A inversão do ônus
A inversão (ou seria invenção) do ônus
Certa vez li um livro de Arthur Schopenhauer intitulado “Como vencer qualquer debate sem precisar ter razão”. Confesso que foi como uma epifania. Ele resumia em 36 teses argumentatórias, a maneira de conduzir um debate sem se preocupar se a sua tese tem validade lógica ou não. Era um verdadeiro “manual de patifaria”, nas palavras do tradutor da obra.
Se bem me recordo li uma tese por noite, antes de dormir, e fui reconhecendo as mesmas em discursos de homens públicos de diversos matizes. Vi que muitas vezes “se fingir de morto” pode ser um “excelente argumento”.
Mas vamos ao que toca ao título. Nos últimos anos venho sendo motociclista praticante. A opção do uso da motocicleta como meio de transporte é função do trânsito caótico e, principalmente, da economia.
Comprei a motocicleta de uma pessoa conhecida, que na oportunidade não encontrou o documento de transferência e me foi dito (salvo ocorrência de alucinação), que seria posteriormente fornecido.
Passei a me locomover com a motocicleta procedendo o licenciamento e assumindo eventuais multas, uma vez que a moto continuava em nome da proprietária original. Até aí tudo sem problemas.
Até que recentemente sofri um acidente, com abalroamento traseiro e um susto e tanto. Brinquei de super homem. Voei aproximadamente uns cinco metros. A minha sorte foi que a motocicleta não caiu em cima de mim. Por sorte não quebrei nada. Apenas escoriações gerais pelo corpo. Um dedo do pé quebrado foi o que de maior monta física houve.
A motorista do veículo que me acertou foi bastante solícita. Se prontificou a me levar a um hospital, mas não foi necessário. Foi realmente muita sorte, pois ela me abalroou defronte a uma guarnição dos Bombeiros, que de pronto vieram me socorrer.
A seguradora da motorista também foi solícita e me pediu para levar a motocicleta a uma oficina, o que fiz pouco tempo depois. Lá deixei o veículo e aguardei. Dois dias depois recebo uma ligação de lá e sou informado: “Deu PT!”. Como não estávamos em ano eleitoral, demorei para me recompor, até que o chefe da oficina me informou que o inspetor da seguradora havia considerado como Perda Total, o tal de PT.
A seguradora me pediu o envio dos documentos e entre eles o de transferência do veículo. Fui perguntar para a antiga proprietária, que logo numa primeira resposta me informou que já havia me dado o documento. Claro, me senti com vontade de procurar um espelho pois deveria estar escrito “otário” na minha testa.
Comecei a buscar fatos na memória para comprovar que o documento não havia sido repassado a mim. Em poucos instantes a conversa mudou de tom, e se afirmou que cabe ao comprador a obtenção de tal documento.
Segurei a vontade de relinchar. Eu já havia vendido veículo de minha propriedade anteriormente e sempre que tal ocorreu, eu providenciei o documento com reconhecimento de firma por autenticidade para a transferência para o novo proprietário.
Em se dando crédito para a informação que me foi prestada, eu havia feito papel de otário em tais oportunidades, uma vez que tal obrigação não seria de minha parte.
Claro, o comprador do veículo não teria como conseguir tal documentos, se não houvesse ação de minha parte para a transferência do veículo. A diplomacia me manteve calado para não causar polêmica.
Por alguns segundos me recordei de minha infância. Minha mãe, quando flagrada em algo que não conseguia comprovar, ela “desligava o automático e partia para o manual”, ou seja, nada que uma boa seção de espancamento não pudesse convencer.
Acho que é desta época que aprendi a ser prudente nas constatações. Não tanto por receio de espancamentos, pois estes se reduziram com o tempo, mas com um certo intuito de evitar polêmicas.
Mas voltando ao caso do documento de transferência do veículo, sei que não é o comprador que deve fornecer o documento, mas o vendedor. Mas em sinal de paz não sei como proceder. Espero estar enganado com respeito à perspectiva de “ficar no prejuízo nesta história”.
Em certos momentos chego a questionar se é bom, ou não, ter boa memória. Tenho por hábito recordar coisas que as pessoas disseram anos passados. Mas como as pessoas tem sempre a perspectiva de afirmar que não disseram, ou não se lembram, a memória de nada vale!