Nas asas te levo da ilha à Conchada
Morreu momentos antes de embarcar no voo da PAA que ligava Santa Maria a Lisboa. Acabada a digressão musical, o coração cedeu. Estava a dois meses de completar sessenta e quatro anos de idade. Era segunda-feira, dia cinco de Setembro do ano de 1966.
Eram sete e meia da manhã. Havia ainda muito dia pela frente antes que o escuro da noite tomasse conta do dia. Nos Açores, o mês de Setembro pode ser tão doce como o vinho doce que se vindima por esta altura nos currais da praia de São Lourenço.
O Orfeão dera um último espectáculo na ilha de Santa Maria. Parecia estar tudo a correr bem a Raposo Marques. A cortina do espectáculo descera, levava na bagagem o lisonjeiro eco dos aplausos, o irmão e os sobrinhos rodeavam-no, a seu lado, a esposa, e, no entanto, a cortina do palco da sua vida estava prestes a cair para sempre. Vida e Morte: duas caras de uma única existência.
Como é sabido, o local onde se nasce é aquele em que a mãe está à altura do parto e aquele em que se morre é onde estamos à altura em que se morre. Como se sabe ainda, em podendo, a gente enterra-se onde se quer enterrar.
Raposo Marques vivera mais de quarenta anos em Coimbra e pouco mais do que vinte na Ribeira Grande. Fora naquela cidade do Mondego que se celebrizara.
Para cobrir a urna, conterrâneos da Ribeira Grande enviaram coroas de flores. Era fácil mandá-las pelos aviões da SATA que ligavam o aeroporto de Santana a Santa Maria. Entre vários ramos, havia um com uma dedicatória onde se lia: Ao Dr. Raposo Marques Do Círculo dos Amigos da Ribeira Grande. 5-9-1966. Fora enviada pelo padre Edmundo Pacheco, um elemento fundador do Circulo dos Amigos. Na outra ponta da fita, trazia uma quadra. De quem seria? Do poeta Ezequiel Moreira da Silva, antigo professor de Raposo Marques? Ou do poeta Albano Cordeiro? Não sei. Dizia assim: Flores da Ribeira Grande/A corar na despedida, / São homenagem na morte/ Como já foram na vida.
Foi sepultado no cemitério da Conchada, num alto do coração da Cidade de Coimbra. Sepultado no jazigo da família Luís Augusto da Fonseca, família da esposa.
Mário Moura