In vinu veritas
Quem não conhece
Os prazeres que o vinho tem?
Aos que o invocam
Aplaca remorsos
Evoca lembranças
Elimina dores também
Sob seus domínios
Se constroem castelos
Ganha-se uma segunda juventude
Consciência, fortuna, virtude
Volúpias fulminantes
Encantamentos enervantes
Escondido nas fibras da videira
Um deus misterioso
Surge grandioso, em plenitude
Mas a semelhança é do homem
Quem terá coragem
De condenar suas vicissitudes?
Além disso,
O vinho não é um lutador
Certo de vitória,
Na face da dor
Não quer misericórdia
Piedade ou amor
Portanto, humanos seres
Não sejamos cruéis com ele
Tratemo-nos como um igual
Às vezes, ouço sua voz
Uma voz celestial
Que me irrompe da prisão real
Em minha cela de vidro
Entre aldravas de cortiça
Um clamor cheio de vida
Devo-lhe minha dança
Eliminou minha preguiça
E lhe recompensarei com bonança
Com generosidade e venturas
Hoje, livre de agruras
Sou a esperança dos domingos
Ressoa-me a glória dos tempos passados
Os cânticos de amor ressoados,
Brindo com inimigos atordoados
Sou a alma da pátria galante
Quando caíres no fundo de meu peito
Íntima poesia num instante
A nós, invoco deuses e flutuo
Como pássaros, perfumes incessantes
Intrépidos seres andantes
Eis que ouço a nitidez
Numa canção extasiada
Maldito aquele cujo coração
Pulsa egoísmo e ingratidão
Óh! Senhor Vinho,
Ergo-lhe minha taça
Elixir de nobre raça
Encontrá-lo-ei diariamente
A descansar em minha adega
Bebê-lo-ei em minha mesa
Será minha entrega, minha certeza
Em seus braços descansarei
Brindemos:
Longa vida ao Rei!
*Baseado na obra:
Paraísos Artificiais: Sobre o vinho:
Charles Baudelaire (1821-1867)