VIDA EMOCIONAL
 
 
   Entenda-se por “momentos inesquecíveis”, algumas lembranças que não se apagam.
 
1. Meu primeiro dia no Jardim Encantado na Praça Seca onde, depois de muito choro, foi-me dado cavalinhos de plástico para me acalmar.
 2. As visitas de meu avô Sildo, recentemente separado, na Rua Dr. Jacundino Barreto, onde eu escondia minha chupeta debaixo do ventilador para que ele não me chamasse a atenção e suas brincadeiras de cavalinho comigo em tais ocasiões.
 3. Meu amigo jornaleiro, Marcelo, na Rua José Silva.
 4. O Colégio Pólen e o Colégio Nossa Rainha dos Corações me trazem muitas imagens de minha infância. As brincadeiras, o contato com a terra, os primeiros colegas e minhas fugas. O medo que tive das professoras vestidas de freiras, a porta de vidro que arrombei e a fuga! Minha mãe, com a mão engessada na época à minha caça nas ruas. Depois me acostumei com tais professoras.
 5. O apartamento de Sumiko, os muitos tapetes, livros, enfeites, uma carranca, muitos discos e o disco que pus para tocar: The Beatles. Oito anos de idade, Praça Seca.
6. O dia em que fui com minha avó Leda numa mercearia e ela havia esquecido o nome papel higiênico e pediu: papel limpa-bunda! Que vergonha senti.
7. Quando Peninha e meu pai foram me buscar no hospital na ocasião em que eu operei a garganta, aos cinco anos de idade e fomos pela Barra da Tijuca no auge do sucesso Sonhos. Lá eu quis sorvete, Peninha falou que eu não poderia tomar gelado e eu pedi que procurássemos sorvete quente.
8. Na casa de Peninha em Jacarepaguá, onde sua filha se afogava na piscina e eu o acordei às pressas espetando um palito de dente em seu pé, dando tempo assim para que ele a tirasse da piscina.
9. Esperando a possível visita de meu pai, confundindo-o com um homem que ia na calçada em frente ao Colégio Nossa Senhora Rainha dos Corações; corri, gritei papai e pulei em suas costas.
10. Minhas idas à casa de meu avô na Rua Retiro dos Artistas e depois em seu sítio próximo a um centro de macumba onde freqüentava ou era dono o trapalhão Zacarias na Rua Araticum no Largo do Anil. O rio que passava no sítio, as cabras, as galinhas, os canários e as máquinas fotográficas.
11. Minha ida à maternidade na ocasião do nascimento de meu primo Carlos Eduardo.
12. Minha ida junto a meu pai no Pão de Açúcar e no Corcovado.
13. Os passeios de reconhecimento pelo bairro do Pechincha, a pedreira no fim da Rua José Silva, um sítio de eucaliptos e um hospital abandonado.
14. Meus passeios sozinho, matando aulas do colégio em Copacabana. Ônibus, metrô, trens e barcas; conhecendo assim aos onze anos de idade a metrópole do Rio de Janeiro. Na época, a camisa de colégio público era ingresso gratuito em tais transportes. Num desses passeios, tendo ido parar na Restinga de Marambaia, área militar, um sargento percebendo minha aventura, designou um soldado que me entregasse em casa na Atlântica. Chegando lá eu lhe disse: aqui está bom! Ele disse: A ordem que tenho é de lhe entregar a seu pai! Pronto, fui descoberto em minha odisséia e veio a surra!
15. Minha madrasta completamente bêbada numa sexta-feira tentando me agredir nas barcas Rio – Niterói com mil e poucos expectadores. Depois no ônibus para Santa Rosa, a mesma deitando sobre o capô e ainda na ladeira Travessa Santa Rosa do Viterbo dando uma banda em meu pai e quebrando assim os seus óculos.
16. Um tapa na cara dado por minha mãe em meio à multidão de transeuntes em Madureira, devido a minha insistência por comprar uma bananada.
17. As três ocasiões em delegacias, uma em que meu pai socorreu uma mulher no réveillon de 1984 em Copacabana, outra em que meu pai havia agredido minha mãe e a última em Niterói quando eu era o agredido por ele e já relatado anteriormente.
18. Meus primeiros jacarés com uma prancha de isopor, matando aulas novamente, na praia de Piratininga.
19. Algumas noites na discoteca Pioneiros, bairro Vital Brasil, ouvindo e dançando rocks nacionais e a turma de pichadores que éramos.
20. Minha primeira viagem de avião: São Paulo – Rio, com meu pai.
21. O dia em que me pai me proibiu de escutar Camisa de Vênus.
22. Alguns papos com a psicóloga do Colégio Guilherme Briggs em Santa Rosa.
23. Minha primeira bicicleta, uma Caloi Cross, preta, trocada por um rádio toca-fitas que eu tinha. Pela madrugada, tendo Ilimar dito ao meu pai que eu havia roubado uma bicicleta, tivemos de ir às três da manhã desfazer a troca. Tive tal bicicleta por uma tarde.
24. Meus cadernos, tabelas e botões. Campeonatos e mais campeonatos durante anos, jogando sozinho.
25. Dia 12 de junho de 1988, quando Jeani se muda para Pernambuco.
26. Mesmo dia à noite, numa igreja evangélica em Caxias, onde faço minha profissão de fé.
27. Minha primeira pregação na mesma igreja em culto de evangelização domingo à noite no dia 26 de fevereiro de 1989. O texto foi Mateus capítulo 24, 1-14.
28. Dia 04 de agosto de 1989, falecimento de meu pai na reserva biológica do Tinguá em Nova Iguaçu e seu enterro no cemitério de Mesquita. No mesmo dia do enterro, voltando do cemitério, eu, minha madrasta e Dr. Elói no bairro da Posse almoçando e esse grande amigo de meu pai cantando minha madrasta.
29. Um “público” de quase 3000 pessoas num encontro missionário em Ouro Preto do Oeste em Rondônia. Tremi antes da cabeça aos pés.
30. Minha passagem pela divisa do Brasil com a Bolívia, próximo à cidade de Cáceres; o pantanal, o bambuzal batendo no pára-brisa do ônibus e aquele povo com aparência indígena.
31. Minha ida a um hospital na Bolívia onde eu disse à enfermeira que queria “sacar minha presión”, onde ela disse mais ou menos assim: ¿como tu vá a vivir sin su la presión?
32. Numa reunião de estudo bíblico em Ariquemes, Rondônia, que havia sido antecedida por uma sessão de piadas na casa de um dos presbíteros, do alto do púlpito eu via com gosto a simpatia de tal religioso e sua vermelha cabeça que continha apenas alguns fios laterais de cabelos. Verão e muitos mosquitos e besouros sobrevoavam o templo. Um desses besouros agarra-se aos poucos fios de tal ouvinte, inicia-se diante da cena risos de um lado, risos de outro enquanto o mesmo se bate assustadamente, até que todos explodem numa crise de risos sem fim. Reunião interrompida. Voltamos alguns minutos depois à reunião e a incidência de besouros causa uma nova crise de risos: reunião interrompida novamente e finalizada!
33. Minha ida a São Paulo, 1994, para buscar meu histórico escolar; o bilhete anexo ao envelope: Marcelo apareça na casa de Márcia. Algumas crianças sentadas no quintal, todas negras e um menino moreno bem claro no meio: Marcelo, seu filho, Alexandre. Tinha ele um ano e quatro meses.
34. Acordei e senti a cama molhada: Você urinou na cama Marta? Não! Repondeu-me. Sua bolsa estourou! Saí para trabalhar. Pela tarde passa a minha cunhada e me avisa que Marta havia ido para a maternidade. Saio de Ipiabas para o centro de Barra do Piraí, chego ao hospital e Dr. Antônio Claret me avisa que irá iniciar o trabalho de parto. Vou a uma padaria próxima e me encho de sonhos. Começa uma forte chuva e não me é permitido a assistir ao parto, cesariana. Subo debaixo do aguaceiro em cima de um ar-condicionado para tentar ver algo, a cortina se fecha. Nasce João Marcos Braga da Silva no dia 03 de setembro de 1996. Peço à enfermeira que, no berçário, tire as roupas do bebê embrulhado, queria ver se era perfeito. Depois de muita insistência ela me atende. O obstetra me avisa que terei de pagar a cesária, o SUS não estava cobrindo tal operação. Peço então que ele me dê seus santinhos de candidato a vereador para morrer tal suposta dívida. Olho para o relógio, quinze minutos para o último ônibus de volta à Ipiabas, meto as mãos no bolso: nenhuma moeda, havia gasto tudo em sonhos. Falo ao doutor que eu teria de dormir no hospital, ele enche meu bolso de moedas e me diz: boa viagem!
   Chego de volta à Ipiabas, muita chuva, todos os bares fechados, falta luz, ponho pilhas na vitrola e fico ouvindo Zé Ramalho até amanhecer.
36. Minha viagem de mudança para Rondônia, carnaval de 1997. A cidade eu escolho já dentro do estado: Ouro Preto do Oeste. Deixo Marta e João Marcos na rodoviária, desço algumas ruas, alugo uma casa, compro móveis e alimento, espero passar o carnaval, faço uma rápida viagem ao Rio Branco do Acre, acaba o dinheiro e começo a trabalhar numa empresa de ônibus: União Cascavel.
37. Minha viagem ao desconhecido estado de Santa Catarina, pouco dinheiro, tendo vendido o pouco que eu tinha em Santa Cruz. A cidade de Blumenau, alguns pontos turísticos que visitei aguardando chegar meia-noite, onde sairia o ônibus para Fraiburgo. A ansiedade em conhecer uma cidade de dupla-colonização: Itália e Alemanha, as plantações de maça, as geadas, a pequena nevasca, o lago, o sotaque do povo, as flores e as casas de madeira com pintura de tom sobre tom.
38. Meu encontro com Isabel na rodoviária Novo Rio e o início de nossa jornada juntos.
39. Quase trezentas chapas de off-set, duas madrugadas na Ilha do Governador imprimindo o miolo, mês de Julho de 2006, meus tão sonhados livros impressos, depois de quase seis meses sem salário, cobrindo todas as despesas. Havia eu criado a idéia das capas, a editoração e diagramação dos livros, impresso o miolo, feito o acabamento e a divulgação. Eram como se filhos novamente.
40. Em outubro de 2006, depois de muitas cartas a faculdades de letras, faixa na frente da biblioteca, anúncios em jornais, convites pessoais e panfletos espalhados pela região da Penha, o lançamento de minha Coleção Dilema. As poucas pessoas que foram, os poucos livros que vendi, a seleção musical que havia feito em MP3 e o coquetel que ali servimos.
41. Minhas noites com Isabel, novembro e dezembro de 2006, calçadão da praia da Barra da Tijuca, quiosque em quiosque, mesa em mesa, oferecendo meus livros e assim sobrevivemos no Itanhangá naqueles dois meses. Algumas amizades, povo muito educado e o vislumbre de uma vida tranquila.
42. Imprimindo na Ilha do Governador um panfleto católico que anunciava a festa de São José Operário em outubro de 2007, celular toca, Isabel ligando de Alcântara: Marcelo, estou grávida!
43. Sábado para domingo, madrugada, mês de maio, dia 04, Isabel começa a passar mal. Passeamos de ambulância da SAMU. Primeiro hospital, o obstetra de plantão na maternidade municipal em São Gonçalo nos informa que era apenas o feto se movendo. O motorista da SAMU não leva muita fé, nos encaminhamos então para a Santa Casa na Praça XV, aonde havia sido feito o pré-natal. Chegamos já amanhecendo o dia, não havia médico auxiliar para realizar a cesariana. Atravessamos novamente a Ponte Rio – Niterói: Maternidade Alzira Reis em Charitas. Fomos aceitos ali depois de alguma insistência. Fico por uma meia hora no quarto de pré-parto com Isabel já sentindo as intensas dores da contração; lhe dou banho e sou convidado a dar lugar à minha sogra, tendo sido reparado por algumas enfermeiras o meu nervosismo diante daquela situação nova para mim. Muita preocupação com Isabel devido à sua idade: 42 anos. As horas passam, tento me acalmar passeando no calçadão da praia próximo à estação das barcas de arquitetura de Niemayer. Às 12:50 daquele lindo domingo nasce Ana Julia e corre tudo bem com as duas novas mulheres de minha vida! Às 16 horas começa a final do campeonato carioca entre Flamengo e Botafogo: Flamengo campeão! Nem precisava...
 
 
Marcelo Braga
Enviado por Marcelo Braga em 11/05/2011
Reeditado em 11/05/2011
Código do texto: T2962922
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