Meu nome é uma novela
Muito prazer! Obed de Faria Junior, a seu dispor! Antes que a dúvida surja, pronuncia-se “o-bé-di”, tal qual Mamede, Mohamed ou Unimed. Tanto faz!
Obed de Faria, obviamente, foi meu pai. Sua mãe, a quem nunca conheci, teve treze filhos vivos e sei lá quantos que não vingaram. Os que chegou a batizar, tiveram seus nomes todos extraídos da genealogia da Casa de Davi, que é relatada no Evangelho de Mateus, logo no início do Novo Testamento. Sabem do que falo? Aquela parte que diz que fulano gerou beltrano, que gerou cicrano, e por aí vai. Obed, segundo a Bíblia, foi avô de Davi.
Até onde pude descobrir, Obed, em hebreu, faz referência a um tipo específico de serviçal ou trabalhador subalterno que auxiliava nos cuidados com o rebanho. Messias era quem conduzia o rebanho. Os Obeds faziam parte da equipe de apoio.
Pois bem! Sou o filho caçula de uma linhagem com quatro irmãos. Somos dois casais. Meu pai, quando nasci, apesar de contar com apenas trinta e sete anos, já tinha a nítida certeza de que eu seria sua última contribuição à espécie. A raspa do tacho, como dizia ele. Resolveu, assim, dar-me seu nome.
De acordo com relatos do velho Obed, ao chegar no cartório para me registrar, já sabendo das dificuldades que o nome trazia, levou-o devidamente escrito num pedaço de papel e entregou ao responsável pelo registro. O homem deteve-se por um instante lendo a anotação e disse, sem pestanejar: “Mas o senhor quer que o menino seja alvo de gozações pelo resto da vida?” Meu pai ficou furibundo. Disse que aquele era seu nome e que, por esquisito que fosse, não via nada que pudesse trazer maiores problemas. O atencioso moço então esclareceu que não falava do prenome, mas sim, do sobrenome conjugado, qual seja: “Faria Filho”. Por suas projeções, eu passaria o resto de minha vida ouvindo que seria incerta minha capacidade de fazer filhos. Meu pai, então, concordou em alterar o nome para a forma que envergo até hoje: “Faria Junior”.
Vejam só! Eu absorvi toda herança genética do lado italiano da família, que vem da minha mãe; tanto o biotipo, como acento na fala, como trejeitos característicos, etc. Carrego um prenome hebreu, um sobrenome português e um sufixo inglês. Nem parece nome; é um ícone pela paz entre os povos.
Aqui e acolá, adotei, como meu pai fazia, o tratamento simples por “Faria”. Sou o “Faria” em muitos lugares e perante muitas pessoas. Isso não me poupa de ouvir, vez por outra, a pergunta sobre o quê, afinal, eu faria? Se faria? Como faria? Por que faria? Mas isso, eu tiro de letra. Só respondo que já desisti e, agora, não faço mais. O que está feito, está feito!
Remanesce, contudo, o “Obed”. Ainda é uma forma de tratamento que muitos utilizam. Eu gosto mais desta, apesar de menos prática, porque passo mais tempo explicando o tal do nome, sua pronúncia, origem e significação do que dizendo quem sou eu, enfim.
Já ouvi de tudo um pouco: “Odete” (e juro que sou homem!), “Bidê” (me agrada o ângulo, mas não a tarefa), “Obege” (e eu prefiro o azul), “OB” (esse é demais!) e, outros tantos. Contudo, há poucos dias, fui surpreendido com uma novidade. Alguém me chamou de “Albergue”. Isso foi ao telefone e a confusão fonética até se justifica.
Fiquei pensando nisso: “Albergue”! Eis aí um bom nome para me definir. Vivo por aí recolhendo as almas desvalidas que não têm para onde ir ou ficar. Mas todas são de estadia provisória. Todos entram sem pedir licença e ninguém nem fecha a porta quando sai. Minha vida é uma sucessão de acolhidas e despedidas, vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana.