Pais em dose dupla

A população da chamada Terceira Idade no Brasil cresce a cada ano e já sente os efeitos de mudanças positivas nos cuidados da saúde, que significam mais expectativa de vida. E esta turma grande está buscando o espaço que merece num país ainda bastante preconceituoso e ingrato, que, muitas vezes, usa as palavras “velho” e “idoso” de maneira pejorativa e até debochada. Quem dera se pudéssemos ainda entender, como alguns povos orientais, a magnitude e o respeito pelo envelhecimento! É um caminho natural, como o é a morte física. Nada mais.

Milhares de famílias nordestinas têm sobrevivido, em tempos de seca voraz, única e exclusivamente do dinheiro dos aposentados. A aposentadoria rural de um salário mínimo representa para uma boa fatia da população interiorana daquela região a única fonte de sobrevivência. São homens e mulheres (principalmente estas) que continuam a exercer integralmente o papel de pais – tanto de seus filhos quanto dos filhos destes. Ser “avohai”, como canta Zé Ramalho, é ter que agir com a sabedoria e paciência dos avós e a firmeza e agilidade dos pais.

E mesmo longe do Nordeste ou dessa realidade social tão castigada, muitos são os que terminam vivenciando, na prática, essa condição de “avohais”. As vovós, então, são verdadeiras bênçãos para muitos casais que não podem dar assistência integral a seus filhos. Considerando-se aquele velho e questionável ditado de que “ser mãe é padecer no paraíso”, uma avó que ajuda cotidianamente a cuidar dos netos pode perfeitamente afirmar que vive um padecimento em dose dupla.

Como não há um ditado parecido para o pai, nem ele como avô é tão responsável pelas tarefas mais “árduas” ao cuidar dos netos, sobra mesmo para as vovós os louros dessa “batalha”. Já é bastante comum os casos de avós que, para ajudar os filhos, assumem em parte a criação dos filhos deles.

Em tempos de crise econômica para quase todos, poucos casais escapam da necessidade de trabalhar fora, e terminam tendo nisso uma séria dificuldade em encontrar tempo disponível para se dedicar aos rebentos. Alguns resolvem a situação deixando os pimpolhos numa creche; outros contam com o serviço de babás; e outros, seja por conta do orçamento apertado, seja por não confiarem em estranhos, preferem solicitar uma ajudinha daqueles que já têm muita tarimba no assunto, não representam despesa extra (ao contrário!) e são totalmente confiáveis.

Na psicologia há quem defenda a tese de que uma criança criada por pais e avós simultaneamente possa vir a sofrer uma desestruturação no seu modo de entender e vivenciar o mundo. A corrente que defende esta linha ressalta que o choque de gerações pode incutir na cabeça dessa criança valores muitas vezes contraditórios, levando-a a sérios conflitos de idéias e de comportamento.

Outros psicólogos, no entanto, vêem nesse tipo de criação um fator positivo na educação infantil. Os argumentos giram em torno do amor e cuidados normalmente dispensados pelos avós, que, mesmo estando em contato frequente com seus netos, ajudando na criação deles, a maior referência para a criança continuará sendo os seus pais.

Estudos da área afirmam que até o segundo ano a criança vive uma relação de simbiose com a mãe, mantendo-se bastante próxima dela. Já aos três anos entra a percepção mais aguçada da figura do pai, passando aí a haver uma relação triangular. Se outras pessoas, como os avós, participam de perto da sua criação, há uma possibilidade maior do vínculo com os pais não se tornar algo tão fechado e que possa até mesmo limitar a sua vida.

Independentemente da corrente que possa estar mais próxima da verdade, o que não se pode perder de vista é o valor maior que existe na Terceira Idade. Há nesta fase uma sabedoria de vida que pouco tem a ver com classe social ou conhecimento intelectual. Ela está intimamente relacionada com a capacidade de superar os muitos limites comuns da vida, que são obstáculos quase intransponíveis durante a juventude.

Roberto Darte
Enviado por Roberto Darte em 08/05/2008
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