Travessia para o vale das Sombras
Travessia
Quando Nunes da Ponte atravessa a ponte da Vida que conduz ao Vale das Sombras, já o haviam precedido dois conterrâneos seus conhecidos das lides do antes e do depois da implantação da República: Manuel de Arriaga, em Março de 1917, e Teófilo de Braga, em Janeiro de 1924.
Como terá reagido à aproximação da sua travessia? Descrente das coisas deste Mundo, acreditou na Vida Eterna? Quarenta anos após a morte do progenitor, o filho Luís lembrou que o pai quis ser amortalhado no Hábito de São Francisco. Porém, três anos antes da sua morte, fora considerado agnóstico. Conversão de última hora? Se chegou a ser ou não, não sei. Desenganado, fechou-se sobre si, como muitos fazem, como a querer distanciar-se do desassossego e regressar ao sossego antes do sossego final? A querer enganar-se da morte, meteu-se de alma e coração nas coisas da vida, como fazem outros?
Tenha ou não feito uma ou todas estas coisas em tempos diferentes, morreu às três horas da tarde do dia 5 de Setembro de 1924. Foi na casa número cento e trinta e seis da rua do Alto da Vila, na Foz do Douro, cidade do Porto. Ia chegar no mês seguinte às fatídicas ‘bengalinhas’: 77. Nunes da Ponte nasceu no reinado de D. Maria II e morreu durante a presidência de Manuel Teixeira Gomes. Se a informação for clinicamente correcta, morreu de nefrite.
Não se enterra na cidade do Porto, como seria de esperar, para quem desempenhara altos cargos naquela cidade, mas em Midões, uma remota aldeia beirã, berço primordial dos Soares de Albergaria. O pequeno cemitério de Midões fica situado na margem esquerda do rio Mondego. Ao mausoléu dos Soares de Albergaria, da família da esposa, Nunes da Ponte preferiu um jazigo sem brasão, onde figura apenas o seu nome inciso em granito quase já apagado: ‘Jazigo da família de José Nunes da Ponte’.
Como foi lembrado Nunes da Ponte: é isso que veremos a seguir.
Mário Moura