ANTONIO SARAIVA - Português, Trancosense e Pintor
ANTÓNIO SARAIVA
Português, Trancosense e Pintor
António Saraiva, melhor, o “Senhor António da Loja do Povo” é, a caminho dos 80 anos de idade, um dos valores artísticos de Trancoso, que ama a sua terra nos seus recantos quantas vezes despercebidos para as pessoas que por eles passam no dia-a-dia.
Meão de estatura, trato afável, recatado no seu mundo, um sorriso perscrutando sempre uma qualquer historia da vida, a mesma que o marcou ao longo dos tempos e o moldou na profissão e na arte, recusa ser um “artista” na verdadeira acepção da palavra, mas tão somente um “ fazedor de quadros com alguma arte”.
“Meu pai descobriu que eu tinha habilidade para isso, ainda na Escola Primária. Comprou-me uma aguarelas e uma paleta de cartão, daquelas que se vendiam nas merceeiras e comecei a pintar os meus primeiros quadros”, recorda.
Contudo, foi mais tarde, aos 14-15 anos de idade, quando conheceu os guaches, que verdadeiramente António Saraiva começou a pintar. Foi então que foi a Viseu e comprou os primeiros sete ou oito tubos “porque não havia dinheiro para mais”. Verificou mais tarde que lhe faltavam algumas cores e, vai daí, era necessário mandar vir mais material.
Nada como a imaginação para tal:” arranjei uns bocaditos de papel com as cores que eu precisava e dei-os ao cobrador da carreira para que ele me trouxesse de Viseu os tubos em falta. Vou misturar aquela tinta para obter novas cores e só então dei conta verdadeiramente que havia guaches”.
Na altura, o “Senhor António da Loja do Povo”, ainda rapaz, estava a pintar um quadro representando um carro com pipas e com os homens em acção de trabalho. Lembra-se de ter conseguido misturar as tintas e “com algumas dificuldade” surgiu a obra, “lá pintei”, no seu dizer.
Manifestadas as tendências artísticas e face à ausência de telas à venda, havia que recorrer a outro material de suporte. Foi assim que António Saraiva recorreu a uma folha de zinco, apesar de haver artistas/pintores que o faziam sobre cobre mas como o não tinha, era mesmo zinco o material disponível. Tinha então 15 anos de idade.
Aos 16 anos pintou um quadro figurando João de Deus e daí em diante foi criando, inovando, até porque, confessa, nunca desistiu do progresso e entusiasmou-se com a pintura artística.
Uma das criações que mais o marcou foi quando, já casado (casou aos 30 anos), idealizou um prato com maçãs, que pintou, como que saído de um sonho. Já tinha pintado muitos quadros.
Setembro de 2007. O senhor António da Loja do Povo, um dos estabelecimentos emblemáticos da Rua da Corredoura de Trancoso, tem cerca de duas dezenas de quadros “ a sair”. São para vender, melhor, dar e transmitir a arte de pintar sobretudo Trancoso. Ao longo dos anos já fez exposições várias de que salienta a Casa das Beiras, no Porto, no Hotel de Turismo, da Guarda, em Viseu e, naturalmente em Trancoso.
A mais marcante foi a primeira mostra em que António Saraiva mostrou em Trancoso as suas obras, quando com pouco mais de 20 anos de idade, a sua criação artística, embora já amadurecida, desenvolvia ainda técnicas de progresso.
Não fazia muitas exposições porque as pessoas apareciam e pediam para adquirirem os quadros e, quando queria realizar uma mostra, as obras eram insuficientes.
António Saraiva assume-se como uma pessoa bairrista, amante de Trancoso e suas gentes.”Há aqui coisas formidáveis. Às vezes a gente é que não olha, não vê o que lá está e há aí cantinhos…!”, refere em tom complacente o hoje proprietário da Loja do Povo, aquele comércio sob as arcadas onde deu os primeiros passos na vida profissional e, afinal, por onde se quedou.
Estilo artístico? António Saraiva não o define em concreto mas confessa ter gostado muito dos trabalhos de Camilo Pissarro, impressionista, que muito o influenciou e lhe serviu de orientação. A especialidade de Pissarro era o guache. Contudo chegou a fazer um curso de pintura por correspondência para adquirir mais e melhores. Outra influência então recebida por do pintor, especialista em guache, José Maria Parramon, que classifica de “formidável”.
Certo porém é que continua sempre a pintar. Mesmo à noite, Aliás, foi por isso que, ao procurar na Casa das Lâmpadas, no Porto, uma que lhe desse no período nocturno a luz natural, foi remetido para a Philips para um tal “senhor Zé” que deveria informar sobre a lâmpada adequada ao pedido e, afinal, veio a encontrar um quase-conterrâneo, formado em engenharia electrotécnica, filho do caseiro da Quinta da Veiga (Longroiva, concelho de Meda), seu cliente de família na Loja do Povo.
Foi-lhe então indicada a lâmpada fluorescente, na côr 94, como sendo a mais correcta e capaz de dar á noite a luz do dia, a tal natural pretendida. E assim, António Saraiva, no calor da noite, colhe inspiração, dá vida aos recantos trancosanos, melhor, reinventa a própria Natureza ou não fosse esta a finalidade da Arte e do artista.
Do lado de dentro do balcão da Loja do Povo, ali mesmo ás Portas d’El Rey, por entre tecidos e modas, conversas e cumprimentos, está um artista que ao longo do percurso da vida muitas ocupações já teve, ligadas à cultura e arte mas também ao lema de servir e ao desporto. Durante 18 anos integrou o Rancho Folclórico, fez Teatro, foi bombeiro, jogador e director de Futebol.
António Saraiva é, assim, mais um elemento do vasto e rico património de Trancoso, amante da sua terra que recusa e epíteto de artista-pintor mas que nunca deixará de ser o senhor António da Loja do Povo, amigo, pintor e artista.
José Domingos
(Jornalista)