Entre a pena e a espada
Passava eu por uma rua qualquer em que um grupo de meninos improvisava uma pelada. De repente, a bola escapuliu em minha direção e um dos garotos deu o alerta: “Chuta aí, tio! Manda pra nós!” Mais que depressa, com movimentos pouco elásticos que denunciaram a titubeante agilidade deste corpo combalido, dei um pique até a pelota e desferi-lhe uma portentosa canhota que a mandou a dezenas de metros do ponto para o qual eu pretendia que ela fosse. Ou seja, a redonda foi pra bem mais longe da molecada que, entre risos e impropérios, deixou bem claro o arrependimento de ter me convocado para o resgate. Tentei me defender remetendo a culpa à minha perna esquerda, à qual acusei de servir apenas “pra subir no bonde”. Nesse momento, passando por mim o heróico jogador que teve a ingrata tarefa de ir atrás da bola, perguntou-me ele: “Pra subir aonde?” Nem me preocupei em dar maiores explicações e prossegui em meu trajeto.
Dei-me conta que, para aqueles meninos, bonde é algo jurássico e que jamais fez parte de sua realidade. Quase não fez parte da minha, pois o último bonde a circular em São Paulo fez sua última viagem quando eu tinha apenas sete anos. Sequer me lembro de como era, de fato, um bonde pra valer. Essa idéia de ter sido contemporâneo dos bondes começou a me incomodar e isso ficou martelando em minha cabeça, onde eu repetia pra mim mesmo, como uma vitrola quebrada: “Você tá velho, meu chapa!”. Ocorre que as vitrolas, quebradas ou não, já saíram de circulação há muito tempo, também, o que só fez agravar minha angústia.
Pensei comigo: “Melhor virar o disco.” Pra quê, eu não sei, porque os CDs têm apenas um lado. Ai, ai, ai... Para aliviar meu mal estar resolvi convidar um amigo pra tomar uma cerveja ou algo assim. Saquei do celular e, inadvertidamente, errei o número, razão porque tive de pedir desculpas a quem estava do outro lado da linha, por ter discado errado. Só que telefones já não possuem mais disco. A gente tecla, não disca. Ai, meu Deus! Minha sensação de antiguidade só fez piorar. Mais do que nunca eu precisava ir tomar uma cerveja pra afogar minhas neuras. Tornei a insistir em busca de meu amigo e, do outro lado, uma mensagem eletrônica pediu que eu deixasse um recado e assim o fiz: “Oi! Que tal uma cervejinha mais tarde? Assim que der, me bate um fio no celular!” Só que as linhas móveis não tem fio!!! Arre!
Fiquei me torturando com aquela idéia e notei que, além de estar ficando velho, eu também me tornei um chato de galochas. Isso, apesar de não lembrar mais a última vez que vi um par de galochas na minha vida ou, sequer, de algum lugar que ainda as vendesse. A situação já estava ficando realmente crônica, quando cheguei em casa.
Obcecado pelas evidências do anacronismo de minha obsoleta existência, caí em depressão profunda e me pus a escrever como forma de compensar tanta frustração. Essa é a vantagem de quem escreve, pois não pensa em se matar. É o poder da pena sobrepujando a força da espada... Mas que espada, que nada! Estamos em tempos de pistolas automáticas e, por certo, estas mal traçadas linhas jamais poderiam sair de uma pena, mas sim, de um teclado. Ou seja, sequer podem ser mal traçadas, quando muito, mal digitadas, talvez.
Não sei mais o que fazer! Sinto que minha geração está prestes a ser página virada na história da humanidade... Ou será uma página deletada?