Da série Abdias 9-O testamento

O papel amassado

escondia farelos de pão.

O papel agastado de dores

ferido a grafite,em letra graúda,

repousava miúdo, escondido

por trás da moldura da Santa Ceia...

Que sempre ficava na parede...

-Acho que a danada ta chegando...

Todo dia dói o dia todo...

-Dondinha!Vou sentir tanta saudade...

Mas depois vai ser aquele descanso!

E até uma boca a menos...

-Acho que ela tá chegando...

-Dondinha... Cuidado com as meninas...

O Rinaldo é homem, é diferente, você sabe...

Não deixe de pagar a conta de seu Nicanor.

Olhe, nunca esqueça de dona Corina:

ela ajudou tanto Nem naquele dia...

Vamos perdoar Toinho:

a gente também erra!

-Quando eu for, minha velha,

me veste na roupa nova...

Aquela do São João!

Não quero a sandália franciscana, não.

Quero o meu chinelo...

Tá lembrada, Dondinha,

ganhei lá na quermesse da igreja...

-Ai!essa dor me dói...

-Dondinha, quando eu morrer

não chama ninguém não, lá da fábrica...

Lá eu só tenho amigos...

E isso não é festa que eu dê pra eles...

-Tá bem,Dondinha, mande rezar a missa!

Mas pede a padre Jesuíno

pra não falar muito de mim.

Faz só a recomendação...

-É tarde, Dondinha!

E essas besteiras vão ficando por aqui...