Faltando ao trabalho

Publicado por: Felipe Vasques
Data: 24/06/2017
Classificação de conteúdo: seguro

Créditos

Felipe R. A. A. Vasques (Lipevasques)
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Faltando ao trabalho

Meio dia e meio – O sol forte incide, diretamente, sua luz quente em meus olhos. O ponto de ônibus, não protege do calor e muitas pessoas se aglomeram ao meu redor. Buzinas, fuligem de carros, barulho de motores. São Paulo está sugando meu fôlego. Os olhos embaçados e a camisa molhada de suor. Afrouxei a gravata. Os cabelos grudados na testa exibem minha agonia.

Meio dia e meio – O ponteiro do relógio está firme na sua decisão de marcar esse horário sufocante. Estou sentindo o ar faltar, mas disfarço. As pessoas podem ficar me observando e tenho vergonha quando olham pra mim. Não quero demonstrar meu tormento.

Meio dia e meio – Muito barulho, carros passando. As pessoas conversam entre si e não me veem. Estou aqui atrás, sentado no assento do ponto de ônibus. Um mendigo está no meio fio sentado de lado. Ele parece ser o único a me observar. Tento disfarçar os olhares, mas volta e meia fixo meu olhar com o dele. Disfarço olhando para o relógio.

Meio dia e meio – A visão parece embaçar de vez em quando. Não vejo verde na cidade, sinto falta de ar. Nenhum pássaro canta. Passo a língua nos lábios e sinto o gosto salgado de suor. O mendigo continua me olhando. Ele está sujo, roupas velhas. Parece não sentir o calor que faz naquela hora do dia.

Meio dia e meio – O ar quente que respiro entra sufocando. Resseca a garganta. Estou trêmulo dentro do terno azul escuro. Os olhos fundos. Estou me sentindo muito mal. Desidratado, sinto as mãos sujas. Tento disfarçar. Não quero que me vejam. Não quero que me reconheçam. Estou sem meu celular. As pessoas devem estar ligando. Estou me sentindo péssimo. Sem dinheiro. O relógio de pulso parece prender a circulação.

Meio dia e meio – Um ônibus se aproxima e leva alguma gente. O mendigo me observa. Parece entender o que eu sinto. Parece um abutre esperando o fim. Os olhares fixos dele contrastam com a forma que os outros me ignoram. Afundo lá no canto do ponto de ônibus. As paredes cheias de pichações e cartazes rasgados. Minhas unhas estão sujas. Uma sujeira escura. Penso que o rosto está sujo também. Limpo com as mangas do terno. O calor desagradável me incomoda muito. Mas tenho vergonha de levantar dali. As pessoas vão me olhar nos olhos e me ver daquele jeito ao meio dia e meio.

Meio dia e meio – Preciso beber água. O meu corpo já está conhecendo o limite. Preciso me levantar e andar. O mendigo observa sem se mover. Ele não vai me pedir nada. Ele sabe o que eu fiz essa madrugada. Com os lábios ressecados, tento engolir alguma saliva. Sei que estou num mau cheiro terrível. Preciso de um banho. Não posso chegar a minha casa assim. Esse meu rosto abatido não consegue rir. Um rosto sem expressão e sujo, olhando para um relógio que marca exatamente meio dia e meio.

Felipe Vasques
Enviado por Felipe Vasques em 18/06/2017
Reeditado em 27/06/2017
Código do texto: T6030895
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