Duas Vidas
Mantenho as dúvidas que mantive ao longo deste longo trabalho: terei agarrado bem as vidas de José Nunes da Ponte (1848-1924) e de Manuel Raposo Marques (1902-1966)? Ao chegar ao fim, a sensação com que fico é que me escaparam como me escapavam os irós apanhados com engodo de caracol na ribeira onde aprendi a tomar banho. Apesar de tentar segura-los com areia nas mãos.
As casas dos pais avistavam-se: a de Nunes da Ponte, logo no arranque do outeiro da rua vigário Matias, a de Raposo Marques, na coroa do outeiro. Partilhando o mesmo espaço mas em tempos diferentes.
Importará dizer que, tendo nascido e vivido até à idade da adolescência na Ribeira Grande, idade em que muito da personalidade e do carácter da pessoa se cola à alma como um luva se ajusta à mão molhada, a Ribeira Grande foi o seu primeiro e eterno amor. Mas, indo ambos estudar bem novos para Coimbra, acabariam por acrescentar aquele primeiro amor outros amores tão intensos e ternos como o primeiro. Raposo Marques viveria torridamente duas intensas paixões, Ribeira Grande e Coimbra; Nunes da Ponte, mais cerebral do que Raposo Marques, viveria suavemente três, Ribeira Grande, Coimbra e Porto.
O primeiro, foi o primeiro Presidente Açoriano do Congresso e do Senado da República Portuguesa, além de ter sido Presidente e Governador Civil do Porto, o segundo, foi regente da Tuna e do Orfeão Académico de Coimbra durante quarenta anos.
O primeiro, tratava a fama com pudor, o segundo, com volúpia. O primeiro, era um homem maduro a quem se podia confiar a gestão pública, o segundo, era o eterno imaturo, de quem os adultos desconfiavam e os jovens do orfeão e da tuna se confiavam. Os adultos, desconfiando da sua maturidade, não o levariam muito a sério.
José Nunes da Ponte jamais voltaria à Ribeira Grande. Ao contrário, de barco ou de avião, de férias ou não, com a Tuna ou o Orfeão, Manuel Raposo Marques voltou repetidas vezes à Ribeira Grande.
Nem um, nem outro, ao morrer, viria a ser sepultado junto aos pais no cemitério de Nossa Senhora da Estrela, na Ribeira Grande. Enquanto, Nunes da Ponte descansa o sono eterno, em Midões, uma aldeia remota da Beira, Raposo Marques aguarda o Juízo Final no cemitério da Conchada, em pleno coração da cidade de Coimbra.
É destes dois que me irei ocupar em próximos números.
Mário Moura