MUSTANG (UMA HISTÓRIA REAL)
Embora estivesse amanhecendo, dentro do coração de Joninhas, a escuridão ainda lhe parecia total.
Ele se vira para o lado esquerdo sobre o seu rico colchão e senta rapidamente, como o faz todos os dias de manhã quando pensa em correr em seu carro Mustang Mach One 302 V 8. Seu coração quase não lhe cabia dentro do peito, tal era a ansiedade que demonstrava
Em um instante de preguiça, senta-se na beira da cama, apóia ao chão seus pés finos, delicados e magros. Naquele momento, está mais ansioso ainda...
Queria prolongar seu estado de euforia pela corrida que viria logo mais e não pensar mais em nada...
O idílio de Joninhas, porém durou pouco:
- Você já vai sair? – Era seu pai, perguntando-o algo, mas tão absorto que estava em seus próprios pensamentos, não o ouviu e ele teve que tocar em suas costas e perguntar de novo. Queria prolongar um pouco mais seu estado de espírito e euforia pelo que viria logo mais:
- Você já vai sair de novo, Joninhas? É tão cedo ainda, disse-lhe o pai, desconfiando da ansiedade de seu filho e querendo saber o que ele fazia quando saía tão cedo.
Pensou em pedir para ele não sair no Mustang, mas sabia que pouco adiantaria o pedido. Já desconfiava que Joninhas usava o carro da família, sempre que seguia para o hotel de sua propriedade. Um dia, pensou em sair seguindo o filho para ver aonde ele ia, mas desistiu. Tinha que estar no hotel logo cedo também.
- Sim, vou sair sim! – respondeu
- Meu filho – disse-lhe o pai Jonas -, você só tem 13 anos, não é habilitado e pode se machucar ou morrer dirigindo um carro tão possante como o Mustang...Eu só tenho você e sua irmã!
Joninhas saiu escondido de casa no carro Mustang, mesmo contrariando a vontade do pai. “Ele confia tanto em mim”, pensou. Esperou o pai sair de casa para o Hotel Martilopes, dos mais luxuosos da cidade para a época. Foi para a rua, logo em seguida, também.
Joninhas estava decidido a correr com seus amigos! Queria ouvir o ronco do motor, escutar rádio e ouvir os carros da Polícia Militar, com suas sirenes ligadas, iniciando mais uma perseguição contra ele. Isso valia à pena!
Joninhas ficou de pé em seu corpo muito magro que era, escovou os dentes, penteou os cabelos longos e saiu para a rua...
Entrou no seu Mustang Mach One 302 V8, deu na partida, ouviu um pouco o ronco do motor, engatou uma marcha ré e ganhou a liberdade! Acelerou o mais que pode e foi encontrar os amigos. Tinham acertado uma corrida na estrada.
"De todas as nossas glórias, Mustang pode ter o mais rico patrimônio. Enquanto todo mundo tem um favorito, Mach é um dos mais memoráveis e mais colecionáveis Mustangs". Assim era anunciado o carro em Nova York, em seu lançamento em 1969”.
Em sua primeira aparição pública, o Mach foi praticamente deixado sozinho por um momento após a sua inauguração. Em apenas uma pequena amostra deste automóvel, único e verdadeiro Mustang, os amantes puderam apreciar o que o carro trouxe à vida.
Era exatamente por isso que Joninhas passou a amar o carro. O seu Mustang era azul com o caput pintado em preto.
Joninhas,, depois da corrida, voltou para casa aos prantos.
Dirigindo-se ao pai:
- Pai, quero outro carro Mustang. Esse arranhou o caput e eu não o quero mais!
- Está bem, meu filho, eu vou comprar outro carro para você...
O pai tinha feito fortuna com aluguel dos seus mais de 300 imóveis que possuía na cidade. Era dono de clube, restaurantes, hidroposto, fábrica de plásticos, hotel,bowling center e presidia um time de futebol. Para administrar tantos imóveis, tinha criado uma empresa com seu pai, avô de Joninhas, para a administração de todos os seus bens.
Na ausência de um dos sócios, o outro resolvia tudo sozinho.
O avô de Joninhas não gostava muito de ver o neto andando de carro, sobretudo Mustang. Tinha medo de que o neto viesse sofrer algum acidente de trânsito. Não sabia era que o neto já dirigia e praticava corridas pelas ruas da cidade. Nem seu pai, Jonas, tinha conhecimento disso, mas desconfiava porque a vida do seu filho era pedir carro novo...E ele sempre dava porque queria compensar sua infância pobre.
- Alô, aqui quem fala é o Jonas Martins Lopes, pai do Joninhas. Ele saiu para andar de Mustang hoje pela manhã e voltou com o carro arranhado no caput. Dá para vocês trazerem outro carro da mesma marca, na cor azul?
Jonas Martins Lopes era uma pessoa envolvida com as mais altas camadas sociais em Manaus. Gostava de boas músicas,principalmente, daquelas tocadas no violão. Um pedido dele era quase uma ordem. Ninguém podia contrariá-lo!
Ok, Sr. Jonas...Vamos mandar entregá-lo ao senhor!
Patrícia, irmã mais nova de Jonas Filho não gostou muito dos mimos que o pai fazia para o filho, mas nada falou, embora estivesse presente no instante em que o irmão chegara da corrida de Mustang. Apenas balançou a cabeça em sinal de desaprovação.
Patrícia também não podia falar nada mesmo! Tudo que ela pedia, recebia de seu pai também!
O novo Mustang era todo com o banco de couro por dentro, escapamento direto, volante em couro e fazia o mesmo ronco no motor ao qual Joninhas se acostumara nas corridas que promovia pelas ruas de Manaus.
Joninhas recebeu o novo Mustang. Ficou seis meses de castigo, sem dirigir o carro novamente e mais seis meses sem frequentar a danceteria que ele mais gostava.
Terminado o castigo, Jonas voltou a liberar o carro para o filho. “Não vá andar com o carro em alta velocidade, por favor,” foi o pedido que o pai lhe fez.
As festas na casa de Joninhas, promovidas por seu pai, eram famosas, tanto pelo número de convidados como pelas comidas servidas.
Uma moça muito bonita e de corpo escultural compareceu em uma dessas festas.
Morava do lado de sua casa e era a primeira vez que freqüentava a festa que sua família promovia.
Sonia e Joninhas se apaixonaram à primeira vista.
Aceita um cinema esta semana?
- Sabia que nós estudamos na mesma escola?
- Incrível isso! Você linda, minha vizinha e ainda estuda na mesma escola! Não venha me dizer que também estuda na mesma sala?
- Não, na mesma sala, mas no mesmo horário!
- Como eu nunca lhe vi? E ai, aceita ir a um cinema comigo?
- Lógico que aceito!
No dia seguinte, foram ao Cinema e depois; ao motel.
Embora Sonia estivesse com 14 anos e Joninhas com 13, entraram no motel sem dificuldades e até foram cumprimentados pelo atendente.
- Joninhas, quando é que você vai participar de um outro pega com o Mustang?
- Qualquer dia, qualquer dia – respondeu.
A cidade de poucos habitantes, também tinha poucos telefones nas casas. Mas as notícias das corridas em que Joninhas participava, corriam rápido, de boca em boca.
Não adiantou muita coisa a recomendação que lhe fez o pai. No dia seguinte, saiu para correr de novo. Entrou no Mustang novo, com acabamento interno todo em couro, e saiu para encontrar-se com os amigos, sem o pai saber de nada.
Era o Mustang de Joninhas à frente e o fusca 1300 da Polícia Militar, atrás. Era inútil a perseguição para alcançá-lo. O fusca da PM corria pouco e o Mustang era um dos carros mais velozes da época.
Todos na cidade já tinham escutado falar das “corridas” e dos “cavalos de pau” que o Joninhas costumava fazer como exibição para os amigos.
- E aí, Joninhas, não quer dançar hoje? Era a namorada, Sonia.
- Você não me falou que vinha a esta festa!
- Você também não me falou que vinha!
- Por que você me parece tão preocupado, Joninhas.
- Não...não é o que você já deve estar pensando! Estou meio desconfiado que meu pai sabe que ando correndo no Mustang e se ele tiver a certeza disso, não sei o que pode acontecer comigo! – respondeu. Joninhas tinha razão de estar preocupado. Estudava em colégios de bom conceito, era estudioso e poderia perder tudo se seu pai o descobrisse correndo...
- Deixe disso Joninhas! Que preocupação boba! Teu pai não tem como saber ou descobrir nada. Vem dançar...vem!
Ele aceitou. Começou a dançar com Sonia.
Depois da festa, foram novamente ao motel.
Não tinham qualquer dificuldade para o ingresso, embora os dois fossem menores de idade
Voltou para casa suado, cansado, exausto e mais feliz. Tinha beijado sua namorada de língua, o que não era comum para meninos de sua idade, 13 anos Tinha feito sexo com ela; era virgem! Ela tinha total conhecimento das corridas de carro em que participava.
“Meu pai me dá tudo que eu quero e não vai ser por isso que ele vai deixar de me dar... Mesmo que minha namorada engravide”, pensava ele, enquanto entrava em casa e se dirigia à geladeira.
De dentro da geladeira da casa, retirou maçã, uva e pêra que eram servidas no hotel e que por acaso seu pai comprara e as esquecera em casa. Comeu sem muita pressa e dormiu.
Sonhou com seu pai. Duas vezes.
Era uma corrida louca pela cidade! Seu pai atrás e ele na frente. O pai queria pegá-lo na corrida. Joninhas era mais esperto e sempre conseguia escapar! Mas em seu sonho, isso não acontecia. Ele, mais vez, era posto de castigo por seis meses sem frequentar o clube que mais gostava e mais seis meses sem usar o Mustang, que tanto amava. No sonho, o pai mandava prendê-lo.
Acordou, suado e ofegante devido ao sonho!
Fora um sonho muito estranho. Não tinha o costume de sonhar com o pai tantas vezes assim!
Tinha certeza que seu pai, por mais que viesse a ter a certeza de que Joninhas corria de Mustang pela cidade, não o mandaria prendê-lo. No máximo, lhe deixaria de castigo como muitas vezes já o fizera, proibindo-o de ir a festas e dirigir o carro novamente por um período, mais depois o liberaria.
Joninhas sempre foi uma pessoa muito esperta. Só corria durante o dia, pois sabia que seu pai não poderia sair do hotel naquela hora para andar atrás dele. Confiava plenamente no que o filho dizia.
O filho sempre lhe dera alegria, tirava boas notas e não tivera motivos para duvidar da palavra dele.
“Meu filho, o pai quer lhe dar tudo o que não teve na infância mais, por favor, nunca minta para mim”, costumava aconselhar.
- Bom dia filho! Como foi seu dia, hoje? Era o pai que acabara de entrar em casa.
- Tive um dia bom pai...me empresta o carro! Marquei para sair com uma garota hoje. Quero levá-la a um cinema ou a um café...!
- Vou lhe emprestar mais, por favor, tenha muito cuidado! Não quero que você chegue aqui e peça para trocar de carro de novo por causa de um ou outro arranhãozinho no carro! Será que já não está na hora de você adquirir seu próprio carro, Joninhas? Você o compra e eu registro em meu nome...você faz o quê com sua mesada?
- Gasto com as garotas, pai...cinemas, lanches, cafés...!
- Está bem, meu filho...mas lembre-se: quero dar para você e sua irmã tudo que não tive na minha infância! Hoje eu posso te proporcionar tudo, mas não sei até quando...!
- Você já pensa em morrer, pai?
- Lógico que não. Tenho muitas coisas para fazer nessa vida, ainda! Disse, mas sem muita convicção. Joninhas desconfiou que suspeitava que algo ruim aconteceria com ele de uma hora para outra.
Era a primeira vez que Joninhas percebia um pouco de amargura nas palavras de seu pai mais não ficou preocupado. “Não deve ser nada; ele pode estar estressado com o seu trabalho, apenas”, pensou.
Não deu muita importância, pegou a chave do carro e saiu com o consentimento de seu pai. Na maioria das vezes, apenas apanhava a chave do carro, saía e não dizia para onde ia. Quando voltava com o Mustang com qualquer problema, pedia outro e o pai comprava.
Jonas Martins Lopes marcou com seu pai, Manoel, uma reunião para tratar dos alugueis de seus imóveis. O pai de Joninhas tinha criado com Manoel, seu pai, uma empresa só para administrar seu patrimônio. Como precaução, transferiu todos os bens da família para a empresa constituída. Manoel compareceu no horário marcado. Jonas era sempre muito ocupado, tinha muitos compromissos e horários marcados.
- Sr. Jonas, hoje o senhor tem uma reunião no clube que o senhor preside...Sr. Jonas, hoje o senhor terá um jantar de negócios no hotel... Era a secretária Lúcia que só cuidava da agenda de seus compromissos que o lembrava dos horários marcados.
- Como vão os negócios, pai?
- Você quer saber como andam os recebimentos dos alugueis?
- Isso mesmo!
- Estão ótimos, fora alguns aborrecimentos já resolvidos; reformas de imóveis, recuperações, pinturas e alguns poucos atrasos, estamos recebendo tudo direito.
- Pai, não esqueça que na minha ausência, como meu sócio, o senhor terá que resolver todos os problemas...! Na empresa criada só para administrar os imóveis da família, na minha ausência, o senhor tem amplos poderes para administrá-los como desejar. Só não pode vendê-los!
Mais uma vez Jonas falou como se pressentisse que algo ruim poderia acontecer-lhe. Mas como? Ele tinha perfeita saúde, freqüentava os melhores médicos, além do mais, o que poderia acontecer a um homem com boa saúde?
A namorada estava sempre com enjôos, dores de cabeça e mal estar. Joninhas suspeitava que ela estivesse grávida e a mandou fazer um teste na farmácia.
- Deu positivo meu teste, Joninhas. O que vamos fazer agora?
- Não se preocupe, meu amor. Mandar tirar o filho eu não vou! Nós vamos achar um jeito...Meu pai pode ajudar na criação de seu primeiro neto!
Teriam que enfrentar a família de Sonia, agora. O pai de Sonia não gostou de saber da gravidez de sua filha, muito embora Joninhas fosse filho de uma das famílias mais tradicionais da cidade.
Havia todo um preconceito contra as jovens que engravidavam sem estar casadas. Teriam que enfrentar isso também porque Joninhas não queria era saber de casamento. “Sou muito novo, ainda”, disse ele, para si mesmo.
A namorada não pôde mais frequentar a escola. Ficaria mal falada; grávida, sem marido? Era uma coisa impensada para a sociedade tradicional da época.
Foi mandada para ter o filho em outro Estado pela família.
O dia, 21 de dezembro de 1975, amanheceu com o sol a pino naquela manhã de domingo. Consultou o serviço meteorológico, como sempre fazia antes de sair para um passeio em seu iate Vendaval e soube que o tempo estaria bom, mas teria pancadas de chuvas no decorrer do dia. Jonas era preocupado com isso e sempre procurava saber sobre o tempo antes de sair para uma pescaria. “Só haverá um pouco de vendo forte no lago. Mas isso não tem problema”, pensou. Jonas, então, mandou preparar seu iate. Convidou seus melhores amigos, um violonista e zarpou.
Atracou seu iate longe do lago no qual gostava de pescar. Mandou descer um pequeno bote feito em alumínio e rumou para o local desejado. Entretanto, contrariando as informações da meteorologia que obtivera antes de rumar para a pescaria, deu um vento muito forte e a pequena lancha adernou. Ele, meio embriagado, caiu no rio e se afogou enrolado na linha que era usada para amarrar o pequeno bote.
Os convidados permaneceram no iate Vendaval, com cinco suítes e Jonas desceu do iate apenas com o violonista que o acompanhava.
Joninhas aproveitou que seu pai ficaria ausente, marcou com os amigos e decidiu correr de Mustang. Mas teria que voltar cedo pois sua mãe havia contratado o professor João Martins Dias para dar-lhe aula particular. Depois da aula, saiu para correr de Mustang com o professor. No dia seguinte, teria prova de matemática no Colégio Brasileiro
Embora seu pai já desconfiasse da paixão de Joninhas pelos pegas e rachas de carro, nunca teve tempo de seguir o filho para ter a certeza. Era um homem de muitos negócios e confiava plenamente no filho e não tinha porque se preocupar com isso...
-Vou sair, minha irmã...Despediu-se de sua irmã Patrícia e saiu para correr de Mustang com os amigos.
- E aí, patota! Vamos correr? Cumprimentou seus amigos, entrou no carro e saiu em disparada!
Seu pai, enquanto isso, se divertia na relaxante pescaria, servindo uma tartarugada aos convidados, comemorando a inauguração da instalação da subestação de sua fábrica de plástico em Manaus!
Soube da notícia da morte de seu pai às 15 horas, pela TV Ajuricaba; depois pela a irmã mais nova, Patrícia, que o encontrou entre os amigos que corriam de carro com ele e. No dia seguinte, leu tudo nos jornais da cidade.
“Empresário famoso, morre em acidente de lancha”. Era a manchete nos três jornais da cidade. Joninhas, no início, ficou abalado com a notícia. Como?
Era verdade, sim! Seu pai, Jonas Martins Lopes havia morrido em acidente de lancha durante a pescaria no lago. Como se deu isso?
Teve conhecimento dos fatos através do que os jornais publicavam todos os dias sobre “o empresário famoso, rico, dono de mais de 360 imóveis alugados, presidente de clube de futebol, hotel...” Também pelos jornais, tomou conhecimento que no dia, houve uma chuva forte e com muito vento!
Uma notícia publicada dizia que “Jonas Martins Lopes, empresário famoso, dono de vários negócios na cidade, acompanhado de amigos e de uma amante, faleceu ontem, em pleno dia, devido a um banzeiro repentino que tombou sua pequena lancha de pesca. O empresário, bastante embriagado, enroscou-se em uma corda de atracação e não conseguiu se salvar...embora nadasse muito bem.” Dos outros amigos que estavam com ele na lancha, só o violonista morrera junto com ele!
- Por que só meu pai morreu? Por quê...? Joninhas estava desesperado com a notícia! Só não acreditou que seu pai tivesse uma amante! A pessoa descrita como amante de seu pai era, na verdade, uma amiga da família que sempre era convidada e frequentava passeios que seu pai promovia.
- Por que meu pai morreu?
- O que será de mim? O que será de minha mãe e de minha irmã?
Joninhas nunca tinha se questionado sobre esses assuntos porque nunca imaginara ficar sem seu pai, aos 17, anos de idade, ainda sem concluir a sua escola! “Temos um grande patrimônio em casas alugadas e ainda poderemos viver bem por uns tempos...!”pensou.
No dia em que o corpo de Jonas Martins Lopes chegou ao porto, à pequena cidade de pouco menos de 280 mil habitantes praticamente parou para receber seu corpo. Pessoas importantes, como políticos, médicos e jornalistas enfim, foram receber o corpo do empresário...
“O chão do cais estava molhado e depositaram os corpos no chão, um dos quais conservava na rigidez da morte os gestos de desespero. A sola do pé sem sangue parecia a de uma mambira esfolada . Uma moça bonita, muito comprida e loura, chorava com o corpo todo na sua nudez biquínica que o longo azul transparente deixava entrever. Queriam levá-la num carrão de luxo mais ela não quis. Sentou num banco, estava descalça, e só saiu depois que uma kombi da polícia apanhou o cadáver de Jonas”.
Foi assim que escureceu no Rodow da cidade naquele dia.
No outro dia saiu o retrato de Jonas, no jornal numa página interna e uma chamada na primeira página: "Acidente mata empresário". Na coluna "Acontecendo": "Jonas Martins Lopes, empresário, dono de hotel, ex-presidente do Fast Clube um Clube local, nos anos 1970 e 71, pessoa bem conceituada na sociedade amazonense, faleceu às últimas horas da tarde de ontem, vítima de afogamento. Jonas realizava um passeio de barco, ocasião em que a pequena embarcação, não suportando o forte banzeiro produzido pela ventania, naufragou. Apesar de saber nadar, a vítima não teve chances, já que a corda que serve para amarrar a prancha ficou em volta de seu corpo, impedindo-o de esboçar qualquer reação. Jonas Martins Lopes deixou dois filhos, Jonas Martins Lopes Filho e Patrícia Guterres Lopes".
Joninhas lia as notícias da morte do pai e não encontrava nada sobre a suposta amante de seu pai. A pessoa loira e excessivamente branca que estava com ele, descrita pelos jornais, era filha de uma amiga da família e não acreditava que tivesse sido ou fosse a “amante” de seu pai.
O pai de Jonas Martins Lopes tomou frente aos negócios imobiliários da família, conforme dizia a constituição societária. Na Justiça, começaram as disputas judiciais. Advogados de um lado e de outro, discutindo sobre os bens da família. Todos os bens da família estavam em nome da empresa JMLopes Comercio e Indústria. O sócio da empresa era o avô de Joninhas e reivindicou na Justiça todos os bens, inclusive o Mustang que o neto dirigia.
Dois oficiais de Justiça foram buscar na residência da família, o Mustang que Joninhas tinha a posse. Olhando pela janela de seu quarto, sentiu uma dor no coração ao ver o carro sendo levado pela Justiça. Joninhas perdeu o bem que ele mais amava.
Uma ilha que pertencia ao empresário, foi transferida para o advogado da família, não se sabe como, e o resto do patrimônio foi vendido pelo pai do empresário e nada foi entregue para a família.
A família tentou, judicialmente, embargar algumas vendas feitas pelo administrador da empresa criada para cuidar do patrimônio da família, mas não obtive êxito em nenhuma das ações. Afinal, todos os bens estavam em nome da empresa. Gastaram o resto do dinheiro que ainda possuíam com advogados, nada conseguiram na Justiça e viram todo o patrimônio da família ser vendido e nenhum centavo destinado aos filhos menores.
O filho de Joninhas, nasceu sem conhecer o avô. Joninhas, com 17 anos e namorada, a mãe, 18 anos.
Todos os membros da família, antes cheia de poder e, agora, com muitas decepções com a justiça, ainda permaneceram dois anos esperando decisões judiciais que sempre lhes eram desfavoráveis e decidiram morar no Rio de Janeiro. O administrador dos bens da família, sua esposa mais nova morreram em outro Estado, em asilos, queimados em incêndios.
Os membros da família começaram vida nova longe da cidade que os viu progredir financeiramente. Começaram tudo novamente. Joninhas, pobre que ficou, não corria mais de Mustang, mas não abandonou sua paixão.
No Rio de Janeiro, ninguém sabia ou conhecia o luxo que a família vivera em um passado bem recente em outra cidade.
LIVRO II
“Se precisar de um amigo, pode contar comigo”. Enquanto dizia isso pelas ondas da rádio em que trabalhava, ficou lembrando da época em que seu pai morreu, da dilapidação de todo o patrimônio da família pelo seu avô, sócio de seu pai. Mas não sentia raiva. “Sou o Jonas Filho desde pequenininho”, repetia sempre.
Todos os dias, a nova cidade lhe parecia estranha sem o conforto que tinha antes. Tudo que estava vivendo, lhe pareceu muito confuso. Rolou na cama e demorou a dormir. Seu corpo franzino contrastava com a beleza escultural das mulheres que frequentavam as praias. Demorou a freqüentar uma praia. Tinha vergonha do seu jovem corpo esguio. Sua irmã era bonita, mais nem podia concorrer com aquelas mulheres de corpos esculturais, parecendo verdadeiras “deusas da beleza”.
Já tinham se passado dois anos da morte do pai e Joninhas, a irmã caçula, Patrícia e a mãe Maria Amália acordaram em uma casa estranha!
Não havia coxas de cetim nas camas; mas um colchão duro e um lençol que ele jamais usaria se seu pai ainda estivesse vivo!
Teve que encarar a nova realidade! Sem pai, com uma mãe que só sabia ser esposa e uma irmã no início da adolescência.
Tiveram que procurar matrículas em escolas públicas, Joninhas, com 19 e Patrícia, com 9 anos. Será que se acostumariam? Sempre estudara com a irmã em bons colégios particulares! Seria difícil, mas decidiu enfrentar a nova realidade!
- Acorde meu filho! Você, agora, tem que começar a trabalhar. Era a sua mãe, Amália, chamando-o à nova vida que teria que enfrentar. Sentia saudades do pai e sempre costumava chorar sem que ninguém o percebesse nesse ato de tristeza.
- Meu filho, agora temos que viver uma nova realidade... Você não terá mesada todos os meses...Seu pai não existe mais...Era sua mãe de novo! Sentiu um pouco de raiva da mãe naquele momento; mas o que ela dizia era a mais pura verdade. “Não tenho mais pai mesmo!”, pensou ele...E se revoltava com à nova realidade, longe das coisas boas que tivera antes.
Tentou fazer novos amigos, mas sem esquecer os que ainda residiam nas suas lembranças do passado, da época em que corria de Mustang. Trocou o Mustang que antes dirigia, por uma Kombi que transportava turistas pela cidade do Rio de Janeiro. Mas eram lembranças que tinham que ser esquecidas; menos os amigos que fizera quando se divertia com o que mais gostava de fazer: correr de carro. Contudo, precisava encarar a nova realidade: sem hotel, patrimônio, restaurante, mesada mensal...enfim, tinha que esquecer que um dia ele vivera desse modo. Tinha que amadurecer e encarar a nova vida, à qual ele teria que se acostumar. Será que conseguiria?
Frequentava praias, conversava muito com a sua mãe e a irmã, mas notava que sua mãe ficara magoada com o seu pai que investiu muito nos prazeres dos filhos, mas nada fizera para que eles continuassem a ter o mesmo estilo e padrão de vida do passado. Também estava magoada pelas notícias publicadas nos jornais sobre a suposta amante de seu marido. “Nem tudo que a imprensa publica é a verdade!”, dizia ele para sua mãe. Queria esquecer tudo, mas no fundo achava que seu pai tivera uma amante!
Joninhas nasceu na cidade de São Luiz, no dia 17 de junho de 1958 e aos quatro meses de idade passou a residir em Manaus com sua família, onde viveu os anos mais felizes de sua infância ao lado dos amigos e de seu pai. Deixou Manaus aos dezoito anos para enfrentar uma nova realidade, no Rio de Janeiro, onde se formou em comunicação social com ênfase em rádio, começou a trabalhar, casou, separou e depois foi morar em São Luiz, com a mãe.
Lembrava dessas coisas e, por instante, enquanto tocava uma música, chorava sem ninguém perceber. Depois do choro fraco, repetia “sou Jonas Filho desde pequenininho”, como querendo dizer: “vou vencer”!
Fez Vestibular e foi aprovado para o curso de Direito em uma Faculdade particular muito famosa. Tinha o desejo de reaver todos os bens que sua família havia perdido na Justiça, através das vendas que seu avô, sócio na empresa que administrava os bens da família, fizera depois da morte de Jonas Martins Lopes.
Na sala de aula, o professor disse “a ninguém é dado desconhecer a lei”. Que lei? Se fossem as leis da vida, ele não poderia jamais esquecê-las! Tinha vivido a todas elas. O lado bom e o ruim das leis. Todas elas! Tivera muita riqueza e hoje estava vivendo de favores na casa de um parente.
Para custear a faculdade, decidiu procurar emprego em uma ótica. “Por que meu pai morreu?”, se perguntava sempre antes de ir dormir em um colchão duro, em um local estranho, na casa da irmã de sua mãe. Morava no Leblon.
Dias comia; dias não comia. Passou fome! Nenhum amigo para ajudá-lo! Nem seu pai para socorrê-lo naquela hora que se sentia desamparado!
- Dona Amália, eu vim trazer umas roupas para senhora consertar! Disse uma senhora distinta, dirigindo-se à mãe de Joninhas que, com o dinheiro de sua costura o ajudava a custear sua faculdade de direito. A irmã, na nova cidade, havia trocado uma excelente escola particular por uma escola pública.
E a sua mãe, naquela máquina de costura, ofício que aprendera na escola onde se ensinavam duas coisas: “prendas domésticas” e “ser esposa”.
A mãe de Joninhas investiu muito, do pouco que conseguia receber com suas costuras, no curso de Direito do filho porque também pretendia vê-lo formado, usando paletó e gravata e entrando no Fórum para reivindicar os bens que a família havia possuído no passado.
- Mãe, vou trocar meu curso de Direito pelo de Comunicação Social.
Joninhas deu a notícia para a mãe e ela desmoronou.
- Por que isso, meu filho?
Naquele momento, vários pensamentos desagradáveis passaram pela cabeça de sua mãe. Lembrou do sacrifício que estava fazendo pelo filho; do seu desejo de vê-lo advogado para reaver os bens da família; da ausência do pai de Joninhas, que tanta coisa fizera por ele e pela irmã. Muitas coisas lhe vieram à mente naquele instante.
- O que aconteceu, mãe? A senhora está se sentindo bem?
- Não é nada, meu filho...Não é nada. É bobagem de mãe mesmo. Não precisa ficar preocupado...Só estava imaginando que fazendo o curso de Direito você poderia advogar em favor de nossa família e, quem sabe, conseguir reaver ao menos uma parte do que foi nosso patrimônio. Mas se a decisão de trocar de curso for importante para você, eu o apoiarei.
- Mãe é que hoje, ao sair para procurar emprego em uma ótica, encontrei uma pessoa muito distinta e eu fiz um teste para ser locutor de rádio. E, para isso, vou ter que cursar Comunicação Social...
- Meu filho, pense bem, avalie bem e decida se você achar que é isso mesmo que você deseja. Mas lembre-se: essa profissão não dá dinheiro!
Mudou de curso e começou a trabalhar em rádio FM. Enquanto não se formava, exerceu as funções de discotecário, datilógrafo, redator-chefe de rádio-jornalismo, até sua primeira experiência com o microfone, depois de formado.
- Jonas Martins Lopes Filho! Era o nome de Joninhas! Parecia que estava até sonhando! Demorou a subir ao palco.
Joninhas foi chamado ao palco. Sua mãe, na plateia, emocionou-se ao ouvir o nome do filho em meio a tantos outros.
- Parabéns, meu filho! – Era a mãe de Joninhas ao entregar-lhe o diploma de conclusão do curso de Comunicação, com ênfase em radio.
A festa de formatura tinha sido linda. Todos os alunos do curso de comunicação perfilados fizeram o juramento juntos, e depois foram chamados um a um pelos seus nomes pelo reitor, que lhes colocava uma boina sobre a cabeça, e repetia a todos “...a você também!” depois de uma funcionária chamar o nome da pessoa.
Formado em comunicação social com ênfase em rádio, decidiu retornar para Manaus, antes de seu casamento. Queria matar a saudade dos amigos e das corridas de carro.
- Alô! É Pedro Marques...?
Pediu e recebeu a passagem do amigo de infância.
Para comemorar a formatura, pediu a um amigo da época de corridas para dar-lhe de presente uma passagem aérea. Queria reaver amigos e saber se ainda corriam pelas ruas da cidade.
O sol lhe bateu ao rosto e veio acordar-lhe do sono e do sonho que estava tendo. Sonhou que voltava às corridas de Mustang com seus amigos da sorveteria Pinguim e da Praça da Saudade e, ao acordar com o sol lhe batendo ao rosto, ficou irritado.
Na casa do amigo que lhe acolheu, perguntou onde estavam seus amigos...
Na manhã seguinte, pegou a moto que estava na garagem e foi procurar seus antigos companheiros.
Encontrou Flavinho Espírito Santo, em um Opala SS e o Waldizinho Brito, em um Maverick V8 disputando uma corrida acirrada. O Opala SS com seu motor de 4100 cilindradas e 150 cavalos de potência, foi fabricado pela Chevrolet para disputar provas na categoria de turismo, era um carro de competição mas podia ser vendido a qualquer um que quisesse comprá-lo; já o Maverick GT V8, que na época tinha fama do carro mais veloz do Brasil, era equipado com o motor importado de 8 cilindros em V e podia acelerar de 0 a 100km em apenas 10 segundos . Já tinham feito cinco arrancadas e cruzado a bandeira de chegada, rigorosamente empatados. O Opala arrancava na frente e o Maverick colava nele na final.
Ao chegar no local do “pega”, Joninhas estacionou a moto no tripé, olhou em volta e percebeu que não conhecia nenhum daqueles novos corredores e nem ninguém na platéia.
Foi reconhecido no local, mesmo com o passar dos anos e dos sofrimentos porque passara, por um desconhecido que não sabia quem era. O desconhecido propôs uma aposta a seu favor.
- Recebi meu salário da empresa hoje e dobro a aposto em favor do meu grande ídolo do passado aqui, e apontou em direção de Joninhas. A pessoa que dissera isso era tão magra que parecia mais uma salsicha do que um ser humano.
Inicialmente, Joninhas relutou contra o convite, dizendo: não, não quero dirigir o carro de ninguém, estou muito tempo parado.
O apostador ainda insistiu dizendo que acreditava muito no seu potencial e que o queria correndo no Opala SS e que sabia que só ele era capaz de desempatar aquela disputa que já se arrastava por horas.
Depois de tanta insistência, Joninhas resolve entrar na pista. O dono do carro , humildemente, pede para ir ao lado daquele que tinha sido um dia, um grande piloto de pega, tinha a única intenção, descobrir o segredo daquele tão admirável mago dos Mustangs.
Entrou no carro, acelerou, sentiu a potência do motor e dirigiu-se ao ponto de largada. No caminho, aproveitou para explicar ao jovem corredor que o Opala era mais leve e por isso se fazia necessário não perder tempo patinando na arrancada, Flavinho ouvia tudo calado, absorvendo toda aquela experiência adquirida nas inúmeras corridas do passado. Iniciada a disputa, Joninhas tira o pé lentamente da embreagem, já o Maverick com seu motor V8 pula na frente. Imediatamente, Joninhas passa a segunda marcha, sobe o giro do motor do Opala a 6300 rpm e ao jogar a terceira já estava à frente do Maverick.
O carro deixando fumaça pelo atrito do pneu com o asfalto e a adrenalina de Joninhas lhe subindo pela veia. Não pensava em mais nada e só queria vencer aquela corrida, mais uma vez, como vencera muitas outras disputas no passado. E venceu. As pessoas presentes começaram a se perguntar.
- Quem é ele?
- Quem ele?
- Esse aqui que me fez apostar nele é o grande Joninhas, excepcional piloto de rua, o maior que já correu nesta cidade, respondeu aos que perguntavam, a pessoa magra e que parecia uma salsicha.
O reconhecimento lhe encheu de alegria e responsabilidades, também. Ganhou a corrida, foi aplaudido e isso era o que bastava naquele momento, era uma pena que poucos amigos sabiam da volta dele e poucos tiveram como vê-lo correndo de novo. Estivera afastado das corridas por sete anos!
Retornou para o Rio de Janeiro.
Começou a sair de casa e, na residência de um padrinho de batismo de seu pai, conheceu uma moça muito bonita, pela qual se apaixonou e casou meses mais tarde. Ela lhe dera três filhos, mas era muito ciumenta.
- Joninhas, você está ficando muito famoso, trabalha no horário noturno e acho que é chegado o momento de terminarmos nosso casamento! Como terminar um casamento, se já tinha três filhos com ela!?
O casamento fora lindo! Amava-a demais, ainda! Fizeram uma linda lua de mel, ela lhe dera três filhos lindos e não entendeu o porquê dessa decisão agora?
- Não é melhor você pensar, meu amor!
- Não, não temos mais como continuar. Você tem muitas paqueras na rádio e tenho muito ciúmes. Sei que de vez em quando você sai com ouvintes suas...
- Nunca saí com ninguém, meu amor!
- E a mulher que liga todas as noites para o seu programa e você põe música ...não venha querer dizer que você nunca teve nada com ela!
- Juro, meu amor! Nunca tivemos nada. Ela, ela...é só mais uma ouvinte. Costumo atender a toda e qualquer pessoa que liga para o telefone da rádio!
Não teve argumento e a esposa o deixou!
O programa que apresentava na rádio deixou de existir e Joninhas foi demitido da emissora.
Entrou em depressão. Sentia saudades dos filhos Jonas Neto, Victor Martins e Cayo Martins Lopes. Recordava a morte trágica de seu pai. A separação da esposa. Era demais para uma pessoa como ele, jovem, sem pai e com pouca estrutura ainda. Sabendo da depressão, e agravada ainda mais com a sua demissão, a sua mãe resolve ir buscá-lo e levá-lo para morar junto a ela em São Luis. Passou quase dois anos em tratamento contra depressão e um ano e meio sem sair de casa.
Curado da depressão, um ano e meio depois conseguiu novo emprego na capital e começou novamente a trabalhar em rádio. Era um programa de entrevistas ao vivo. Apresentava pela FM Cidade, das 10 à meia noite, o programa “Disco Flash”, aceitando um convite de “Rocinha”, filho do ex-governador do Estado, Luis Rocha.
Um ano depois, trabalhou na Rádio Capital, entrevistando vigias noturnos. Foi quando criou o “Clube dos Irmãos Vigilantes Noturnos”. Mais tarde, na Rádio Timbiras, trabalhou em horário nobre.
Apresentou o programa “Capital Notícias” na Radio Timbiras, reformada pela governadora Roseana Sarney.
O novo estúdio ficou moderno, computadorizado e abafadores de som existiam em todas as suas quatro paredes. Como já tinha passado pelas áreas principais da rádio, não foi difícil Joninhas dominar os botões da mesa de som. Joninhas apresentava o programa “Capital Notícias.” Dentro do programa, havia um quadro.
- Alô, é do quadro “Pergunta Cultural”?
Todas as manhãs, a jovem ligava e fazia sempre a mesma pergunta “já está no quadro Pergunta Cultural”.
Morando ainda em São Luis , decidiu conhecer a pessoa que acertava todas as respostas e recebia de um patrocinador do quadro uma pizza grande e uma coca-cola de 2 litros. Pelas vezes que a ouvinte acertava e se bebesse e comesse tudo, Joninhas imaginou-a obesa, mas mesmo assim decidiu conhecê-la e marcou um encontro. Decidiu que teria que falar fora do ar e conseguiu o telefone daquela “mulher inteligente”.
- Como você consegue acertar tantas vezes?
- É que estou estudando para o vestibular...
- Você é muito inteligente, sabia?...
Joninhas e Cláudia Vilela decidiram oficializar o casamento, ainda em São Luiz. Fizeram vestibular juntos para o curso de Letras, estudaram juntos e no dia da formatura, novamente sua mãe Amália voltou a comparecer. Ela, bem mais nova que Joninhas, sabia por intuição feminina que seria feliz ao lado dele. Havia uma admiração mútua entre os dois; havia compatibilidade de almas e espíritos, com certeza!
Essa nova paixão amorosa mudou sua vida para sempre.
Foi para casa.
“O que tiver que ser, será”, pensou.
Sabia que o que decidisse agora, faria muita diferença depois. Sabia que o importante seria viver o agora, pois vivera um passado sem preocupação com nada!
A irmã mais nova tinha ido estudar em uma universidade particular nos Estados Unidos e, para custear seus estudos, se elegera prefeita e administrava o campus da faculdade. Com isso, conseguia custear seus estudos.
- Quem será o entrevistado de hoje no meu programa? Joninhas perguntou a sua produtora.
- Vai ser o filho de um político importante, respondeu a produtora. Estava se referindo à Araújo Neto.
- Você, com esse seu jeito e essa sua voz, não quer ser locutor de rádio na minha cidade e trabalhar com o prefeito da cidade de Codó?
A mudança seria apenas da capital para uma pacata cidade do interior, com poucos habitantes...Não deveria ser pior do que mudar da riqueza em que vivera no passado, para a pobreza que vivia agora. Não seria pior do que a depressão que passara depois da separação de sua esposa. Não seria pior do que ter perdido um pai generoso no início de sua infância...Já tinha passado por tantas coisas na vida!
- Aceito, sim! Com certeza. Respondeu, sem pensar muito. Queria sair e se transferir para outro lugar, respirar novos ares, fazer novas amizades, conhecer novas pessoas. Não tinha como permanecer mais trabalhando naquela rádio, a proposta era irrecusável.
Com o sucesso que vinha alcançando na profissão de radialista, mas sem esquecer as corridas de Mustang que fizera quando seu pai ainda estava vivo e nem dos amigos que corriam com ele, foi novamente convidado para mudar de emissora. Aceitou novamente e decidiu mudar para uma rádio na cidade de Codó.
Imaginou que a cidade fosse provinciana, mas surpreendeu-se com o que encontrou. Codó era uma cidade de mais de 130 mil habitantes, no centro da região de cocais, terra do poeta Gonçalves Dias, que nasceu durante uma viagem entre Caxias e Aldeias Altas. Era uma cidade calma, muito agradável e ficou encantado com o local em que aceitou morar. O fez se lembrar da Manaus de sua infância.
Com sua esposa, Joninhas decidiu comprar um imóvel para residir.
Recebeu muitos projetos, propostas tentadoras, muitas sugestões e comprou seu imóvel financiado. Pensou que poderia tê-lo comprado a vista se seu pai ainda fosse vivo porque, ele certamente orgulhoso pela carreira que o filho tinha seguido, o adquiriria sem financiamento e lhe daria de presente de casamento. “Mas não tenho mais meu pai”, tenho que comprar financiada.
Dentro do estúdio da rádio em Codó, tomou conhecimento de um incêndio.
Começou dentro de um dos quartos e de forma rápido atingiu todo um pavilhão masculino.
A causa foi um curto circuito em um dos quartos e o Corpo de Bombeiro não conseguiu chegar a tempo para debelar o fogo.
Dias depois Joninhas soube que no incêndio, morrera seu avô. “Não tenho mesmo muita simpatia com meu avô pelo que ele me fez passar. Mas também não tenho rancor...embora tenha produzido em meu coração, uma das maiores tristezas que tive na vida, quando vi meu Mustang sendo levado por dois oficias de justiça!”, pensou ele.
Em outro incêndio, em outro Estado, morreu a esposa do segundo casamento de seu avô, mais nova que ele.
“Foi um castigo de Deus, meus filhos”, lembrou do que a sua mãe lhe dissera certa vez, antes de falecer de câncer. “Eu sou Jonas Filho, desde pequeninho”. E colocou outra música enquanto pensava novamente nos amigos que deixara no passado, mas que ainda permaneciam em suas lembranças.
Ficaram nas lembranças de Joninhas as apresentações dos cantores Nelson Gonçalves Cauby Peixoto Erasmo Carlos no Acapulco Clube, que pertenceu a seu pai.
Naquele dia, ao voltar para os braços e receber os beijos da esposa Cláudia, dormiu tranquilo e sonhou correndo de Mustang pelas ruas da cidade mais uma vez e indo ao enterro de seu pai, ao qual compareceu faltando a prova de matemática daquela segunda-feira... Estava recebendo as condolências de João Walter de Andrade, governador do Estado; Jorge Teixeira de Oliveira, prefeito de Manaus; Ézio Ferreira, empresário e amigo do falecido, Josué Cláudio de Souza Filho; dos jogadores de futebol Antonio Piola, Edson Piola, Casemiro, Pompeu, do Fast Clube, na administração de Manoel do Carmo Chaves, o “Maneca” e de seus amigos de corrida, Henrique Loureiro, Carlinhos Oliva, César Cegonha, Higino Xixaro, Cláudio Castro, Emílio Gurgel, Renato Harb, Luiz Carlos Perasa, Fernando Alfredo Pequeno Franco, Vital, Juscilande Rosseti, Aramis Mafra Castelo Branco,Homero Lacerda,Evandro Eugenio Lauría de Normando,Waldemar Moraes,Pedro Marques De Souza Neto
No dia seguinte, de volta ao trabalho, ao entrar no estúdio da rádio, suspirou forte e repetiu seu bordão, “sou Jonas Filho, desde pequenininho” e as lágrimas de saudade lhes escorreram pela face. Ele deitou a cabeça sobre a bancada de locução e chorou mais uma vez. Naquele momento teve a certeza que nem só de dinheiro se constrói a verdadeira felicidade dos justos!