Houve um tempo em que residi numa casa de que gostava muito. Falo da casa enquanto edificação, porque ali, na verdade, ruiu o último esboço de lar que tentei erigir e isso, obviamente, não traz lembranças muito doces. Não quero me deter na descrição de muitos detalhes do imóvel, porque isso seria enfadonho. Mas o que me atraiu a adquiri-lo foram dois aspectos principais: o grande portão de entrada era encimado por uma frondosa e florida primavera e, no segundo nível da casa dois portais faziam com que a espaçosa sala de estar desembocasse numa varanda. Da varanda era possível assistir a primavera florindo esplendorosa e esta, enfim, além de embelezar o ponto de vista exterior, servia de obstáculo natural para quem de fora olhasse, camuflando nossa preciosa privacidade. Se é verdade que a casa de um homem é o seu castelo, aquela minha primavera servia como principal cidadela, posto que dela fiz simbólica fortaleza para meu coração. Ao longo dos anos em que vi meus sonhos de um lar feliz ruírem aos poucos, era naquela varanda que me sentava e lançava meu espírito à frente, abrigando-o no colorido com que a primavera me sorria, buscando ali algum conforto que permitisse enfrentar os dias que rastejavam em busca de esperança. Certa feita, cheguei em casa e, ao invés da vistosa figura florida que sempre me recebia, angustiado percebi os arcos do portão de entrada vazios, despidos de qualquer alegria. Uma tempestade com ventos muito fortes levara minha primavera ao chão. E lá estava ela, tombada no caminho que dava acesso entre o portão e a casa. Seu tronco, não resistindo às forças da natureza, lascou-se e perdeu a sustentação. As ramas de flores, ainda presas nos galhos, agonizavam tentando fazer com que seu colorido as pudesse manter na paisagem. Por todo lado, entretanto, muitas flores se espalharam já sem nenhuma esperança. Sentei-me no chão, toquei com pesar minha primavera e, triste e assustado como criança que vê seu balão de gás fugindo no horizonte, chorei! O tronco da planta não se rompeu de vez, apesar da brusca e violenta queda. No dia seguinte, podei-lhe os galhos, recoloquei o que restou de pé alinhando o caule com cuidado e, qual como quem tenta curar uma fratura, amarrei-o firmemente com talos e cordas, contando que o estrago se emendasse e a vida da árvore pudesse, enfim, retomar seu curso. Por incrível que pareça, tive sucesso, porém, relativamente. A árvore se reconstituiu e, vagarosamente, começou a espalhar de novo seus brotos sobre os muros do portão. Contudo, enquanto a primavera convalescia e tentava novamente se romper em flores, meu ânimo se rompeu em amargura, porque ficou sem nenhum consolo. Definitivamente, a última cidadela havia caído e não havia tempo para esperar que sua recuperação surtisse efeito. Não por esse motivo mas, talvez, por uma daquelas coincidências inexplicáveis, dias depois deixei aquela casa, dei os sonhos como irrevogavelmente frustrados e fui tentar emendar as fraturas da alma em outras paragens. Quem ficou para trás, como que em represália por minha reação, extirpou sem dó a primavera que eu tanto amava, antes que ela pudesse dar flores novamente. E eu, até hoje, não consegui mais florir plenamente, mesmo que em sonhos.