Criança chora por tudo
Por birra, por manha
Mas nada é mais triste
Que a criança que chora de fome
Não aquela fome de pedir para mamar
Mas aquela fome que dói de verdade
A fome que corrói as paredes do estômago
Que come a si próprio na falta de outra coisa
Nada é mais triste
Que a mãe fraca, esquelética
Anêmica
Com os peitos caídos e murchos
Sem uma gota de leite
Vendo a criança mamar
Em vão
Na pele borrachuda e vazia
Nada é mais triste
Que a criança de dois anos
Ter o mesmo peso de um bebê de dois meses
Branco, ocidental, rico
Que mama nas tetas da mãe
-Tetas fartas, cheias de leite
E que um dia vai mamar nas tetas do Estado
Nada é mais triste que o sorriso
Sim, o sorriso da criança faminta
Que mostra os dentes de cavalo
De uma maneira tão triste, tão sincera
Que quase nos cospe na cara a realidade
-Estou morrendo, sei disso, e só me resta esperar
Esperar
Esperar como Pedro Pedreiro
Esperar
A morte mais dolorosa
Que começa na barriga
Que já é cheia de vermes
E vai se espalhando pelo corpo
Até o suor ralo
Que chama as moscas e os urubus
Para o banquete escasso e duro
Sem carne alguma
E são esses os urubus
Que levam embora os ossos
Junto com a nossa vergonha
Por deixar uma criança morrer de fome