Uma Mulher desconhecida.

 

       Não me lembro de ter lido algum a coisa a respeito da mulher sobre quem vou escrever agora. Nem de ter ouvido falar dela, seja em contato com minhas relações pessoais, seja através da mídia. Mas ela foi uma mulher muito importante em seu tempo. Desbravadora de caminhos, marcadora de espaços. Dessas mulheres que no passado ajudaram a construir o nosso presente. Seu nome era Mary Wollstonecraft, um nome quase impronunciável para mim. Quem me apresentou a ela foi Rosa Montero, em seu livro Histórias de Mulheres. Para saber mais fui flanar no Google. A soma de minhas lembranças resultará nesta crônica.

      Até aos dezenove anos viveu uma vida de cão: tinha um pai rico, mas totalmente perturbado. Adorava espancar. Não fazia diferença em quem batia: fosse a mulher, os filhos ou o cachorro. O primeiro que estivesse  em sua frente quando voltava das bebedeiras era o premiado. Deve ser por isso que, quando encontrou um viúvo rico deu no pé e foi viver com ele, trabalhando como governanta. Pelo menos oficialmente. Mas essa fase de sua vida durou pouco: tinha bom coração e senso de responsabilidade.Dois anos mais tarde, quando a mãe adoeceu ,voltou para cuidar dela e ficou até o fim.

      Quase não dá para acreditar: essa mulher foi completamente independente. Vivia, já no século XVIII, do seu trabalho e, melhor ainda, de seu trabalho intelectual. Sua relação com os homens era igualitária. Chegou ao ponto de considerar o casamento como uma prostituição oficializada. Mas, nunca deixou de ser mulher, uma mulher apaixonada. Até dói meu coração imaginar essa mulher corajosa, de caráter firme, se sentir destroçada por uma paixão desvairada e obsessiva. Quando foi abandonada pelo pai de sua primeira filha agiu como a mais louca das mulheres. E quando se apaixonou por um homem casado, visitou a mulher dele e propôs uma  ménage a trois.

           Algumas pessoas nascem na época errada. Muita gente que conheço, na minha opinião, deveria ter nascido no século passado. Mary foi o oposto. Nasceu muito adiantada para sua época. Se vivesse hoje certamente ainda seria considerada avançada. Nascida em família protestante, seu pensamento em matéria de religião ainda hoje seria considerado uma heresia. Eu posso dizer isso de cadeira: uma vez caí na asneira de questionar certos dogmas da Igreja Católica e quase fui colocada porta a fora, madrugada adentro, em pleno Rio de Janeiro. Minha hospedeira só faltou me chamar de capeta. Eu, que não sou tão louca assim, calei a minha boca e só na manhã seguinte dei no pé. Pois a nossa Mary fazia parte de um grupo religioso que alegava ser função da razão e não do dogma encontrar a verdade e que cabia a consciência individual e não as leis que os homens criaram como se fossem divinas orientar as decisões e o comportamento de cada um.

         Quando sua irmã Elisa abandonou o marido, pedindo o divórcio, causou um escândalo de proporções homéricas. Mary a apoiou e junto com ela abriu uma escola. Foi, portanto educadora. Escreveu e publicou sobre educação e política. Se Lilith foi a primeira feminista mitológica, Mary W. foi a primeira feminista moderna.  Prostituta para os homens, machista para as mulheres, era uma mulher perdida em seu tempo. Democrata, defendia que a liberdade verdadeira só existiria  quando houvesse oportunidades iguais para homens e mulheres.

       Quando se refez de sua  paixão  doentia uniu-se amorosamente a um amigo, o também escritor William Godwin. Ao engravidar, resolveram se casar. Mas a felicidade durou pouco. Dez dias após o nascimento da filha Mary, ela morreu e logo foi esquecida. No entanto, ironia do destino, esta filha viria a se tornar mais tarde uma personalidade famosa até os dias atuais: Mary Shelley, a autora de Frankenstein.

          Não cito aqui as obras de Mary W. porque não me lembro. Na verdade ainda nem mesmo consegui memorizar o seu sobrenome. Escrevo, como já expliquei acima, sem consultar os textos que li. São fiapos de lembrança. Faço isso com a certeza de atingir meu objetivo: despertar o interesse pelo livro de Rosa Montero e pela vida dramática e sofrida dessa mulher poderosa.  Quem quiser saber mais vai ter que beber em outras fontes. Vale a pena.