. Apesar das dificuldades financeiras fiz todos estes cursos, pois a mamãe não sabia dar muita orientação, mas sempre que eu pedia o dinheiro ela dava algum jeito com muita dificuldade e economia. Eu de minha parte estudava à noite ou nas horas vagas e fazia sempre costuras para ganhar dinheiro. Vendo, porém que pouco ganhava com as costuras e não tinha vocação para a profissão, resolvi aprender enfermagem. Com esta tive oportunidade de servir a muita gente, estava sempre disposta a atender os humildes, os pobres ou paupérrimos e receber deles um “Deus lhe pague” do fundo do coração. Mas era a época da Penicilina aplicada de quatro em 4 horas. Quantas noites eu estive velando doentes, à luz de candeeiro, dormindo sentada ou vendo gotejar nas toscas habitações. Foram várias as experiências!... Se algumas vezes recebia dinheiro então gastava em roupa ou calçado, pois não podia me dar ao luxo supérfluo de perfumes, cosméticos, etc.
Vendo, porém, que não conseguia estudar num ginásio, nem arrumar cadeira de Auxiliar de Ensino, na tentativa de conseguir isto eu ia ao Gabinete do Prefeito semanalmente, era mesmo insistente a minha procura. Ele não podendo resolver o meu pedido, ofereceu-me uma bolsa de Datilografia e a promessa de uma vaga na Caixa Econômica Federal. Fiquei muito contente e enquanto aguardava, freqüentava a Escola de Datilografia à tardinha e fui trabalhar na Fábrica de Tecidos. Este era um serviço que eu simplesmente detestava, porém a mamãe achava ser o melhor emprego do mundo, pois tinha pagamento pouco, porém certo. Ali fiquei, contra a minha vontade, durante oito meses e aprendi a profissão de tecelã.
Conclui o curso de Datilografia brilhantemente. Tive uma distinção com louvor, pois consegui toda a prova do exame sem nenhum erro, coisa que os outros não conseguiram, pois com cinco erros era considerado 1º lugar. Era mais uma vitória, pelo menos eu iria para uma repartição pública. Fiz o concurso, porém enquanto aguardava, o prefeito e o gerente deram a desculpa que só iria ser admitido funcionário do sexo masculino. Fiquei decepcionada!! E agora, que fazer? Continuar na fábrica, eu não estava disposta a isto!
Mas em meio a esta luta, neste mesmo mês de outubro de 1949, a vovó, tão dedicada e sofredora, piora seu estado de saúde e recitando a Bíblia declama: “Combati o bom combate, acabei a carreira e guardei a fé” e “Porque eu sei em quem tenho crido e estou bem certo que é poderoso para guardar o meu tesouro até o dia final”, assim finda os seus dias. Afluem os parentes, vizinhos e irmãos e levam-na ao cemitério para junto dos muitos queridos aos 76 anos de idade com a cabeça bem pretinha.