BARTOLOMEU DE GUSMÃO
BARTOLOMEU LOURENÇO DE GUSMÃO
(39 anos)
Sacerdote, Cientista e Inventor
* Santos, SP (1685)
+ Toledo, Espanha (18/11/1724)
BARTOLOMEU LOURENÇO DE GUSMÃO
(39 anos)
Sacerdote, Cientista e Inventor
* Santos, SP (1685)
+ Toledo, Espanha (18/11/1724)
Bartolomeu Lourenço de Gusmão, foi um sacerdote secular, cientista e inventor nascido na então colónia portuguesa do Brasil, Capitania de São Vicente, em Santos, jesuíta, famoso por ter inventado o primeiro aeróstato operacional, a que chamou de Passarola. Cognominado "O Padre Voador", é uma das maiores figuras da história da aeronáutica mundial.
Primeiros Anos
Foi batizado com o nome simplesmente de Bartolomeu Lourenço, em 19 de dezembro de 1685, na Igreja Paroquial da vila de Santos pelo padre Antônio Correia Peres. Era o quarto filho de Francisco Lourenço Rodrigues e Maria Álvares. Mais tarde, em 1718, que adota o apelido de Gusmão em homenagem ao preceptor e protetor jesuita Alexandre de Gusmão.
O casal teria tido ao todo doze descendentes, seis homens e seis mulheres, um dos quais, Alexandre de Gusmão, viria a se tornar importante diplomata no reinado de Dom João V. Já a maioria dos seus irmãos optou ou foi orientada pelos pais a devotar-se à vida eclesiástica, dentre esses, Bartolomeu.
O menino cursou as primeiras letras provavelmente na própria Capitania de São Vicente, no Colégio São Miguel, então o único estabelecimento educacional da região. Prosseguiu os estudos na Capitania da Baía de Todos os Santos. Aí ingressou no Seminário de Belém, em Cachoeira, onde teria início a sua profícua carreira de inventor.
A edificação, situada sobre um monte de cem metros de altura, possuía precário abastecimento de água, que tinha que ser captada e transportada em vasos a partir de um brejo subjacente. Percebendo o problema, Bartolomeu inteligentemente planejou e construiu um maquinismo para levar a água do brejo até o seminário por meio de um cano longo. O invento, testado com absoluto sucesso, foi considerado admirável e de grande utilidade, inclusive pelo próprio reitor e fundador do seminário, o renomado sacerdote Alexandre de Gusmão.
Terminado o curso no Seminário de Belém em 1699, Bartolomeu transferiu-se para Salvador, capital do Brasil à época, e ingressou na Companhia de Jesus, de onde saiu antes de ser ordenado, em 1701. Viajou para Portugal, onde chegou já famoso pela memória extraordinária, ficando hospedado em Lisboa, na casa do 3º Marquês de Fontes, que se impressionara com os dotes intelectuais do jovem. Contava ele então com apenas dezesseis anos.
Em 1702, Bartolomeu retornou ao Brasil e deu início ao processo de sua ordenação sacerdotal. Três anos depois ele requereu à Câmara da Bahia a patente para o seu aparelho inventado anos antes - invento para fazer subir água a toda a distância e altura que se quiser levar. A patente foi expedida em 23 de março de 1707 pelo rei Dom João V. Foi essa a primeira patente de invenção outorgada a um brasileiro.
Em 1708, já ordenado padre, Bartolomeu embarcou mais uma vez para Portugal. Logo após sua chegada, em 1 de dezembro, matriculou-se na Faculdade de Cânones da Universidade de Coimbra. Passados alguns meses, contudo, abandonou a faculdade para instalar-se em Lisboa, aonde foi recebido com sumo agrado pelo Rei Dom João V e pela Rainha Maria Ana da Áustria, apresentado que fora aos soberanos por um dos maiores fidalgos da Corte, Dom Rodrigo Anes de Sá Almeida e Menezes. Esse homem era ninguém menos que o 3º Marquês de Fontes, o mesmo que o havia recolhido à sua casa quando da sua primeira estada em Portugal.
Na capital portuguesa o padre Bartolomeu pediu patente para um "instrumento para se andar pelo ar" - que se revelaria ser, mais tarde, o que hoje se conhece por aeróstato ou balão -, a qual foi concedida no dia 19 de Abril de 1709. O sacerdote era recém-chegado do Brasil, sua terra natal, onde já era conhecido como inventor. Mas aquela criação era de uma ousadia inédita. Bartolomeu de Gusmão queria voar, e conseguiu. Ele criou um objeto capaz de deslizar pela atmosfera sem apoio nenhum. "Pela primeira vez na história, um aparelho construído pelo homem venceu a gravidade", disse Araguaryno Cabrero dos Reis, brigadeiro reformado da Força Aérea Brasileira.
Anos antes, ao examinar o comportamento de uma chama, não se sabe se de uma vela ou fogueira, Bartolomeu de Gusmão percebeu que o ar quente podia elevar pequenos objetos. Por falta de documentos históricos, é difícil saber como tudo realmente ocorreu. Especula-se que a descoberta tenha se dado quando uma pequena bolha de sabão, ao passar sobre uma vela, foi fortemente jogada para as alturas. O fenômeno pode ter ocorrido ainda com pedaços de papel que, queimados, transformaram-se em fuligem e ascenderam. Foi isso que inspirou o padre a projetar o primeiro aeróstato, um aparelho parecido com nosso balão de São João.
Bartolomeu de Gusmão (Benedito Calixto)
As Experiências Com Balões
Em agosto, finalmente, Bartolomeu de Gusmão fez perante a corte portuguesa cinco experiências com balões de pequenas dimensões construídos por ele: na primeira, realizada no dia 3 na Casa do Forte, Palácio Real, o protótipo utilizado pegou fogo antes de subir; na segunda, feita no dia 5 noutra dependência do palácio, a Casa Real, o aeróstato, provido no fundo duma tigela com álcool em combustão, se elevou a 4 metros, quando começou a arder ainda no ar, sendo imediatamente derrubado por dois serviçais armados de paus, receosos de um incêndio aos cortinados do recinto; na terceira, feita no dia 6 novamente na Casa do Forte, o balão, contendo no interior uma vela acesa, logrou fazer um vôo curto, mas se queimou no pouso; na quarta, feita no dia 7 no Terreiro do Paço, hoje Praça do Comércio, o balonete elevou-se a grande altura, pousando lentamente minutos depois; na quinta, feita no dia 8 na Sala das Audiências, no interior do Palácio Real, o globo subiu até o teto do aposento, aí se demorando, quando enfim desceu com suavidade.
Em 3 de outubro de 1709, na ponte da Casa da Índia, o padre fez nova demonstração do invento. O aparelho utilizado era maior que os anteriores, mas ainda incapaz de carregar um homem. A experiência teve êxito absoluto: o aeróstato subiu alto, flutuou por um tempo não medido e pousou sem estrépito.
Cinco testemunhas registraram essas experiências: o cardeal italiano Miquelângelo Conti, eleito papa em 1721 sob o nome de Inocêncio XIII, os escritores Francisco Leitão Ferreira e José Soares da Silva, nomeados membros da Academia Real de História Portuguesa em 1720, o diplomata José da Cunha Brochado e o cronista Salvador Antônio Ferreira, portugueses.
Em 1843 o escritor Francisco Freire de Carvalho disse haver tomado conhecimento, por intermédio de um ancião chamado Timóteo Lecussan Verdier, de uma outra experiência aerostática, assistida pelo diplomata português Bernardo Simões Pessoa, em que o balão partiu da Torre de São Roque e caiu junto à Costa da Cotovia por detrás do Jardim São Pedro d’Alcântara. Segundo Francisco Freire de Carvalho, Timóteo Lecussan Verdier, por sua vez, assegurava que o relato da ascensão lhe fora transmitido pelo próprio Bernardo Simões Pessoa em tempos muito anteriores ao ano de 1783, quando dos primeiros vôos de balões na França.
Lamentavelmente, todas essas experiências, embora assistidas por ilustres personalidades da sociedade portuguesa da época, não foram suficientes para a popularização do invento. Os pequenos balões exibidos, além de não haverem sido encarados como inovação importante ou útil, por serem desprovidos de qualquer tipo de controle - eram levados pelo vento -, foram considerados perigosos, pois podiam, como se vira, provocar incêndios. Esses fatores desestimularam a construção de um modelo grande, tripulável.
O anúncio sobre a tal máquina de voar inquietou a sociedade de Lisboa no verão de 1709. Em 3 de agosto, Bartolomeu de Gusmão mostrou à família real, fidalgos e autoridades eclesiásticas do que era capaz a sua engenhoca. Durante a primeira tentativa, os ilustres convidados esperavam impacientes na sala de audiências do Palácio, quando veio a frustração. Vítima de suas próprias chamas, o pequeno balão de papel cheio de ar quente foi queimado antes de alçar vôo. O segundo ensaio teria ocorrido dois dias depois. Ansiosa, a platéia da ocasião teve mais sorte: o globo de menos de meio metro de comprimento subiu pouco mais de quatro metros. Alguns criados do Palácio, preocupados com a possibilidade de o invento incendiar as cortinas, lançaram-se contra o balão para que ele não alcançasse o teto.
O mérito de Bartolomeu de Gusmão foi reconhecido somente na terceira tentativa. Dessa vez, no pátio do Palácio, perante o Rei de Portugal, Dom João V, e a Rainha, Dona Maria Anad, o aeróstato ganhou os ares. Ergueu-se lentamente, indo cair, quando esgotada sua chama, no terreiro da casa real. A inédita máquina mais leve do que o ar impressionou o público, mas não cumpriu sequer metade das façanhas que Bartolomeu de Gusmão prometera a Dom João V.
Em seus pedidos de patente, ele anunciava feitos fantásticos. Dizia que sua invenção facilitaria a descoberta de novas terras, fazendo "da nação portuguesa a glória deste descobrimento". Afirmava tratar-se "de um instrumento para se andar pelo ar, da mesma sorte que pela terra e pelo mar, e com muita brevidade, fazendo-se muitas vezes duzentas e mais léguas de caminho por dia". Azar de Bartolomeu de Gusmão. A Corte não estava preocupada com a ciência. Eles queriam era ganhar dinheiro com ouro e ter uma vida suntuosa, diz Henrique Lins de Barros, pesquisador da história da aviação e autor do livro Santos Dumont: O Homem Voa!
"Passarola" - Original no acervo da Torre do Tombo, em Lisboa
A Passarola
Embora não tenha surpreendido os portugueses, o aeróstato aguçou o imaginário do restante da Europa. A notícia que se espalhou rapidamente foi de que um padre havia voado nos ares de Lisboa. A máquina ganhou proporções mitológicas e ficou conhecida, a partir daí, como Passarola. O nome se deve a um desenho apócrifo que surgiu na época. A imagem representava o aeróstato em forma de um pássaro, com uma cabeça de águia e cercado por instrumentos científicos. A ilustração trazia ainda o próprio Bartolomeu de Gusmão a bordo, como se ele tivesse voado dentro de seu engenho. Suspeita-se que o próprio "Padre Voador", que na realidade nunca voou, seria o autor do desenho, junto com seu discípulo e amigo Conde de Penaguião. Uma brincadeira de rapazes, com a qual eles pretendiam despistar possíveis interessados em copiar o experimento de Bartolomeu de Gusmão.
Prova disso é que o desenho da Passarola não mostrava a fonte térmica responsável pela subida do balão, característica imprescindível para que o invento funcionasse. "Ele não dá a chave do problema, que é a fonte de calor, e ainda se coloca dentro do invento. É possível que tenha feito isso para esconder os segredos de sua descoberta", afirma Lins de Barros. Em função da imagem fantasiosa, diversos historiadores europeus e norte-americanos situaram Bartolomeu de Gusmão como um dos muitos precursores da aeronáutica cujos trabalhos não possuíam nenhuma base científica. Depois das especulações desastrosas, ele abandonou completamente seu projeto.
As primeiras ilustrações da Passarola haviam sido na verdade elaboradas pelo filho primogênito do 3º Marquês de Fontes, Dom Joaquim Francisco de Sá Almeida e Meneses, com a conivência de Bartolomeu de Gusmão. O 8º Conde de Penaguião e futuro 2º Marquês de Abrantes contava 14 anos em 1709 e era, então, aluno de matemática do padre, sendo a única pessoa à qual ele permitia livre acesso ao recinto em que o engenho voador era guardado. Como o rapaz vivesse assediado por curiosos, que constantemente lhe faziam indagações acerca da invenção, resolveu ele, para deixar de ser importunado, elaborar o exótico desenho da Passarola, em que tudo era propositadamente falseado. E para preservar o verdadeiro princípio da invenção – o Princípio de Arquimedes –, atribuiu a ascensão da engenhoca ao magnetismo, que era então a resposta para quase todos os mistérios científicos. Esperava dessa maneira melhor proteger o segredo confiado à sua guarda e ludibriar os bisbilhoteiros. Comunicou o plano a Bartolomeu de Gusmão, que o aprovou, e fingiu deixar o desenho escapar por descuido. A Passarola, inspirada ao que parece na fauna fabulosa de algumas lendas do Brasil, acabou sendo rapidamente copiada, logo se espalhando pela Europa em várias versões, para grande riso dos dois embusteiros.
Toda essa trama seria descoberta anos depois por um poeta italiano, Pier Jacopo Martello (1625 - 1727), e revelada por ele na edição de 1723 do livro Versi e Prose, em que fazia um longo e meticuloso histórico das tentativas do homem para voar, das mais antigas às mais recentes daquele tempo.
A Inquisição
Entre 1713 e 1716 viajou pela Europa. Em 1713 registrou na Holanda o invento de uma "máquina para a drenagem da água alagadora das embarcações de alto mar", patente que só veio a público em 2004 graças a pesquisas realizadas pelo arquivista e escritor brasileiro Rodrigo Moura Visoni).
Viveu em Paris, trabalhando como ervanário para se sustentar, até que encontrou seu irmão Alexandre de Gusmão, secretário do embaixador de Portugal na França.
O padre Bartolomeu de Gusmão voltou a Portugal, mas foi vítima de insidiosa campanha de difamação. Acusado pela Inquisição de simpatizar com cristãos-novos, foi obrigado a fugir para a Espanha, no final de setembro de 1724, com um seu irmão mais novo, Frei João Álvares, pretendendo chegar à Inglaterra.
Segundo o testemunho que, mais tarde, João Álvares daria à Inquisição espanhola, Bartolomeu de Gusmão ter-se-ia convertido ao judaísmo, em 1722, depois de atravessar uma crise religiosa. O relato de João Álvares ao Santo Ofício, ainda que deva ser considerado com cautela, mostra, segundo Joaquim Fernandes, aspectos místicos, messiânicos e megalômanos do "Padre Voador".
Família Influente
Um dos motivos para Bartolomeu de Gusmão ter boas relações com a realeza estava na proximidade com seu irmão Alexandre de Gusmão, homem de confiança do rei Dom João V. Alexandre auxiliou o rei durante as negociações do Tratado de Tordesilhas, que definiu as áreas do Novo Mundo entre Espanha e Portugal.
Inventor Incansável
Além do balão e da bomba elevatória de água, Bartolomeu de Gusmão inventou uma forma de drenar embarcações – a criação foi definida na época como um "processo para esgotar água sem gente, dos navios alagados". Anos depois, na Holanda, ele também criou um sistema de lentes para assar carne ao sol.
Herdeiros do Padre
Foi só 74 anos depois da criação do padre brasileiro, que um balão tripulado alcançou o céu com sucesso. Depois de seis anos de pesquisas e experiências, os irmãos franceses Joseph Michel e Jacques Étienne Montgolfier conseguiram, em 4 de junho de 1783, na cidade de Annonay, voar dois quilômetros, a uma altitude máxima de 2 mil metros.
Morte
Em Toledo, Espanha, Bartolomeu de Gusmão adoece gravemente, recolhendo-se ao Hospital da Misericórdia daquela cidade, onde veio a falecer em 18 de novembro de 1724, aos 38 anos. Antes de morrer, porém, confessou-se e recebeu a comunhão, conforme o rito católico, e assim foi sepultado na Igreja de São Romão, em Toledo. Foram feitas, ao longo de décadas, várias tentativas para localizar a sua tumba, o que só ocorreu em 1856. Parte dos restos mortais foi transportada para o Brasil e se encontra, desde 2004, na Catedral Metropolitana de São Paulo.
Primeiros Anos
Foi batizado com o nome simplesmente de Bartolomeu Lourenço, em 19 de dezembro de 1685, na Igreja Paroquial da vila de Santos pelo padre Antônio Correia Peres. Era o quarto filho de Francisco Lourenço Rodrigues e Maria Álvares. Mais tarde, em 1718, que adota o apelido de Gusmão em homenagem ao preceptor e protetor jesuita Alexandre de Gusmão.
O casal teria tido ao todo doze descendentes, seis homens e seis mulheres, um dos quais, Alexandre de Gusmão, viria a se tornar importante diplomata no reinado de Dom João V. Já a maioria dos seus irmãos optou ou foi orientada pelos pais a devotar-se à vida eclesiástica, dentre esses, Bartolomeu.
O menino cursou as primeiras letras provavelmente na própria Capitania de São Vicente, no Colégio São Miguel, então o único estabelecimento educacional da região. Prosseguiu os estudos na Capitania da Baía de Todos os Santos. Aí ingressou no Seminário de Belém, em Cachoeira, onde teria início a sua profícua carreira de inventor.
A edificação, situada sobre um monte de cem metros de altura, possuía precário abastecimento de água, que tinha que ser captada e transportada em vasos a partir de um brejo subjacente. Percebendo o problema, Bartolomeu inteligentemente planejou e construiu um maquinismo para levar a água do brejo até o seminário por meio de um cano longo. O invento, testado com absoluto sucesso, foi considerado admirável e de grande utilidade, inclusive pelo próprio reitor e fundador do seminário, o renomado sacerdote Alexandre de Gusmão.
Terminado o curso no Seminário de Belém em 1699, Bartolomeu transferiu-se para Salvador, capital do Brasil à época, e ingressou na Companhia de Jesus, de onde saiu antes de ser ordenado, em 1701. Viajou para Portugal, onde chegou já famoso pela memória extraordinária, ficando hospedado em Lisboa, na casa do 3º Marquês de Fontes, que se impressionara com os dotes intelectuais do jovem. Contava ele então com apenas dezesseis anos.
Em 1702, Bartolomeu retornou ao Brasil e deu início ao processo de sua ordenação sacerdotal. Três anos depois ele requereu à Câmara da Bahia a patente para o seu aparelho inventado anos antes - invento para fazer subir água a toda a distância e altura que se quiser levar. A patente foi expedida em 23 de março de 1707 pelo rei Dom João V. Foi essa a primeira patente de invenção outorgada a um brasileiro.
Em 1708, já ordenado padre, Bartolomeu embarcou mais uma vez para Portugal. Logo após sua chegada, em 1 de dezembro, matriculou-se na Faculdade de Cânones da Universidade de Coimbra. Passados alguns meses, contudo, abandonou a faculdade para instalar-se em Lisboa, aonde foi recebido com sumo agrado pelo Rei Dom João V e pela Rainha Maria Ana da Áustria, apresentado que fora aos soberanos por um dos maiores fidalgos da Corte, Dom Rodrigo Anes de Sá Almeida e Menezes. Esse homem era ninguém menos que o 3º Marquês de Fontes, o mesmo que o havia recolhido à sua casa quando da sua primeira estada em Portugal.
Na capital portuguesa o padre Bartolomeu pediu patente para um "instrumento para se andar pelo ar" - que se revelaria ser, mais tarde, o que hoje se conhece por aeróstato ou balão -, a qual foi concedida no dia 19 de Abril de 1709. O sacerdote era recém-chegado do Brasil, sua terra natal, onde já era conhecido como inventor. Mas aquela criação era de uma ousadia inédita. Bartolomeu de Gusmão queria voar, e conseguiu. Ele criou um objeto capaz de deslizar pela atmosfera sem apoio nenhum. "Pela primeira vez na história, um aparelho construído pelo homem venceu a gravidade", disse Araguaryno Cabrero dos Reis, brigadeiro reformado da Força Aérea Brasileira.
Anos antes, ao examinar o comportamento de uma chama, não se sabe se de uma vela ou fogueira, Bartolomeu de Gusmão percebeu que o ar quente podia elevar pequenos objetos. Por falta de documentos históricos, é difícil saber como tudo realmente ocorreu. Especula-se que a descoberta tenha se dado quando uma pequena bolha de sabão, ao passar sobre uma vela, foi fortemente jogada para as alturas. O fenômeno pode ter ocorrido ainda com pedaços de papel que, queimados, transformaram-se em fuligem e ascenderam. Foi isso que inspirou o padre a projetar o primeiro aeróstato, um aparelho parecido com nosso balão de São João.
Bartolomeu de Gusmão (Benedito Calixto)
As Experiências Com Balões
Em agosto, finalmente, Bartolomeu de Gusmão fez perante a corte portuguesa cinco experiências com balões de pequenas dimensões construídos por ele: na primeira, realizada no dia 3 na Casa do Forte, Palácio Real, o protótipo utilizado pegou fogo antes de subir; na segunda, feita no dia 5 noutra dependência do palácio, a Casa Real, o aeróstato, provido no fundo duma tigela com álcool em combustão, se elevou a 4 metros, quando começou a arder ainda no ar, sendo imediatamente derrubado por dois serviçais armados de paus, receosos de um incêndio aos cortinados do recinto; na terceira, feita no dia 6 novamente na Casa do Forte, o balão, contendo no interior uma vela acesa, logrou fazer um vôo curto, mas se queimou no pouso; na quarta, feita no dia 7 no Terreiro do Paço, hoje Praça do Comércio, o balonete elevou-se a grande altura, pousando lentamente minutos depois; na quinta, feita no dia 8 na Sala das Audiências, no interior do Palácio Real, o globo subiu até o teto do aposento, aí se demorando, quando enfim desceu com suavidade.
Em 3 de outubro de 1709, na ponte da Casa da Índia, o padre fez nova demonstração do invento. O aparelho utilizado era maior que os anteriores, mas ainda incapaz de carregar um homem. A experiência teve êxito absoluto: o aeróstato subiu alto, flutuou por um tempo não medido e pousou sem estrépito.
Cinco testemunhas registraram essas experiências: o cardeal italiano Miquelângelo Conti, eleito papa em 1721 sob o nome de Inocêncio XIII, os escritores Francisco Leitão Ferreira e José Soares da Silva, nomeados membros da Academia Real de História Portuguesa em 1720, o diplomata José da Cunha Brochado e o cronista Salvador Antônio Ferreira, portugueses.
Em 1843 o escritor Francisco Freire de Carvalho disse haver tomado conhecimento, por intermédio de um ancião chamado Timóteo Lecussan Verdier, de uma outra experiência aerostática, assistida pelo diplomata português Bernardo Simões Pessoa, em que o balão partiu da Torre de São Roque e caiu junto à Costa da Cotovia por detrás do Jardim São Pedro d’Alcântara. Segundo Francisco Freire de Carvalho, Timóteo Lecussan Verdier, por sua vez, assegurava que o relato da ascensão lhe fora transmitido pelo próprio Bernardo Simões Pessoa em tempos muito anteriores ao ano de 1783, quando dos primeiros vôos de balões na França.
Lamentavelmente, todas essas experiências, embora assistidas por ilustres personalidades da sociedade portuguesa da época, não foram suficientes para a popularização do invento. Os pequenos balões exibidos, além de não haverem sido encarados como inovação importante ou útil, por serem desprovidos de qualquer tipo de controle - eram levados pelo vento -, foram considerados perigosos, pois podiam, como se vira, provocar incêndios. Esses fatores desestimularam a construção de um modelo grande, tripulável.
O anúncio sobre a tal máquina de voar inquietou a sociedade de Lisboa no verão de 1709. Em 3 de agosto, Bartolomeu de Gusmão mostrou à família real, fidalgos e autoridades eclesiásticas do que era capaz a sua engenhoca. Durante a primeira tentativa, os ilustres convidados esperavam impacientes na sala de audiências do Palácio, quando veio a frustração. Vítima de suas próprias chamas, o pequeno balão de papel cheio de ar quente foi queimado antes de alçar vôo. O segundo ensaio teria ocorrido dois dias depois. Ansiosa, a platéia da ocasião teve mais sorte: o globo de menos de meio metro de comprimento subiu pouco mais de quatro metros. Alguns criados do Palácio, preocupados com a possibilidade de o invento incendiar as cortinas, lançaram-se contra o balão para que ele não alcançasse o teto.
O mérito de Bartolomeu de Gusmão foi reconhecido somente na terceira tentativa. Dessa vez, no pátio do Palácio, perante o Rei de Portugal, Dom João V, e a Rainha, Dona Maria Anad, o aeróstato ganhou os ares. Ergueu-se lentamente, indo cair, quando esgotada sua chama, no terreiro da casa real. A inédita máquina mais leve do que o ar impressionou o público, mas não cumpriu sequer metade das façanhas que Bartolomeu de Gusmão prometera a Dom João V.
Em seus pedidos de patente, ele anunciava feitos fantásticos. Dizia que sua invenção facilitaria a descoberta de novas terras, fazendo "da nação portuguesa a glória deste descobrimento". Afirmava tratar-se "de um instrumento para se andar pelo ar, da mesma sorte que pela terra e pelo mar, e com muita brevidade, fazendo-se muitas vezes duzentas e mais léguas de caminho por dia". Azar de Bartolomeu de Gusmão. A Corte não estava preocupada com a ciência. Eles queriam era ganhar dinheiro com ouro e ter uma vida suntuosa, diz Henrique Lins de Barros, pesquisador da história da aviação e autor do livro Santos Dumont: O Homem Voa!
"Passarola" - Original no acervo da Torre do Tombo, em Lisboa
A Passarola
Embora não tenha surpreendido os portugueses, o aeróstato aguçou o imaginário do restante da Europa. A notícia que se espalhou rapidamente foi de que um padre havia voado nos ares de Lisboa. A máquina ganhou proporções mitológicas e ficou conhecida, a partir daí, como Passarola. O nome se deve a um desenho apócrifo que surgiu na época. A imagem representava o aeróstato em forma de um pássaro, com uma cabeça de águia e cercado por instrumentos científicos. A ilustração trazia ainda o próprio Bartolomeu de Gusmão a bordo, como se ele tivesse voado dentro de seu engenho. Suspeita-se que o próprio "Padre Voador", que na realidade nunca voou, seria o autor do desenho, junto com seu discípulo e amigo Conde de Penaguião. Uma brincadeira de rapazes, com a qual eles pretendiam despistar possíveis interessados em copiar o experimento de Bartolomeu de Gusmão.
Prova disso é que o desenho da Passarola não mostrava a fonte térmica responsável pela subida do balão, característica imprescindível para que o invento funcionasse. "Ele não dá a chave do problema, que é a fonte de calor, e ainda se coloca dentro do invento. É possível que tenha feito isso para esconder os segredos de sua descoberta", afirma Lins de Barros. Em função da imagem fantasiosa, diversos historiadores europeus e norte-americanos situaram Bartolomeu de Gusmão como um dos muitos precursores da aeronáutica cujos trabalhos não possuíam nenhuma base científica. Depois das especulações desastrosas, ele abandonou completamente seu projeto.
As primeiras ilustrações da Passarola haviam sido na verdade elaboradas pelo filho primogênito do 3º Marquês de Fontes, Dom Joaquim Francisco de Sá Almeida e Meneses, com a conivência de Bartolomeu de Gusmão. O 8º Conde de Penaguião e futuro 2º Marquês de Abrantes contava 14 anos em 1709 e era, então, aluno de matemática do padre, sendo a única pessoa à qual ele permitia livre acesso ao recinto em que o engenho voador era guardado. Como o rapaz vivesse assediado por curiosos, que constantemente lhe faziam indagações acerca da invenção, resolveu ele, para deixar de ser importunado, elaborar o exótico desenho da Passarola, em que tudo era propositadamente falseado. E para preservar o verdadeiro princípio da invenção – o Princípio de Arquimedes –, atribuiu a ascensão da engenhoca ao magnetismo, que era então a resposta para quase todos os mistérios científicos. Esperava dessa maneira melhor proteger o segredo confiado à sua guarda e ludibriar os bisbilhoteiros. Comunicou o plano a Bartolomeu de Gusmão, que o aprovou, e fingiu deixar o desenho escapar por descuido. A Passarola, inspirada ao que parece na fauna fabulosa de algumas lendas do Brasil, acabou sendo rapidamente copiada, logo se espalhando pela Europa em várias versões, para grande riso dos dois embusteiros.
Toda essa trama seria descoberta anos depois por um poeta italiano, Pier Jacopo Martello (1625 - 1727), e revelada por ele na edição de 1723 do livro Versi e Prose, em que fazia um longo e meticuloso histórico das tentativas do homem para voar, das mais antigas às mais recentes daquele tempo.
A Inquisição
Entre 1713 e 1716 viajou pela Europa. Em 1713 registrou na Holanda o invento de uma "máquina para a drenagem da água alagadora das embarcações de alto mar", patente que só veio a público em 2004 graças a pesquisas realizadas pelo arquivista e escritor brasileiro Rodrigo Moura Visoni).
Viveu em Paris, trabalhando como ervanário para se sustentar, até que encontrou seu irmão Alexandre de Gusmão, secretário do embaixador de Portugal na França.
O padre Bartolomeu de Gusmão voltou a Portugal, mas foi vítima de insidiosa campanha de difamação. Acusado pela Inquisição de simpatizar com cristãos-novos, foi obrigado a fugir para a Espanha, no final de setembro de 1724, com um seu irmão mais novo, Frei João Álvares, pretendendo chegar à Inglaterra.
Segundo o testemunho que, mais tarde, João Álvares daria à Inquisição espanhola, Bartolomeu de Gusmão ter-se-ia convertido ao judaísmo, em 1722, depois de atravessar uma crise religiosa. O relato de João Álvares ao Santo Ofício, ainda que deva ser considerado com cautela, mostra, segundo Joaquim Fernandes, aspectos místicos, messiânicos e megalômanos do "Padre Voador".
Família Influente
Um dos motivos para Bartolomeu de Gusmão ter boas relações com a realeza estava na proximidade com seu irmão Alexandre de Gusmão, homem de confiança do rei Dom João V. Alexandre auxiliou o rei durante as negociações do Tratado de Tordesilhas, que definiu as áreas do Novo Mundo entre Espanha e Portugal.
Inventor Incansável
Além do balão e da bomba elevatória de água, Bartolomeu de Gusmão inventou uma forma de drenar embarcações – a criação foi definida na época como um "processo para esgotar água sem gente, dos navios alagados". Anos depois, na Holanda, ele também criou um sistema de lentes para assar carne ao sol.
Herdeiros do Padre
Foi só 74 anos depois da criação do padre brasileiro, que um balão tripulado alcançou o céu com sucesso. Depois de seis anos de pesquisas e experiências, os irmãos franceses Joseph Michel e Jacques Étienne Montgolfier conseguiram, em 4 de junho de 1783, na cidade de Annonay, voar dois quilômetros, a uma altitude máxima de 2 mil metros.
Morte
Em Toledo, Espanha, Bartolomeu de Gusmão adoece gravemente, recolhendo-se ao Hospital da Misericórdia daquela cidade, onde veio a falecer em 18 de novembro de 1724, aos 38 anos. Antes de morrer, porém, confessou-se e recebeu a comunhão, conforme o rito católico, e assim foi sepultado na Igreja de São Romão, em Toledo. Foram feitas, ao longo de décadas, várias tentativas para localizar a sua tumba, o que só ocorreu em 1856. Parte dos restos mortais foi transportada para o Brasil e se encontra, desde 2004, na Catedral Metropolitana de São Paulo.