Quem me dera ser poeta Da mais rica inspiração Pra, na linguagem correta, Fazer do choro canção, Fazer riso do gemido. Ah! Se os esprito sabido De Catulo e Juvenal Falassem por minha boca, Pro mode eu cantá a caboca Da minha terra natal.
Desta terra de gulóra, Meu querido Ceará , Que é conhecido na históra Por “Terra dos Alencar “, Terra dos índios valentes Que mataram muita gente De frecha e também de pau, E terra onde, primeiro, O povo do cativeiro Se livrou do bacalhau.
A sua pobre caboca É bela, forte e gentil, Porém minha idéia é pouca, Mode eu dizê tudo aqui Tem ela o corpo composto, Também a marca no rosto Do quente sol do sertão. E tem a cabeça chata De tanto carregá lata Com água do cacimbão.
Ela não anda decente Nem pissui inducação Pois veve constantemente De alpargata ou pé no chão. Não tem de letra ricurso Não sabe fazê discurso Não sabe lê nem contá Pois não tem sabedoria Mas faz renda, cose e fia E trabaia no tear.
É simples, muito singela, Porém tem grande valor: Quem véve pertinho dela Tem um anjo potretor ! Ela não tem pele fina, Como as donzela granfina Que tiveram inducação. Nem tem dedo despontado, O seu dedo é achatado Da enxada e do pilão.
Mas porém a gente nota Nela um jeito, um não sei quê Com um risinho ela bota Qualquer rapaz pra ruê. É boa, amável e bonita E quando, de amor, palpita, Querendo arranjá xodó, Tem caborge, tem feitiço, Não precisa de artifíço, Não bota ruge nem pó!
Pensando no casamento, Véve cheia de prazê. O beijo do atrevimento Não gosta de recebê. Não gosta de certas graça, E, muitas vez, até passa Dez ano sem namorá! Esperando o noivo amado, Que saiu do seu estado, Pras bandas do Paraná.
Esta caboca roceira, Que na armadia não cai; Muntas veis morre sorteira, Pra num disgostá seu pai. Só satisfaz a vontade Se o véio dé liberdade, Eu conheço muito bem! Essa caboca interada, Que sabe sofrê, calada, As mágoa que o peito tem.
Eu sei de tudo, e tô certo, Do seu prazê e sua dor. Eu conheço, bem de perto, Sua corage e valor; Pois eu tenho visto munto, Quando é dia de adjunto, Na mais quente animação, Ela fazê, com despacho, Proeza de cabra macho, Com uma enxada na mão!
Bem cedo, de menhãzinha, Quando o sol briando sai, Quando ela arruma a cozinha, Para o seu roçado vai, Pro móde ajudá o marido, Muitas vêiz, endurecido, Sem esperança e sem fé... Que só não se desespera, Pruque ouve e considera Os conseio da muié!
Caboca, eu bem te compreendo: Sinto muito e tenho dó. Quando eu te vejo sofrendo, Derramando o teu suó, Lutando por tua vida. Caboca desprotegida, Eu tenho pena de tu, Quando eu encontro teu fio, Exposto ao calô e ao frio, Doente com fome e nu!
O grande, o maior coidado, Que tu nesta vida tem É zelá teu fio amado, Que tanto adora e qué bem. E, muntas vêiz, chega a hora De vê teu fio i simbóra, De farda, quépe e fuzí, Pra se metê nas fiêra, Honrando a nossa bandeira, Em defesa do Brasí!
Muntas veis te móia o rosto O pranto triste que dói! Quando teu fio, disposto, Fazendo papel de herói, Vai se oferecê à guerra. Caboca de minha terra, Tu devia ser feliz! Em recompensa dos fio, De tanto valor e brio, Que tu tem dado ao país.
Só a potreção do Eterno Te faz corajosa assim! Quando fáia o nosso inverno, Que chega o rigor sem fim, Tu, sem pão e emagrecida, Deixa a terra bem querida, teu caro e doce torrão, E vai, toda paciente, Com a família na frente, Escapar no Maranhão.
Munta prova tu tem dado, Da mais disposta muié! Eu, que vivo do teu lado, Tô vendo e sei que tu é Bela, forte e muito boa, Mas, te peço, me perdoa, Eu não te posso cantá! Pruque num sou protegido Pelos esprito sabido De Catulo e Juvenal
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Décima Para Patativa - Repente
( Geraldo Amâncio, Ivanildo Vilanova, Oliveira de Panelas e Otacílio Batistal ).
O famoso Patativa, Poeta do pé da serra, Vive de mãos calejadas, Colhendo os frutos da terra. Da enxada pra caneta, Com tinta vermelha ou preta, Pinta seus versos com fé. Num quadro expansivo e novo, Simples poeta do povo, Patativa do Assaré!
Patativa, um mito vivo, Fez, dos versos, sua imprensa. Da Poesia, sua crença, Da rima, seu sedativo. Da estrofe, o lenitivo, Dos poemas, sua fé. Fez da Arte a sua Sé E das nuvens, seu devaneio. Por isso, eu homenageio Patativa do Assaré!
Oitenta e cinco Janeiros Pulsam no seu coração. Seus livros são como o cheiro Das florestas do Sertão. De sua pena divina, Inspiração nordestina: “Cante lá que eu canto cá”! Quanta saudade sentida, Na voz da “Triste Partida” “Vaca Estrela e Boi Fubá”.
Roberto é rei da canção, Do barro, rei Vitalino, De cangaço, Virgolino, Rei famoso, Lampião! Gonzaga é Rei do Baião, Brasil foi rei do café, Do futebol, Rei Pelé, Pinto foi rei do Repente, Existe um rei entre a gente: Patativa do Assaré!
Pedro Gonçalves da Silva E Dona Maria Pereira, Os saudosos genitores Da fulgurante bandeira! Sem pensar numa viola, Só freqüentou uma escola Com doze anos de idade. Leu cordéis e descobriu Que dentro d’alma sentiu Ser poeta de verdade!
Castro Alves, da Bahia, Aos escravos defendeu! Beethoven, enquanto viveu, Disse tudo, em sinfonia! Dom Hélder, em Teologia, É maior que Maomé, Buda, Brhama e Lao Tsé! Porém, os nossos problemas Tão escritos nos poemas Do Poeta do Assaré!
Com seus dezesseis Janeiros, Penetrou no Paraíso Das cordas de uma viola, Maravilha do improviso! Depois, com vários poetas, Sentiu verdadeiras setas, Mensageiras do Infinito. No Recife, o Repentista Enfrentou Louro Batista, De São José do Egito!
Catulo foi verso e prosa, Zé Praxedes, Zé da Luz, Zé Laurentino produz, Raldênio e Chico Pedrosa! Dedé Monteiro até glosa E Amazan dubla Dedé! Pompílio Diniz até Me escreveu do espaço, Com todos, manda um abraço Ao Poeta de Assaré!
José Carvalho de Brito, Um cearense do Crato, Fez, de Antônio Gonçalves, O Patativa do mato! Lendo as suas poesias, Publicou diversos guias No Correio do Ceará! Seus poemas são o canto Da patativa sem pranto, Nesse Brasil de “culpá”.
Medita, como profeta De uma mensagem perfeita! A sua fusão é feita De uma trindade completa: De sábio, gênio e poeta, Se compõe, nesse tripé. Eu acho, até, que Noé, Se ouvisse o seu doce eflúvio, Livraria do Dilúvio Patativa do Assaré!
Grande amigo de Henriqueta, Galeno e a Família Arraes, Seus versos são como brilho Das estrelas siderais! Casado com a camponesa, Belinha, sua princesa, A Belarmina Cidrão. Atualmente, Belinha Não é princesa: é rainha, Dona do seu coração!
O seu cantar se deriva Daquilo que é mais bonito! Sem saber, tornou-se mito E é, hoje, uma lenda viva. Quando vejo Patativa Me curvo, se estou de pé! Eu mesmo tiro o boné, Sem ficar complexado, Para um poeta chamado Patativa do Assaré!
Isto sim, é Poesia! Viva o Povo Brasileiro!
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