Manuel Portuga, como era chamado o dono da padaria da esquina, mantinha sempre um olho na caixa registradora e o outro na sua mulher, vinte anos mais nova, vistosa, bunda e peitos avantajados, uma boca carnuda e sensual sempre coberta por um batom vermelho como o sangue. Portuga morria de ciúmes da dita cuja -dona do seu coração e responsável pela sua aflição sem fim- cujo nome: Soraia, poucos fregueses sabiam; conhecida que era -naquele pedaço- como a "esposa do Portuga".
Faceira, ela flertava com todos os clientes da padaria, garantindo dessa forma uma freguesia fiel, assídua e totalmente comprometida com o pecado da cobiça. Portuga, nesse particular, não tinha do que reclamar, pois as burras estavam sempre abarrotadas daquele bendito dinheirinho. Por outro lado sofria, como se estivesse ardendo em febre, cada vez que a surpreendia olhando -encantada- para algum mancebo bem apessoado.
Com medo de perdê-la, tratava-a como se uma rainha fosse, comprando-lhe as mais caras jóias, vestidos, perfumes; satisfazendo toda a sorte de desejos que ela manifestasse, ou como ela costumava fazer, rodeando o assunto sem falar claramente, mas deixando tudo muito claro...
Soraia era a única pessoa a quem Portuga entregava o comando da caixa registradora em casos de emergência, como uma dor de barriga repentina, ou para esvaziar a bexiga. Nesse dia, porém, a barriga lhe doía fora de hora, mas ela, Soraia, havia se enfurnado no interior da padaria, onde estava a fiscalizar a feitura da massa; tarefa que reivindicara para si desde o começo do casamento. Deixando o caixa na mão de um funcionário, ele foi como uma bala em direção ao banheiro. Lá chegando sentou-se no vaso, possuído de uma intensa alegria que foi desaparecendo aos poucos, à medida que ele ouvia alguns gemidos no quartinho ao lado. Sem conferir o que estava acontecendo, voltou cabisbaixo para o seu posto, como se nada tivesse acontecido...