A VIDA E A OBRA DE EDGAR ALLAN POE - PARTE TRÊS
Em Boston, Edgar começou a escrever para um jornal e, sob um nome falso, ficou conhecendo um jovem impressor, Calvin F. S. Thomas (1808-1876), ainda inexperiente no ramo tipográfico. Valendo-se disso, Edgar convenceu-o a imprimir um pequeno volume de poemas, Tamerlane and Other Poems (1827), e, como não teve condições de pagar a edição – de quinhentos exemplares –, coube-lhe apenas umas poucas cópias (o restante foi possivelmente destruído). Esse volumezinho (tendo como autor um bostoniano e contendo poesias que, nos dias de hoje, são famosas) não teve repercussão alguma na época (a imprensa dedicou-lhe tão-somente duas notas). Frustrado e sem dinheiro, Edgar alistou-se no Exército dos Estados Unidos, em 26 de maio de 1827, usando o nome falso de Edgar A. Perry. Foi destacado para a Bateria H do 1º Regimento de Artilharia dos Estados Unidos e passou todo o verão de 1827 no acampamento do Forte Moultrie.
Edgar permaneceu no Exército de maio de 1827 a abril de 1829. E, logo nos primeiros dias, os oficiais perceberam que ele tinha aptidão para os serviços de escritório. Não era um trabalho estafante e propiciava-lhe muito tempo livre, possibilitando-lhe ler, escrever poesias (data dessa época seu poema “Al Aaraaf”) e vaguear pelas praias (muitos anos mais tarde, ele se valeria dessas recordações nas praias da Ilha Sullivan para escrever “O Escaravelho de Ouro”). E, devido à sua boa conduta, chegou a primeiro-sargento. Mas não demorou para perceber que estava desperdiçando sua vida no Exército. Assim, numa tentativa de regressar à vida civil, escreveu uma carta a John Allan, pedindo-lhe perdão e permissão para voltar ao lar. Porém, seus rogos não obtiveram sucesso algum; e, em dezembro de 1828, seu regimento recebeu ordem para seguir para o Forte Monroe, na Virgínia.
Sem possibilidades de retornar ao lar, restou a Edgar apenas uma alternativa: a de alistar-se na Academia Militar de West Point. Para isso contou com o apoio de alguns oficiais de seu regimento. Eles tomaram para si a incumbência de intercederem junto de John Allan, em favor de Edgar. Mas o sr. Allan manteve-se irredutível, sequer cedendo aos rogos da esposa moribunda, que desejava ver seu “querido menino”.
Quando Edgar teve permissão de regressar à casa do pai adotivo, já era tarde demais: “tudo quanto mais ele amava no mundo se achava sepultado” (sua mãe adotiva morrera em 28 de fevereiro de 1829).
Quanto a John Allan, viu-se obrigado a uma “reconciliação” com o filho adotivo – ele prometera à esposa, poucos minutos antes de ela morrer, “não abandonar Edgar”.
Por volta de abril de 1829, Edgar embarcou para Washington, levando na bagagem algumas cartas de recomendação de seus oficiais e uma de John Allan, que, entre outras coisas, dizia: “Francamente, senhor, declaro que não tenho com ele nenhum parentesco.”
Contudo, as formalidades burocráticas para a admissão de Edgar em West Point arrastaram-se por semanas, meses. Ele partiu, então, para Baltimore e instalou-se na casa de Maria Clemm, irmã de seu pai. E, nessa casa, ficou conhecendo sua avó paterna, que tinha já uma idade avançada e estava paralítica; e reencontrou seu irmão, William Henry, que fora marinheiro. Também conheceu sua priminha Virginia, que tinha apenas sete anos de idade (ela nasceu em 22 de agosto de 1822). Imediatamente, estabeleceu-se entre os dois primos uma estranha relação fraternal. Edgar acompanhava a menina em longos passeios, contando-lhe maravilhosas histórias que ele mesmo imaginava, e serviu-se dela para permutar cartinhas melosas com uma jovem vizinha, Mary Devereaux.
Esse foi um dos raros períodos felizes da vida de Edgar. A sorte sorriu-lhe também no campo literário. Logo após uma apreciação favorável do crítico John Neal (1793-1876), nas edições de setembro e dezembro de 1829 da Yankee and Boston Literary Gazette, o seu poema “Al Aaraaf” foi editado, juntamente com Tamerlane and Other Poems, pela Hatch & Dunning. Não era exatamente a glória, mas pelo menos Edgar já não era mais um desconhecido no mundo das letras.
Talvez esse acontecimento tenha servido para abrandar o coração do sr. John Allan (todavia, acreditamos que tenha sido mesmo a perspectiva de o filho adotivo estar prestes a ingressar na prestigiosa Academia Militar de West Point), que permitiu que Edgar regressasse à sua casa em janeiro de 1830. O poeta pôde, ainda que por pouco tempo, voltar ao fausto.
Finalmente, em março de 1830 chegou a esperada nomeação de Edgar para a Academia Militar. Os exames de admissão aconteceriam no final de junho; e, em maio, Edgar despediu-se de John Allan e partiu para West Point. Fez uma parada em Baltimore, para visitar seus parentes. E em 1º de julho de 1830 prestou o juramento, sendo admitido na Academia Militar de West Point, onde permaneceria até fevereiro de 1831.
Nos primeiros meses em West Point, Edgar declarou-se “extremamente satisfeito com tudo e com todos”. Porém, a vida dispendiosa que sustentava – para poder manter as aparências junto aos seus colegas ricos – obrigou-o a contrair dívidas que, como de costume, John Allan se recusou a pagar. Por essa época, o sr. Allan havia casado novamente (sua nova esposa, Louisa Gabriella Patterson, era aproximadamente vinte anos mais jovem que ele) e estava à espera de um herdeiro legítimo. Portanto, Edgar já não podia mais contar com a fortuna de seu pai adotivo. Então, resolvido a abandonar a Academia, começou a faltar às aulas, a não ir ao culto religioso... e, certo dia, desertou do posto da guarda. Em razão disso, o Tribunal Militar expulsou-o ignominiosamente de West Point. Sem perda de tempo, Edgar dirigiu-se para Nova York, a fim de editar novo livro de poemas, dedicado ao corpo de cadetes da Academia Militar.
Em Nova York, Edgar quase morreu, vítima de um resfriado, tendo uma séria infecção do ouvido.
Sem dinheiro e sem outra alternativa, o poeta, mais uma vez, viu-se obrigado a apelar para John Allan. Não é necessário dizer que sua apelação foi totalmente em vão.
Edgar permaneceu em Nova York até a publicação de seu novo livro, Poems – Second Edition, com um prefácio dirigido ao “Querido B.”, sobre o qual algumas opiniões críticas do jovem autor foram pela primeira vez expostas.
No final de março de 1831, Edgar partiu de Nova York e foi para Baltimore, instalando-se de novo na casa de sua tia Maria Clemm, uma senhora bondosa e que, segundo Charles Baudelaire (1821-1867), era “o anjo da guarda do poeta”. O irmão de Edgar, William Henry, que faleceria em 1º de agosto de 1831 (ele entregara-se ao vício da bebida), ainda morava na casa da sra. Clemm.
Nesse período, Edgar procurou dedicar-se à prosa (escreveu alguns contos). Também reatou seu romance com Mary Devereaux. No entanto, esse romance terminou bruscamente, no dia em que o poeta, embriagado, chicoteou o tio da moça.