TELA DE SANGUE
Escolhia as mulheres seguindo seus passos. As eleitas — invariavelmente — eram do interior de outros estados, sem família ou conhecidos na cidade. A herança deixada por sua velha tia facilitara tudo: a compra do estúdio localizado numa rua sem saída, além dos contatos que forjaram o curriculo de um artista plástico. Não seria complicado atrair as mulheres até seu ateliê com a promessa de pagar, numa noite, o que elas ganhavam durante um mês. Quando a primeira vítima concordou em servir de modelo, despindo-se bem ali à sua frente, ele sorriu como uma criança perversa.
Descobrira o prazer de matar, ainda menino, eliminando os animais de estimação da própria mãe. Com o passar dos anos, os bichos foram substuídos por mulheres. Metódico, criara um padrão de ataque: agia com naturalidade, e extrema rapidez, sem dar tempo para que a presa reagisse. Quando se aproximava, fingindo ajeitar a postura da modelo, ela sentia algo gelado no ventre: a lâmina da faca acabara de cortar sua carne. E o sangue escorria naquela pele branca, tão branca quanto a tela vazia sobre o cavalete. Golpes violentos rasgavam o corpo até que não houvesse mais sinal de vida.
Diante da mulher inerte, pinceladas de sangue e tinta alternavam-se num ritual delirante. Àquela altura seu prazer alcançava um ritmo ainda mais frenético. O líquido vermelho confundira-se com todos os outros tons. As cores explodiam na tela como se o sangue trouxesse uma estranha força aos traços. Os corpos eram colocados em gavetas do enorme congelador no porão. E os quadros expostos na sala reservada para nenhuma plateia, além de seus olhos azuis.
Três meses após o último assassinato, o obscuro desejo voltou a dominá-lo. Numa tarde melancólica de outono ele escolheu seu alvo, e seguiu a mulher pelas ruas do bairro. Ao vê-la entrar numa galeria de arte, pensou que estava na hora de mostrar ao mundo suas telas. O sucesso foi estrondoso.
(*) IMAGEM: Google
"Return to Red", Nancy Eckels
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