Não se esqueçam de mim, só porque morri!
Não se sabe se Nunes da Ponte quis, como toda a gente parece querer, ser lembrado depois da morte, o que se sabe é que os filhos não o deixaram morrer depois de morto. Ele foi o Fernando de Bulhões - Santo António da Ribeira Grande e do Porto, pois, muito embora sendo filho natural da primeira era filho adoptivo da segunda.
Homem de sorte na morte, como fora em vida, pois, apesar do relativo desinteresse institucional, o interesse pelo eco da sua vida para além da sua morte, parte, sobretudo, do empenho polinizador dos seus descendentes. O maior e o principal sacerdote da memória paterna é o filho Luís Monteiro Nunes da Ponte. Transmitiu a netos e a filhos a memória do pai e não deixou que as instituições o esquecessem. Ao escrever sobre o progenitor, omitindo os cargos já por nós conhecidos, quis recordá-lo para a posteridade como um ‘(…) distinto medico (…)’ e um ‘(…) mimoso poeta (…).’ Escreve-o entre 1945 e 1963: é provável que achasse inconveniente em tempo do Estado Novo gabar o desempenho do pai na I República.
Sendo já conveniente fazê-lo em tempos da III República, alguns bisnetos, ocupando posições influentes na vida política nacional, ao verem aproximar-se as celebrações do centenário da I República, lograram incluir nelas a celebração da memória do bisavô. No dia 5 de Outubro de 2011, é esclarecedor, deslocando-se do Porto, um trineto de Nunes da Ponte, assiste ao lado do pai, na Ribeira Grande, à inauguração da Avenida Dr. José Nunes na Ponte.
As homenagens institucionais afluíram ainda o corpo não arrefecera: ainda no mês de Setembro de 1924, mês em que falecera, e pouco depois, já em Janeiro de 1925, o Porto pretendeu dar ‘(...) à nova rua entre o Castelo do Queijo e a Rua Marechal Saldanha, na Freguesia da Foz do Douro, [onde vivera] (...) o nome de Rua Dr. Nunes da Ponte’. E deu.
A seis de Novembro de 1924, a Ribeira Grande decidiu que o seu nome ‘(...) ficasse a figurar numa das ruas da sua terra (...)’. Porém, só o faria em 2011.
Da terra natal e da de adopção, os preitos ao mais alto nível da nação, chegaram do hemiciclo do Parlamento Nacional. Decorridos dois meses da sua morte, em Novembro, são votados dois votos de pesar. Um, de Sá Cardoso, reconhecendo que Nunes da Ponte fora: ‘(…) um velho combatente da República nos tempos da propaganda.’ E, que exercera o ‘(…) lugar de Presidente desta [daquela] Câmara’. Em vésperas de Natal, ironicamente ou não, os ditos saíram secos como as passas do Algarve. Outro, de Sá Pereira, repete o chavão habitual: ‘velho republicano de sempre (…) na propaganda contra a monarquia (…).’ Atribui-lhe uma pertença: ‘na capital do norte (…).’ E, novidade: ‘(…) foi de uma admirável dedicação.’ Mais empático, mas sem fugir à conveniente linguagem descarnada da praxe: ‘O nome de Nunes da Ponte impôs-se sempre à nossa veneração (…).’ Palavras não só de circunstância? E diz: ‘(…) Neste momento não podemos deixar de nos curvar perante a memória do austero republicano’.
Onde se situa o biógrafo? Não pretendo traçar uma biografia comemorativa, interessa-me apenas trabalhar uma biografia crítica e interpretativa. Pergunto-me: será que me perco aqui? Ou ainda: será que a chave para vislumbrar a vida deste homem não é daquelas que por serem mestras abrem tudo e mais alguma coisa? Das que, abrindo tudo, acabam por não abrir nada em especial? Nada mais posso prometer, além do prometer tentar a lucidez de o evitar.
Mário Moura