Autocrítica

 

Autocrítica



Caiu-me nas mãos um exemplar de um dos livros que publiquei anos atrás. Tomei-o com pouca atenção, abri suas páginas e folheei-o superficialmente, identificando pelos títulos algumas das coisas que lá ficaram cravadas. Despontou em mim um certo constrangimento, que não é novo, mas que habita cá dentro desde a época em que revisei quase tudo que escrevi. Os textos contemplados naquela obra que eu lia já haviam, praticamente todos, assim como os que lá não estavam, sido revisados e, conforme o caso, republicados virtualmente ou descartados de modo irrevogável.

Alguém poderia questionar o porquê de tal constrangimento, já que diz-se que um homem, nesta vida, deve, ao menos, ter um filho, publicar um livro e plantar uma árvore. Minha cota de contribuição para a perpetuação da espécie, eu cumpri com sobras. Mudas e sementes de plantas já as distribuí em volume suficiente que isenta minha consciência quanto à devolução ao meio ambiente daquilo que eu possa ter-lhe tomado. Quanto aos livros, entretanto, confesso que, a despeito de efetivamente tê-los publicado, não considero que tenha honrado o objetivo que dignificaria tal ato.

Ressalvo, desde já, que naquela ocasião não tinha em mente a obtenção de nenhuma vantagem econômica. As edições publicadas tiveram tiragem reduzida e foram idealizadas para que eu presenteasse as pessoas que gosto e admiro e tal desejo, enfim, foi consumado como concebido. Eu mesmo, não fiquei com nenhum exemplar.

Entretanto, quando repasso o teor do que ousei mandar editar, não posso deixar de notar que, afora os traços de meu tosco estilo, dos quais não consigo me desviar, o resultado é bem inferior àquilo que, hoje, eu me atreveria a trazer a público. Há erros de revisão, há trechos excessivamente longos, há raciocínios pateticamente rocambolescos e, por fim, há temas que foram desenvolvidos de maneira sofrível. Aquelas publicações de outrora atenderam, na ocasião, aos apelos de minha vaidade, mas por seu efetivo valor literário, creio que tenham sido verdadeiros presentes de grego.

Por isso, creio que nunca mais perderei o senso de que o que, hoje, possa me parecer razoável, daqui uns meses – talvez, anos – quando minha opinião estiver imbuída de uma isenção que só o distanciamento no tempo traz, haverei de perceber que não é bem assim. Isso me impele à constante busca pelo capricho e uma reverência, que não chega a ser um fetiche, pelo perfeccionismo.

Não! Não se trata de modéstia, porque isso não me cai bem e soaria como algo hipócrita. Trata-se de autocrítica. O que me consola é que jamais permito que essa noção de autocrítica se transforme numa propensão ao autoflagelo da auto-estima. Como diria Aristóteles, só sei que nada sei. E há quem nem disso saiba; há os que dizem que sabem, mas não entendem o que isso quer dizer; e há os que sabem mesmo, mas não ligam! Cada um que faça sua própria autocrítica. 

                                             .oOo.