Quando esfriar, nem te lembras das minhas medalhas
Manuel, como ficou a saúde da tua fama depois de desceres ao túmulo da Conchada? Quando ainda os vivos por medo dos mortos, cuidavam em impedir o teu regresso à vida, dispensaram-te gulosas urbanidades. Já em Dezembro, é inaugurada na Universidade de Coimbra uma exposição ilustrativa da tua carreira e ‘notável acção junto do Orfeão Académico’. Testemunhos de famas, breves ilusões de curta vida, exibem-te, como tu tanto adoravas, condecorações e diplomas. Uma vez, vi, por entre o labirinto de gabinetes da Associação Académica de Coimbra, uma sala com o teu nome. Já não a vi, porém, quando, passados tempos, a quis rever. Perdi-me ou perdeu-se de mim?
Na nossa terra, atribuíram-te o nome a uma rua principal de um bairro periférico. Há provas fotográficas de terem existido placas comemorativas: duas na casa onde nasceste e, uma terceira, no Teatro, altar-mor da tua sagração local. A placa do Teatro já lá não está, e, pelo menos, uma das duas da casa, também não.
Se é certo que a tua estrela da sorte começou cedo a brilhar logo no início da tua carreira artística é certo que começou cedo a empalidecer logo após a tua morte. Que razões o explicam? Será porque partiste oito anos antes do 25 de Abril de 1974 chegar? Será porque a música para ti ficava acima e vinha antes de tudo? Será por a geração politicamente comprometida da esquerda considerar o Orfeão politicamente comprometido com a direita? Será por outros interesses? Ou desinteresses?
Quase vinte e dois anos após teres morrido, arrefecidas as brasas das paixões políticas, regressaste à lembrança de alguns dos teus alunos. O teor da placa é banal mas significativo: Homenagem dos Antigos orfeonistas do orfeão Académico da universidade de Coimbra ao saudoso maestro Dr. Manuel Raposo Marques aquando da sua passagem pela Ribeira Grande em 8 de Junho de 1988.
A terra não percebeu o alcance do gesto. Terá invejosamente ruminado que se trataria de mais uma placa na casa do Marques Fanforra. Mas não era, era o reencontro dos orfeonistas com o seu próprio passado.
Já várias vezes confessei a minha dificuldade em distinguir os traços essenciais da vida de Raposo Marques, para tal, usei na ocasião a imagem das mãos cobertas de cascalho tentando segurar o iró que se quer esgueirar, reitero-o de novo, porém, usando agora uma nova imagem: a das imagens dos corpos refractados nos espelhos dos circos que arribavam à terra todos os anos como os cagarros.
Mário Moura