DOMINGOS FERNANDES CALABAR - Senhor de Engenho - Porto Calvo - AL
(35 anos)
Senhor de Engenho
* Porto Calvo, AL (1600)
+ Porto Calvo, AL (1635)
Foi um senhor de engenho na capitania de Pernambuco, aliado dos neerlandeses que invadiram o Nordeste do Brasil. Uma das mais polêmicas figuras da história colonial brasileira.
Pouco se sabe desse personagem controverso da História do Brasil: nasceu em Porto Calvo, Alagoas, então parte integrante da Capitania de Pernambuco, por volta de 1600. Foi batizado na fé católica no dia 15 de março de 1610. Mulato, estudou com os jesuítas e, faz dinheiro com o contrabando, chegou a tornar-se senhor de terras e engenhos. Vários cronistas qualificam, no entanto, Calabar de mameluco e não de mulato.
Contra os Holandeses
Em 1580, Portugal passara para o domínio espanhol. A Holanda era, até então, aliada dos lusos mas, ao contrário, grande inimiga dos espanhóis. Estes, dada a intensidade do comércio lusitano com os holandeses, estabelecem uma trégua, que vigorou até 1621, quando retomaram os embates.
Fundou-se, então, na Holanda, a Geoctroyerd Westindische Companie - A Companhia das Índias Ocidentais. Tendo invadido a Bahia, dali foram expulsos, em 1625. Continuaram atacando naus ibéricas e, a 13 de fevereiro de 1630 iniciam o ataque a Olinda.
O neto de Duarte Coelho, Matias de Albuquerque, vindo da Espanha, viaja ao Brasil a fim de coordenar a defesa do país. Pouco auxílio deram-lhe em Portugal (27 soldados), mas chegando arregimenta dentre os nativos homens que pudessem auxiliar na defesa. Apesar disto, perde primeiro Olinda, e depois o Recife. Retirando-se, iniciando um combate em guerrilhas, que duras derrotas infligiam aos invasores.
Para estas emboscadas, muito contribuíra Domingos Fernandes Calabar, profundo conhecedor do território - composto, no litoral, de baías, mangues, rios e praias - aos quais os neerlandeses estavam acostumados - e no interior pelas matas, às quais este povo costeiro não se adaptara.
Comerciante e contrabandista, Calabar vivia a percorrer aqueles caminhos, e com seu auxílio viram-se os neerlandeses forçados a abandonar Olinda, que incendeiam, concentrando-se no Recife.
Calabar Muda de Lado
Por razões que nunca serão desvendadas inteiramente, Calabar muda de lado, em abril de 1632. Por ambição, desejo de alguma recompensa entre os invasores, convicção de que estes seriam vitoriosos ao final, ou ainda mesmo por supor que aqueles colonizadores trariam maiores progressos à terra que os portugueses - o fato foi que Calabar traiu seus antigos aliados.
Durante dois anos havia servido entre os seus conterrâneos, foi ferido duas vezes e ganhou alguma reputação. Dele afirma Robert Southey (História do Brasil, vol. I, página 349):
"Se, cometido algum crime, fugiu para escapar ao castigo; se o tratamento recebido dos comandantes o desgostou; ou, se o que é mais provável, com a traição, esperou melhorar de fortuna, é o que se não sabe. Mas foi o primeiro pernambucano que desertou para os neerlandeses, e se a estes fosse dado dentre todos fazer seleção de um, não teriam escolhido outro, tão ativo, sagaz, empreendedor e desesperado era ele, nem havia quem melhor conhecesse o país e a costa."
A vantagem mudara de lado - e os holandeses passam a conquistar mais e mais territórios, agora tendo ao seu lado o conhecimento de que necessitavam: conquistaram as vilas de Goiana e de Igaraçu, a ilha de Itamaracá e até o Forte do Rio Formoso.
Seu auxílio foi tão precioso que até o Forte dos Três Reis Magos, no Rio Grande do Norte, caiu sob domínio dos invasores que, com participação direta de Calabar destroem o Engenho do Ferreiro Torto. Seu domínio estendia-se, então, do Rio Grande até o Recife. Além de Calabar, aderem à proposta cristãos-novos, negros, índios e mulatos.
Pudsey, mercenário inglês à serviço da Holanda, descreve Calabar com grande admiração (Robert Southey, História do Brasil, vol. I):
"Nunca encontramos um homem tão adaptado a nossos propósitos (…), pois ele tomava um pequeno navio e aterrava-nos em território inimigo à noite, onde pilhávamos os habitantes e quanto mais dano ele podia ocasionar a seus patrícios, maior era sua alegria."
A Captura
Forçado a recuar cada vez mais, Matias de Albuquerque retira-se para Alagoas, durando as lutas já cinco anos. Levava Matias de Albuquerque cerca de oito mil homens. Próximo ao Porto Calvo encontra um grupo de aproximadamente 380 neerlandeses, dentre estes o próprio Calabar. Um dos moradores deste lugar, Sebastião do Souto, oferece-se para um ardil e as coisas começam a tomar novo rumo.
Utilizando-se deste voluntário, fiel aos portugueses, o plano consistia em infiltrar-se nas fileiras inimigas. Sebastião do Souto vai ao comandante holandês Picard, dizendo haver mudado de lado, convencendo-o a atacar as forças de Matias de Albuquerque, que informou não terem mais que 200 homens.
Armada a cilada, nela caem Picard e os seus, dentre os quais o trânsfuga Domingos Fernandes Calabar - os neerlandeses se rendem, e Calabar é feito prisioneiro.
Execução Exemplar
Domingos Fernandes Calabar foi preso e condenado. Tratado como o mais vil traidor dos portugueses - Calabar é punido com a morte. Seu nome ficou para sempre associado à idéia de traição. Um tribunal militar proferiu sua sentença. No dia 22 de julho de 1635 e Calabar foi garroteado (não havia como montar-se uma forca, naquelas circunstâncias). Seu corpo, esquartejado, ficou exposto em praça pública, demonstrando assim a quem mudasse de lado o destino que lhe estava reservado.
Sobre este episódio narra Robert Southey:
"Com tanta paciência recebeu a morte, dando tantos sinais de sincera contrição de todos os seus malefícios, acompanhada de tão devota esperança de perdão, que o sacerdote que lhe assistiu aos últimos momentos nenhuma dúvida conservou sobre a salvação do padecente. O confessor foi Fr. Manuel do Salvador, que mais tarde tomou não vulgar parte nesta longa contenda, de que nos deixou singular e interessantíssima história.
Interrogado se sabia de algum português que estivesse em traiçoeira correspondência com o inimigo, respondeu Calabar que sobre este capítulo muito sabia, não sendo das mais baixas as pessoas implicadas."
Em Porto Calvo, agora sob comando de Arciszewski, os neerlandeses prestaram-lhe honras fúnebres - àquele a quem efetivamente deviam grande parte de seu sucesso.
Dois anos depois, em 1637, chegaria ao Brasil o príncipe Maurício de Nassau. Nassau contribui para que muitos tenham, hoje, idéia de que a colonização holandesa seria melhor que outras, algo inconsistente ante mesmo o olhar sobre sua retirada do Brasil, acusado de dar prejuízo à Companhia das Índias Ocidentais, e terem retomado o clássico modelo de exploração exaustiva - aos quais forçaram a revolta dos brasileiros, dentre os quais André Vidal de Negreiros, Felipe Camarão e Henrique Dias - tratados como heróis da expulsão dos neerlandeses.
Outros Olhares
O compositor Chico Buarque, junto a Ruy Guerra, fez em 1973 uma peça teatral intitulada: Calabar: o Elogio da Traição onde pela primeira vez a condição de traidor de Calabar era revisitada. Mas este posicionamento dava-se muito mais para denunciar a situação da época ditatorial, do que uma visão historiográfica sobre os fatos do século XVII.
Em Salvador, Bahia, há bairros com o nome Calabar. Ao largo dessas homenagens, alguns historiadores procuram justificar a atitude de Calabar, sem entretanto observar que este primeiro era aliado dos portugueses, granjeara-lhes a confiança - para depois servir aos inimigos numa privilegiadíssima posição.
Memorial Calabar
Domingos Fernandes Calabar (Foto: Carlos Rosa)
Dizem que para um herói ser de fato reconhecido precisa ter uma estátua fincada em lugar público. Domingos Fernandes Calabar precisou esperar 376 anos, após sua morte, para ter o nome na praça, justamente no lugar onde nasceu e entregou a própria vida para defendê-lo. A prefeitura municipal de Porto Calvo executou um projeto de resgate da memória de um dos mais controvertidos personagens da História do Brasil, tratado como traidor pela historiografia oficial imposta pelos colonizadores, mas reconhecido, enfim, como mártir e herói do Brasil, quiçá o primeiro deles.
Calabar não terá apenas uma estátua, mas, ao menos quatro. A figura do corajoso combatente já guarda Porto Calvo do alto, como um atalaia, postado no trevo de acesso à cidade. Devidamente paramentado, empunha lança, espada e orgulho.
(35 anos)
Senhor de Engenho
* Porto Calvo, AL (1600)
+ Porto Calvo, AL (1635)
Foi um senhor de engenho na capitania de Pernambuco, aliado dos neerlandeses que invadiram o Nordeste do Brasil. Uma das mais polêmicas figuras da história colonial brasileira.
Pouco se sabe desse personagem controverso da História do Brasil: nasceu em Porto Calvo, Alagoas, então parte integrante da Capitania de Pernambuco, por volta de 1600. Foi batizado na fé católica no dia 15 de março de 1610. Mulato, estudou com os jesuítas e, faz dinheiro com o contrabando, chegou a tornar-se senhor de terras e engenhos. Vários cronistas qualificam, no entanto, Calabar de mameluco e não de mulato.
Contra os Holandeses
Em 1580, Portugal passara para o domínio espanhol. A Holanda era, até então, aliada dos lusos mas, ao contrário, grande inimiga dos espanhóis. Estes, dada a intensidade do comércio lusitano com os holandeses, estabelecem uma trégua, que vigorou até 1621, quando retomaram os embates.
Fundou-se, então, na Holanda, a Geoctroyerd Westindische Companie - A Companhia das Índias Ocidentais. Tendo invadido a Bahia, dali foram expulsos, em 1625. Continuaram atacando naus ibéricas e, a 13 de fevereiro de 1630 iniciam o ataque a Olinda.
O neto de Duarte Coelho, Matias de Albuquerque, vindo da Espanha, viaja ao Brasil a fim de coordenar a defesa do país. Pouco auxílio deram-lhe em Portugal (27 soldados), mas chegando arregimenta dentre os nativos homens que pudessem auxiliar na defesa. Apesar disto, perde primeiro Olinda, e depois o Recife. Retirando-se, iniciando um combate em guerrilhas, que duras derrotas infligiam aos invasores.
Para estas emboscadas, muito contribuíra Domingos Fernandes Calabar, profundo conhecedor do território - composto, no litoral, de baías, mangues, rios e praias - aos quais os neerlandeses estavam acostumados - e no interior pelas matas, às quais este povo costeiro não se adaptara.
Comerciante e contrabandista, Calabar vivia a percorrer aqueles caminhos, e com seu auxílio viram-se os neerlandeses forçados a abandonar Olinda, que incendeiam, concentrando-se no Recife.
Calabar Muda de Lado
Por razões que nunca serão desvendadas inteiramente, Calabar muda de lado, em abril de 1632. Por ambição, desejo de alguma recompensa entre os invasores, convicção de que estes seriam vitoriosos ao final, ou ainda mesmo por supor que aqueles colonizadores trariam maiores progressos à terra que os portugueses - o fato foi que Calabar traiu seus antigos aliados.
Durante dois anos havia servido entre os seus conterrâneos, foi ferido duas vezes e ganhou alguma reputação. Dele afirma Robert Southey (História do Brasil, vol. I, página 349):
"Se, cometido algum crime, fugiu para escapar ao castigo; se o tratamento recebido dos comandantes o desgostou; ou, se o que é mais provável, com a traição, esperou melhorar de fortuna, é o que se não sabe. Mas foi o primeiro pernambucano que desertou para os neerlandeses, e se a estes fosse dado dentre todos fazer seleção de um, não teriam escolhido outro, tão ativo, sagaz, empreendedor e desesperado era ele, nem havia quem melhor conhecesse o país e a costa."
A vantagem mudara de lado - e os holandeses passam a conquistar mais e mais territórios, agora tendo ao seu lado o conhecimento de que necessitavam: conquistaram as vilas de Goiana e de Igaraçu, a ilha de Itamaracá e até o Forte do Rio Formoso.
Seu auxílio foi tão precioso que até o Forte dos Três Reis Magos, no Rio Grande do Norte, caiu sob domínio dos invasores que, com participação direta de Calabar destroem o Engenho do Ferreiro Torto. Seu domínio estendia-se, então, do Rio Grande até o Recife. Além de Calabar, aderem à proposta cristãos-novos, negros, índios e mulatos.
Pudsey, mercenário inglês à serviço da Holanda, descreve Calabar com grande admiração (Robert Southey, História do Brasil, vol. I):
"Nunca encontramos um homem tão adaptado a nossos propósitos (…), pois ele tomava um pequeno navio e aterrava-nos em território inimigo à noite, onde pilhávamos os habitantes e quanto mais dano ele podia ocasionar a seus patrícios, maior era sua alegria."
A Captura
Forçado a recuar cada vez mais, Matias de Albuquerque retira-se para Alagoas, durando as lutas já cinco anos. Levava Matias de Albuquerque cerca de oito mil homens. Próximo ao Porto Calvo encontra um grupo de aproximadamente 380 neerlandeses, dentre estes o próprio Calabar. Um dos moradores deste lugar, Sebastião do Souto, oferece-se para um ardil e as coisas começam a tomar novo rumo.
Utilizando-se deste voluntário, fiel aos portugueses, o plano consistia em infiltrar-se nas fileiras inimigas. Sebastião do Souto vai ao comandante holandês Picard, dizendo haver mudado de lado, convencendo-o a atacar as forças de Matias de Albuquerque, que informou não terem mais que 200 homens.
Armada a cilada, nela caem Picard e os seus, dentre os quais o trânsfuga Domingos Fernandes Calabar - os neerlandeses se rendem, e Calabar é feito prisioneiro.
Execução Exemplar
Domingos Fernandes Calabar foi preso e condenado. Tratado como o mais vil traidor dos portugueses - Calabar é punido com a morte. Seu nome ficou para sempre associado à idéia de traição. Um tribunal militar proferiu sua sentença. No dia 22 de julho de 1635 e Calabar foi garroteado (não havia como montar-se uma forca, naquelas circunstâncias). Seu corpo, esquartejado, ficou exposto em praça pública, demonstrando assim a quem mudasse de lado o destino que lhe estava reservado.
Sobre este episódio narra Robert Southey:
"Com tanta paciência recebeu a morte, dando tantos sinais de sincera contrição de todos os seus malefícios, acompanhada de tão devota esperança de perdão, que o sacerdote que lhe assistiu aos últimos momentos nenhuma dúvida conservou sobre a salvação do padecente. O confessor foi Fr. Manuel do Salvador, que mais tarde tomou não vulgar parte nesta longa contenda, de que nos deixou singular e interessantíssima história.
Interrogado se sabia de algum português que estivesse em traiçoeira correspondência com o inimigo, respondeu Calabar que sobre este capítulo muito sabia, não sendo das mais baixas as pessoas implicadas."
Em Porto Calvo, agora sob comando de Arciszewski, os neerlandeses prestaram-lhe honras fúnebres - àquele a quem efetivamente deviam grande parte de seu sucesso.
Dois anos depois, em 1637, chegaria ao Brasil o príncipe Maurício de Nassau. Nassau contribui para que muitos tenham, hoje, idéia de que a colonização holandesa seria melhor que outras, algo inconsistente ante mesmo o olhar sobre sua retirada do Brasil, acusado de dar prejuízo à Companhia das Índias Ocidentais, e terem retomado o clássico modelo de exploração exaustiva - aos quais forçaram a revolta dos brasileiros, dentre os quais André Vidal de Negreiros, Felipe Camarão e Henrique Dias - tratados como heróis da expulsão dos neerlandeses.
Outros Olhares
O compositor Chico Buarque, junto a Ruy Guerra, fez em 1973 uma peça teatral intitulada: Calabar: o Elogio da Traição onde pela primeira vez a condição de traidor de Calabar era revisitada. Mas este posicionamento dava-se muito mais para denunciar a situação da época ditatorial, do que uma visão historiográfica sobre os fatos do século XVII.
Em Salvador, Bahia, há bairros com o nome Calabar. Ao largo dessas homenagens, alguns historiadores procuram justificar a atitude de Calabar, sem entretanto observar que este primeiro era aliado dos portugueses, granjeara-lhes a confiança - para depois servir aos inimigos numa privilegiadíssima posição.
Memorial Calabar
Domingos Fernandes Calabar (Foto: Carlos Rosa)
Dizem que para um herói ser de fato reconhecido precisa ter uma estátua fincada em lugar público. Domingos Fernandes Calabar precisou esperar 376 anos, após sua morte, para ter o nome na praça, justamente no lugar onde nasceu e entregou a própria vida para defendê-lo. A prefeitura municipal de Porto Calvo executou um projeto de resgate da memória de um dos mais controvertidos personagens da História do Brasil, tratado como traidor pela historiografia oficial imposta pelos colonizadores, mas reconhecido, enfim, como mártir e herói do Brasil, quiçá o primeiro deles.
Calabar não terá apenas uma estátua, mas, ao menos quatro. A figura do corajoso combatente já guarda Porto Calvo do alto, como um atalaia, postado no trevo de acesso à cidade. Devidamente paramentado, empunha lança, espada e orgulho.