Acordar
Ainda antes da luz
fustigar a retina,
já o tímpano acolhe
uma melodia ancestral:
nem perene nem solene
sem génio,
quase sem jeito.
Como a tornar curta
uma longa história,
assim, de tão real
como por destino
e primordial
como por natureza.
A escorrer da noite
a manhã alonga-se,
desmembrada
e afaga-me no azul
o primeiro pasmo.
...Em brancos dedos
de primadona
ou só primavera,
só manhã primeira.
Azul se fez a ave
e voou só para se contar
numa fábula da Ericeira.
Sem saber que cantava
como ave primeira.
Sim!, de um azul
em que me encontrei
a ave cantou no céu,
por mim, à madrugada.
Um mesmo perfume
exalava o orvalho
e o amor sempre novo.
Cumplicidades
mescladas na aguarela,
mareadas no olhar,
escorridas,
em tons mornos e leves,
num desapego
de dentro de mim,
circunstancial e letárgico.
Um momento, por favor!
Ao que parece
eu só toco o piano
Não me olhem assim!
Não disparem!
Eu não vi nada,
acabo de acordar!
Para trás terá ficado
o adormecer neste céu
sem saber como.
Ah!, foi por um acaso,
talvez um desmaio,
um ocaso...