GRITOS NA NOITE
No meio da noite, Gerard encontrou a única hospedaria naquele fim de mundo. O dono do lugar, vestindo um velho pijama, abriu a porta que rangia ao menor movimento. Enquanto Gerard tentava assinar o livro de registros que caía aos pedaços, Herculano observava seu novo hóspede. O moço parecia rico. E o preço da diária subiu repentinamente.
Uma larga escadaria levava ao andar dos quartos. Apesar de minúsculo, o aposento estava limpo. Exausto, Gerard jogou-se na cama e caiu no sono. O som de um grito de mulher acordou-o. Sem titubear, Gerard pulou da cama e abriu a janela. Então ouviu outro grito. Desta vez, mais alto. O som vinha da rua. Não demorou até que ele pudesse ver uma mulher de cabelos ruivos diante da hospedaria. Sob o céu repleto de estrelas, a desconhecida gritava:
— Gerard, Gerard, Gerard!
Dividido entre a curiosidade e o espanto, Gerard tentou esclarecer o mistério:
— Como você sabe o meu nome? Nunca estive aqui antes nem a conheço.
Ignorando o que ele acabara de dizer, a mulher continuava aos berros:
— Gerard, Gerard, Gerard!
— Mas o que significa isso? Você é louca?
Por um brevíssimo instante, a ruiva interrompeu a gritaria, desviando o olhar em direção à janela onde ele estava. Em seguida retrucou:
— Como você é chato, Gerard!
Antes que ele pudesse abrir a boca, a mulher saiu rodopiando pela rua. E gritava agora outro nome:
— Pierre! Pierre! Pierre!
(*) IMAGEM: TELA "NOITE ESTRELADA" - VAN GOGH